Um outro lado da COP21: A Terra Sagrada de Rodrigo Titiah-Tawary

Pedro Neves, da Agência Jovem de Notícias

“A nossa Mãe Terra está pedindo socorro. A nossa Mãe Terra está chorando. Só nós, seres humanos, podemos ajudá-la”. Vai direto ao ponto  Rodrigo Rocha Titiah-Tawary, 24 anos, indígena da aldeia Pataxó Hahahae, localizada no município Pau Brasil, no Sul da Bahia. Aldeia com 54.100 m² e mais ou menos 5 mil indígenas.

Rodrigo, pasmem os desinformados, está presente na COP21, a Conferência ONU sobre Mudanças Climáticas, que acontece de 30 de novembro a 11 de dezembro em Paris. O jovem ativista não veio à toa: “Represento os povos indígenas do Brasil e nossa missão na COP21 é mostrar para o mundo que temos muito a contribuir e ensinar, pois defendemos nosso território sagrado. Os negociadores precisam ter consciência de que estão aqui negociando vidas, e não dinheiro ou interesses das empresas”, conta.

Rodrigo é uma pessoa peculiar pela história de vida.  Ele entende que existem dois mundos diferentes caminhando juntos, como realidades opostas que precisam colidir. Anda pelas salas e auditórios da COP21 vestido com assessórios indígenas como se fosse normal no meio de tantos “pinguins” de terno e grata. O rosto é pintado de vermelho com faixas pretas, uma espécie de tiara de penas na cabeça e colares coloridos no pescoço.

“Temos dois tipos de pintura: a preta e a vermelha. Quando estamos pintados de preto, é um sinônimo de manifestação pacífica e espiritual, de alegria. Quando nos pintamos de vermelho, significa que estamos em luta, em guerra. Quando vemos que algo de ruim está acontecendo e vamos defender nossas crenças. Por isso estou pintado de vermelho na COP21. Estamos em embate com os negociadores, pois eles precisam saber a realidade dos povos nativos e tradicionais. Para nós, a COP21 é uma luta. Uma luta que espalhamos para todos, não só para os indígenas, pois o Planeta Terra é um só”, conta.

A grande questão é que os governos focam muito no documento, nos financiadores e nas possíveis ligações diplomáticas que a COP pode criar e acabam camuflando problemas existentes com discursos ambiciosos e comprometimentos pouco práticos: “Falamos indígenas, mas englobamos todas as pessoas, a questão do meio ambiente engloba todo tipo de ser. Dizem que a Amazônia é o pulmão do mundo, mas se você for lá, a floresta está acabando, é bem diferente do que vêem na TV”, explica.

Falando de sua luta, Rodrigo trabalha como agente de saúde comunitária no Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), está ligado ao grupo de indígenas jovens guerreiros, onde fazem um trabalho forte dentro da aldeia, como, por exemplo, o resgate da língua que foi se perdendo desde a colonização. No âmbito estadual, representa a juventude indígena da Bahia e, em nível nacional, faz parte do Cimc (Comitê Indígena de Mudanças Climáticas), que tem como propósito unir a parte técnica das mudanças climáticas ao conhecimento indígena sobre a terra. O projeto

é apoiado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

 

A fase do conhecimento

Apesar de tanto engajamento e vontade de mudar o mundo, Rodrigo já fraquejou. Ele acompanha desde pequeno a luta de seu pai pelo território indígena e, em certo momento, se sentiu sem forças na luta, pois desde sempre via muita vontade e poucas mudanças. “Em certo período da minha vida, depois de ver alguns jovens desistindo, comecei a refletir se a luta realmente valia a pena. Como pessoa, vou ver alguma melhoria? Foi nesse período que senti fraqueza, entrei em crise e decidi pensar em mim. Escolhi me mudar para a cidade grande e meus pais relutaram muito a ideia. Porém, mesmo assim, decidi morar em Sorocaba, no interior de São Paulo e depois Ubaitaba, na Bahia”, relembra.

E por lá a vida não foi nada fácil. O jovem indígena trabalhou como ajudante de pedreiro e com fundição de aço na cidade paulista, lá aprendeu muitas coisas construtivas: “Me achei um prisioneiro, não andava tranquilo na rua, vi muitos amigos morrer por drogas ou simplesmente por serem negros. Foi uma experiência boa, pois aprendi a dar valor à vida. A polícia era muito preconceituosa, se andasse de terno seria um cidadão, mas se tivesse de boné e moletom virava um marginal”, explica.

As nossas crenças consagradas da cidade, em que nos conformamos com o trânsito, a poluição, o desrespeito e a

intolerância, para Rodrigo, são problemas bem graves que precisam ser revistos. Certo dia a polícia lhe parou: “Fui intimado na rua e expliquei que era indígena, o policial disse que era vagabundo e que índio não é gente. Isso me revoltou, pois não pude fazer nada e, apesar de ter acontecido comigo, quem mais sofre essa discriminação na pele são os jovens negros, principalmente nas capitais”, diz.

“Baiano”, “Índio Baiano”, seus amigos sorocabanos lhe chamavam, tudo na brincadeira. Tinham pessoas que não conversavam entre si, mas ambos conversavam sobre ele. Certo dia, aconteceu um evento comunitário em um colégio local. Uma professora sabia da cultura de Rodrigo e pediu que fosse caracterizado: “Fui com o maior prazer do mundo, porém, o que não entendi, foi que no dia seguinte pessoas que conversam comigo deixaram de conversar, se afastaram. Um preconceito bobo, pois sempre fui o mesmo, o ódio e rancor só destroem o espírito. O ser humano é um só, com orelha, pernas e braços, o que muda é a identidade cultural”, diz.

Identidade, uma palavra sem significado concreto. Tão complexa que sua compreensão está bem distante da Constituição de 1988, pois falta ao governo brasileiro respeitar os direitos indígenas, presentes no documento. A política sempre faz um esqueleto de projeto de cima para baixo, não consultando pequenas comunidades, como os sem-terra, os ribeirinhos e os indígenas. Quando vem de cima para baixo é uma proposta maquinada nas empresas, falta respeito nos direitos desses grupos.

Passamos hoje no Brasil por um processo de desrespeito à Constituição de 1988. O governo brasileiro criou uma demanda chamada PEC 215, que coloca em risco todo o território indígena, pois abre um elo para que as empresas façam mega construções, o que impacta 30% do aumento das emissões de CO2 e afeta diretamente comunidades à beira da extinção: “Estamos em um processo muito abaixo do ideal, as pessoas não têm consciência do que estão fazendo. Os negociadores não pensam que seus filhos e netos vão precisar dessa terra e, para nós (povos indígenas) existe esperança, nunca vamos parar de lutar pelas florestas, vamos lutar até a última gota de sangue”, exclama.

 

Voltando à Paris

Engraçado pensar que dois pontos fundamentais no Acordo de Paris são os direitos humanos e a educação, ou seja, um problema não só brasileiro, mas mundial. “A questão do preconceito está ligada diretamente à educação. Hoje, no Brasil, vemos um avanço em relação à disciplina sobre cultura indígena dentro das escolas, a real história brasileira. Na COP21, é importante ser o diferente, pois destaca a presença dos povos indígenas nesse evento global”, comenta.

Hoje, Rodrigo recuperou seu tesão pelo conhecimento. Mais maduro, ele entende que não adianta apenas lutar, sem conhecer o que se faz: “Essa é a maior arma do ser humano, entender os mecanismos da sociedade”, diz. Por isso, acredita no poder da informação e da internet, que mesmo escassa em sua aldeia, já é uma potente ferramenta para

mudanças: “Na aldeia já não é possível caçar e pescar, por que não existem as matas. As nascentes dos rios estão acabando e isso nos deixa muito preocupado e triste.  Nós, jovens, que temos mais conhecimento na luta pelo clima, estamos nesse embate de trazer a informação correta”, explica.

Portanto, cabe aos negociadores enxergar que cedo ou tarde eles também vão precisar desses territórios. E, se parar para pensar, as áreas mais protegidas e conservadas são as terras indígenas. Óbvio que tudo faz parte de um processo, de etapas: “Existe um antes e depois dos impactos das mudanças climáticas. Antes olhavam para os povos indígenas e não acreditavam no que falávamos, porém, hoje a realidade mudou, as pessoas sentem na pele as mudanças e começam a nos dar razão. Mesmo lenta, faz parte de um processo de conscientização”, clama.

 

 

 

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