Um Olhar sobre o Processo oficial da Rio+20
Iara Pietricovsky
Já estou neste processo de acompanhamento das conferências das ONU desde a Rio 92. Há vinte anos atrás, vivíamos um momento importante. Estávamos inaugurando uma nova década na luta por direitos.Havia uma excitação, muita ilusão e muita esperança. Estávamos estabelecendo princípios e convenção que armavam um marco jurídico internacional da maior relevância para aqueles que acreditam nos direitos humanos.
O chamado Ciclo Social das Nações Unidas foi feito com muita luta política e se apresenta hoje como a melhor parte desta cultura ocidental, fragmentada e assolada por um modo de produção que constrói e destrói coisas belas. Bem, acredito que hoje, destrói muito mais do que constrói coisas belas. O drama civilizatório é que algumas destas coisas belas nunca mais retornaram. Estamos perdendo biodiversidade, fauna, flora, estamos perdendo na luta contra a mudança climática e, tão terrível quanto, estamos em sério risco de perder também em todo este marco jurídico internacional e nacional afirmado durante as conferências da ONU.
Chego em Nova Iorque neste março de 2012 e vou direto para nosso QG que é o Café Viena das Nações Unidas. Depois de passar por uma burocracia de crachás e raio X. A cena é um pouco deprimente. Estamos todos e todas por lá, faces conhecidas, cabelos grisalhos e alguns com clara expressão de desânimo. Outros, mais jovens, mais animados, querendo conhecer o processo. O Café Viena tem cadeiras e mesas e as ONGs ocupam, cada uma fazendo seu próprio centro de operações. No passado, éramos mais rebeldes, pelo menos assim me parecia. Hoje, é evidente um acomodamento à burocracia. O sistema agradece. ONGs e movimentos comportados é muito bom. Claro que não se pode generalizar e nem olhar para isso de forma destrutiva, mas acredito que precisaríamos chacoalhar este processo.
Se existe um papel que me parece importante para a estratégia dentro e fora da Cúpula dos Povos é poder chacoalhar, constranger os processos oficiais por dentro e por fora. Não podemos ficar alheios ao que está passando nos debates internos. Estamos correndo sério risco de perder todas as conquistas do campo dos direitos e ver o marco jurídico internacional ser destruído para poder adequar uma outra visão mais conservadora, desumana, predatória sobre os recursos naturais e sobre os que são, na visão destes, menos humanos, ou seja: mulheres, pobres, negros, indígenas, homosexuais, deficientes e quem mais lute por afirmação dos direitos.
Sem ilusão, mas com esperança de que possamos de fato marcar a diferença neste contexto de risco, perda de direitos e de dificuldade para compor uma força política para se confrontar com esta lógica instalada, burocratizada, elitizada de debater e fazer política. Temos que inaugurar uma nova era, de afirmação dos direitos e mais que isso, implementação efetiva. Caso contrário, a perda da ilusão se seguirá a uma perda de esperança. Ai sim, estaremos com um grande problema nas mãos.