Uma conversa sobre adultocentrismo

O que é adultocentrismo? Será que pessoas jovens podem ser adultocêntricas? Conversei com a psicóloga especialista em gênero e sexualidade Elânia Francisca sobre o tema.

Por Luara Angélica

Nós, enquanto jovens, sofremos com a “estrutura perversa de estereótipos nas contraditórias representações sociais sobre a juventude“ como disse Wanderson Martins em seu artigo . Nas minhas palavras: esse mundo movido e reinado por adultos, a juventude recebe um olhar preconceituoso da sociedade. Como diz a citação batida de Charlie Brown Jr: O jovem no Brasil não é levado a sério.

Mas, será que nós reproduzimos as opressões que vivemos? Como você se relaciona com as crianças da sua vida, do seu entorno?

Hoje eu quero falar de adultocentrismo. Não se assusta com o palavrão e continua lendo aqui <3
Pra falar disso, eu conversei com Elânia Francisca, moradora do extremo sul da cidade de São Paulo, Psicóloga, Especialista em gênero e sexualidade, mestre em educação sexual e atualmente no mestrado na USP, estudando as pedagogias marginais em sexualidade e escreve para a Viva Bem .

Você pode ouvir a conversa na íntegra, no formato podcast, clicando aqui:

Uma sociedade adultocentrada não respeita os desejos de crianças e adolescentes e isso é só uma das problemáticas.

Nesse carrossel, Caroline Janiro cita 10 coisas que esperamos das crianças, mas dos adultos não:

Dentro disso, temos várias problemáticas como, por exemplo, os resultados de não respeitarmos os desejos e sentimentos das crianças. Eu dei alguns exemplos, mas precisamos saber: O que é adultocentrismo? Para Elânia, o adultocentrismo é  “essa ideia e esse desejo de que você tem que exercer um poder sobre o corpo de um jovem.”

Mas será que os próprios jovens podem ser adultocêntricas?
Elânia responde que:

Sim. Porque quando se completa 18 anos e você não é mais adolescente, é jovem e adulto você começa a olhar “Eu quero me parecer mais com a juventude ou com um adulto?”
Aí depende. Se for para falar de padrão de beleza, se for para falar de uma norma social de culto à juventude, aí eu me identifico enquanto jovem. Mas quando é para exercer um poder sobre uma criança ou sobre um adolescente aí eu me identifico enquanto o adulto. Eu não viro para uma criança e digo assim: “me respeita porque eu sou jovem”. A gente diz: “ me respeita porque eu sou a pessoa adulta aqui”. Então o jovem pode reproduzir um olhar adultocêntrico sobre crianças e adolescentes sim.

E qual é o nosso lugar – enquanto jovens – nessa sociedade adultocêntrica? Elânia diz:

Eu acho que a juventude é a fase que está tanto no lugar de sofrer com os efeitos do adultocentrismo quanto na fase de reproduzir o olhar adultocêntrico sobre o corpo de crianças e adolescentes. Então eu penso que é nessa fase dos 18 aos 29 que tem uma grande possibilidade dessa juventude falar em primeira pessoa do quanto os efeitos do adultocentrismo foram prejudiciais para esse desenvolvimento e também do quanto essas pessoas enquanto jovens/adultos podem também contribuir para romper com essa lógica.

Eu, Luara, acho que o nosso lugar é o de protagonizar uma mudança extrema nessa estrutura que vivemos hoje. Tendo como base as mulheres, os adolescentes e jovens da argentina, eu gosto de falar de vínculo centrismo: pra deixarmos de viver nessa sociedade adultocêntrica, e pensar as relações a partir do vínculo: um vínculo pela garantia de direitos.

Elânia usa o termo “comunidade vínculo centrada” também inspirada em profissionais de psicologia e adolescentes e jovens militantes da Argentina:

Na verdade o contrário de adultocentrismo é comunidade vínculo centrada. Então o que faz com que eu dialogue com adolescentes e jovens é o vínculo. O que faz com que eu queira estar com adolescentes e jovens numa construção coletiva de uma sociedade justa e com equidade, é o vínculo pela via da garantia de direitos, o vínculo pela via da garantia do direito de poder falar e ser executado e não só falar e ser desvalidada

Elânia termina acrescentando:

Eu também quero falar de uma questão que é:
O machismo, que somado ao racismo, a questão de classe e ao adultocentrismo, faz com que meninas e meninos trans e cis, sejam olhados de uma forma hiper erotizada pelo adulto.
Esse culto à juventude na verdade não cultua a juventude de dizer “ai eu venero os jovens e respeito os jovens.” Esse culto à juventude é um culto ao corpo jovem. Então é olhar para esse corpo jovem e dizer “eu quero, eu desejo, eu preciso ter esse corpo jovem para satisfazer meu desejo sexual.

Nós viveremos socialmente melhor quando conseguirmos pôr em prática o respeito à diversidade e a empatia que tanto pregamos.

Defendo o ECA tão forte quanto o movimento “defenda o SUS”. Vamos juntes?

Luara Angélica

Arte em fundo branco. Na esquerda, foto de uma jovem branca sorrindo sobre linhas finas coloridas. texto: Luara Angélica. Tem 20 anos, é artista, comunicadora periférica e ativista pelo seu território: parelheiros. logo instagram @olhaumalua logo twitter @olhaumalua

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