Sucateamento dos sistemas públicos de saúde e interesse das empresas de seguro

Uma análise do filme “Sicko” de Dir. Michael Moore de 2008 que retrata o  desumano sistema de saúde norte americano e seu sucateamento diretamente ligado aos interesses das empresas de seguro, tornando o direito à saúde uma mercadoria inacessível e trazendo um paralelo com o Sistema Único de Saúde brasileiro.

Por Bel Pessoa

Quando falamos da saúde nos Estados Unidos, não é novidade que seu sistema é particular e custa muito dinheiro arcar com os gastos médicos sem um plano de saúde. O filme “Sicko” (Dir. Michael Moore, 2008) aborda então os problemas enfrentados pelos americanos por não possuírem um sistema público de saúde e suas relações com essas empresas de planos de saúde.

Imagem: Divulgação

Em Sicko, “o cineasta Michael Moore analisa as crises do sistema de saúde americano e observa porque milhões de americanos continuam sem seguro saúde adequado para tratamentos. Ele explica como o sistema se tornou problemático e visita outros países que recebem tratamentos gratuitos, tais como Canadá, França e Reino Unido.”

Após análise do filme, não é difícil entender a importância do sistema público de saúde assim como o seu  sucateamento está diretamente ligado aos interesses das empresas de seguro, mostrando o passo a passo como esse processo funciona. O filme é um espelho do que NÃO queremos e infelizmente um espelho do que é planejado para nosso sistema. 

Estamos acostumados a sermos tratados, independentemente de nossa condição financeira, por exemplo em caso de um acidente, pelo SAMU. Imagina não poder chamar uma ambulância por não ter como pagar por ela? Esse é um dos exemplos da realidade dos estadunidenses: O preço para chamar por uma ambulância pode custar 1.500 dólares. Uma perna quebrada pode custar cerca de 7.500 dólares e uma internação de alguns dias pode chegar a 30.000 dólares. 

Já não era uma novidade que os atendimentos médicos eram pagos e que pessoas sem condições ficavam muitas vezes endividadas, mas a maneira que as pessoas são tratadas e os problemas que enfrentam foram um choque de realidade.

1. Pessoas largadas nas ruas pacientes que não conseguiam pagar pelas despesas médicas são colocadas em casas e “jogadas” nas ruas, algumas vezes até mesmo com a roupa hospitalar, sem saberem o que fazer e onde estão.

2. Atendimentos negados – médicos são proibidos de tratar quem não pode arcar com os custos.

3. Pessoas morrendo – por não terem condições de pagar por atendimento.

4. Pacientes têm que escolher – quais procedimentos querem/podem fazer, por não poder pagar o tratamento completo.

Me perguntaram qual dedo eu queria reimplantar quando falei que não poderia pagar pelos dois.

fala do filme Sicko (2008)

É um mercado: a saúde se torna um item comprável e não um direito.

Nesse cenário, podemos pensar que as pessoas com plano de saúde estão asseguradas, certo? ERRADO!  Pois uma coisa que é evidenciada no filme é que mesmo as pessoas que possuem plano de saúde são desamparadas, pois estes seguros possuem políticas para negar pacientes, a depender de sua necessidade.

Eles checam todas as doenças antes de aprovarem o pedido, se você possui uma doença, por mais controlada e inofensiva que seja você não será aceito e olha que a lista é grande hein. Ou seja, se você tem algum problema de saúde você já está condenado a não ser que você tenha MUITO dinheiro a sua disposição.

Seu passado te condena!(e seu futuro também) – Não importa se você não tenha nada no momento, se você já teve algo, por mais simples e tratado que seja, isso será usado contra você então você também será recusado. Pré-disposições também entram no pacote, se há algum indício ou suspeita de doença, histórico na família que seja, NEGADO!

Indústria  da morte – Funcionários que negam mais pacientes, recebem mais e ganham promoções. O lucro é mais importante que a vida. É um negócio como outro qualquer que visa os interesses da empresa e não a saúde coletiva.

Muitas pessoas falam, eu não devo pagar tanto imposto por algo que eu não uso, mas o sentido de vivermos em sociedade é justamente esse contrato social. Hoje você não usa, mas amanhã pode ser você precisando, ou um parente seu. Ou amanhã você pode não ter mais um emprego ou renda, ou o valor do tratamento para o acidente ou doença futura pode ser muito alto para arcar com recursos próprios.

Você paga por aqueles que não podem pagar, como moradores de rua, desempregados ou  pessoas com baixa renda. Além de que, existem investimentos direcionados de outras áreas: há tratamentos e medicamentos que mesmo que juntassem todos os impostos, o valor total não seria capaz de bancar os custos necessários e que são oferecidos de forma gratuita em um país como o Brasil. Quantas pessoas não são salvas devido a esse sistema de saúde gratuito?

Mesmo com tantos fatores negativos, por que ainda se tem o interesse da população em privatizar o sistema de saúde no Brasil? Podemos retomar o caso dos Estados Unidos para exemplificar.

Houve uma tentativa de democratizar o acesso à saúde nos Estados Unidos com a então primeira dama Hillary Clinton – uma tentativa que como podemos ver não deu certo. Mas porque?

Simplesmente porque as empresas perderiam muito dinheiro! A política está diretamente ligada às empresas de saúde e esse setor precisa de muito dinheiro em todos os processos. É de interesse político que a saúde seja privatizada visando o lucro e o controle – dessa forma, há um discurso e esforço midiático na demonização do sistema público de saúde.

Nos Estados Unidos a população teme o governo, na Europa o governo teme a população porque por ter qualidade de vida elas estão dispostas a lutar e nos EUA ocorre o contrário. Segundo o filme, esse processo acontece de duas formas nos EUA: assustando e desmoralizando.

Medo vermelho – Se tem algo que os estadunidenses temem, esse algo é o comunismo. E o sistema capitalista, sabendo muito bem disso, alimenta esse medo ao propagar que um sistema público de saúde e gastar dinheiro como o próximo é comunismo – e deve assim ser combatido, alegam que os médicos seriam usados e não teriam liberdade (contraditório não?) entre outras coisas.

Endividar a população é uma estratégia política – Tudo ser pago, como a faculdade e a saúde, faz as pessoas não terem escolha a não ser aceitar trabalhos ruins e a falta de direitos, porque já entram na vida adulta devendo fortunas por conta de sua formação profissional. Esse estado depressivo provoca que se  afundem em comida ultraprocessada, no uso indiscriminado de medicamentos que prometem melhorar a condição de vida, utilizando a indústria farmacêutica e médica, em um eterno ciclo de dependência.

Pessoas endividadas perdem a esperança, e pessoas sem esperanças não votam.

E no Brasil?

Há no país uma política forte de enfraquecimento do SUS – Sistema Único de Saúde – nos frequentes cortes de verbas e no sucateamento da rede – uma tentativa de dar uma imagem ruim ao sistema, com críticas como:

  • Filas de espera eternas
  • Serviço de saúde inferior
  • Profissionais sem autonomia e com salários ruins
  • Sistema de saúde pública é só para pobre

É claro que o SUS apresenta muitos problemas e tais críticas são muitas vezes (infelizmente) necessárias, mas a questão que devemos observar é o PORQUÊ esses problemas ocorrem. O sistema é ruim não por culpa do próprio SUS, por ser ineficiente. Mas porque ele é sucateado e disputado pelo mercado de saúde desde sua criação.

Se não o SUS, o que?

Sem o serviço de saúde pública, as pessoas que não migrarem para o serviço particular, morrem. Se as pessoas não acreditam que o sistema público de saúde é bom, elas não o utilizam, o mesmo perde força e as empresas privadas aparecem como a única solução.

Este artigo faz parte de uma série de produções relacionadas à temática do sistema de saúde, determinantes sociais e seus atravessamentos, produzidos como proposta de avaliação para a disciplina de Terapia Ocupacional e Saúde do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Acompanhe as outras publicações da série ao longo do mês de maio!

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