SUCESSO DA SHEIN: O QUE NÃO TE DIZEM SOBRE O FAST FASHION

Este artigo aborda o impacto do “fast fashion” e faz uma análise da plataforma de comércio eletrônico “Shein”.

Por Antônia Tauanne Rodrigues de Sousa

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Aparentemente era só mais um dia comum, ainda que o medo instalado em seus corações fosse mais real, já que na noite anterior o imóvel em que trabalhavam, devido a uma falha na eletricidade, sofreu uma enorme explosão, ocasionando rachaduras em todo o edifício. Porém, a ordem dos proprietários das fábricas era explícita: caso não comparecessem ao trabalho no dia seguinte eles seriam despedidos ou teriam seus salários atrasados, no mínimo.

“Das casas de um quarto e dos casebres onde os operários vivem, podem-se ver blocos de concreto de múltiplos andares atravessando os céus da região.

Nos telhados, vigas de aço reforçado estão aparentes, na esperança de que outro piso repleto de máquinas de costura seja erguido.

Trata-se de um sinal, para os críticos, de que o “boom de roupas” ultrapassou os limites, na tentativa desesperadora de alimentar o apetite do Ocidente por vestimentas mais baratas.”

O trecho é um relato do correspondente da BBC no Sudeste da Ásia, Andrew North, que esteve presente no local em que ocorreu uma das maiores tragédias industriais de todos os tempos. Pois sim, no dia 24 de abril de 2013, dos trabalhadores que seguiam a passos assustados, 1.135 pessoas morreram e quase 2.500 funcionários ficaram feridos após o desabamento do edifício Rana Plaza, prédio que abrigava fábricas têxteis na periferia de Daca, em Bangladesh.

O desastre que comporta uma soma de omissões e ganâncias abre discussão para a seguinte indagação: de onde vem, como foi produzida e quais são as pessoas envolvidas na fabricação de cada peça de roupa que compramos? Qual o verdadeiro preço por trás da etiqueta que é lançada nas roupas?

Antes de adentrarmos no cerne da questão, é necessário entender o modelo que permeia tudo isso: o conceito de Fast Fashion (moda rápida). O termo se refere a um modelo de criação, distribuição e venda de peças de vestuário, pautado em 5 pilares, basicamente: intermediários ocultos, margens de vendas em quantidade, material de origem desconhecida, mão de obra barata e escassa transparência negocial.

Imagem mostra pessoa segurando cartão de crédito e um computador com página de loja virtual aberta.
Imagem de StockSnap por Pixabay 

Bem, se considerado o alto volume de produção das peças de vestuários, podemos ser facilmente levados a acreditar que isso significa que a moda está mais acessível, quando na verdade nada mais é que o resultado da utilização de matéria prima de baixa qualidade, sendo que em razão da produção ser focada nos resultados, é dispensada a qualidade e são gerados grandes defeitos e desgastes.

Embora essa transição às vezes seja anunciada como a “democratização” da moda, na qual os estilos mais recentes estão disponíveis para todas as classes de consumidores, os riscos para a saúde humana e ambiental associados a roupas baratas ficam ocultos durante todo o ciclo de vida de cada peça, segundo estudo realizado pela revista Environmental Health.

É certo que, movidos pela lógica da facilidade e aparente montante acessível, é bastante fácil ignorar o impacto decorrente de uma única escolha de vestuário sem ter consciência da dimensão do problema, contribuindo-se, assim, para o aumento do consumo e da fabricação de roupas.

Paralelamente, para que sejam mantidos esses preços acessíveis, a produção é deslocada para países de baixa e média renda, responsáveis por 90% da produção mundial do vestuário, em que as leis são mais precárias e se pode facilmente submeter os trabalhadores a ambientes perigosos por baixo salário e sem direitos humanos básicos.

E hoje, diversas plataformas de comércio eletrônico da moda internacional se destacam, como é o caso da marca chinesa “Shein”, que se popularizou devido o impulsionamento de influenciadores digitais, youtubers e famosos de todo o mundo que passaram a fazer anúncios das peças da loja.

imagem mostra um teclado de computador e um smartphone com o logo da loja virtual Shein.
Imagem: teenvogue.com / Reprodução

Porém, há poucas informações sobre a marca. O que se sabe é que ela foi fundada em 2008 e as informações sobre o seu fundador são totalmente duvidosas e incertas. Além disso, recentemente ela tem semeado cada vez mais comentários negativos por se apropriar culturalmente de coisas, a exemplo da venda de tapetes religiosos muçulmanos como decoração de casa, um colar em forma de suástica, além de roubar designs de criadores independentes.

Um exemplo prático da falta de transparência, é que em uma pesquisa rápida, é fácil constatar que não existe uma equivalência entre os sites de cada país no que se refere a “Responsabilidade Social”, mas trazendo o que é colocado no seu site dos EUA, há a seguinte abordagem sobre o tema do trabalho infantil:

Cumprimos estritamente as leis de trabalho infantil em cada um dos países em que operamos. Nem nós nem nenhum de nossos parceiros estamos autorizados a contratar menores de idade. Quaisquer parceiros ou fornecedores que tenham violado essas leis são rescindidos imediatamente e informados às autoridades.”

A declaração desconsidera o fato de que as leis de trabalho infantil variam significativamente de país para país. Em Bangladesh, por exemplo, onde muitas fábricas de fast fashion estão localizadas, suas leis de trabalho infantil emendadas permitem que crianças de 14 a 18 trabalhem. No entanto, de acordo com pesquisa publicada em 2019, 17,5% das crianças do sexo masculino de Bangladesh, com idade entre 7 e 14 anos, trabalham.

Por fim, para entender mais sobre essa realidade, a Netflix disponibilizou o documentário “The True Cost”, que aborda o impacto da indústria da moda no meio ambiente e na vida das pessoas.

Trecho de “The True Cost”, trabalhadora desabafa sobre a real situação por trás da produção de roupas / Reprodução

Portanto, diante de tudo que foi discorrido, é necessário recolocar a moda como algo que não se limita a desfiles, glamour ou compras, mas um processo possibilitado por vidas que precisam ser reconhecidas como indivíduos dignos de direitos e não engrenagens de um sistema destrutivo. Pois somente assim a indústria da moda deixaria de ocupar a posição de destaque, como segunda maior poluente do mundo.

Quer ler mais sobre o tema? Dá uma olhada nessas referências:

Audiodescrição por Patrícia Jatobá.

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