Série: Mulheres no lar de outras mulheres: direitos, dificuldades, submissões e conquistas

Série revela a história e a luta de cinco mulheres migrantes que compartilham suas trajetórias de sobrevivência envolvida nos temperos e aromas das casas de outras mulheres.

Por Jenny De la Rosa e Pedro Neves – AJN – Núcleo Migração

Aproximadamente 47,9% dos imigrantes internacionais em 2019 eram mulheres, viajando acompanhadas ou de forma independente. Os longos percursos durante a travessia, quando estão em situação de vulnerabilidade, lhes significam riscos, muito maiores que aos imigrantes homens.

Porém, isto não é um empecilho para empreender na viagem à procura do sonho por uma vida melhor para elas ou para os que deixaram no país de origem. Seja sua imigração voluntária ou forçada, esses riscos não terminam com a chegada ao país de destino, muitas delas estão expostas ao subemprego, a intolerância, discriminação e principalmente a exploração pela falta de conhecimento da língua, das leis e das políticas públicas.

Uma parcela importante dessa população faz parte das mais de 6,3 milhões de pessoas no Brasil e de 18 milhões na América Latina dedicadas ao trabalho doméstico. Destas, 88% são mulheres, e as denúncias sobre as condições deploráveis, análogas à escravidão, o que impacta na saúde mental e física das mulheres e suas famílias, só crescem em muitas partes do mundo.

A história e a luta dessas mulheres, por vezes silenciosa ou no grito da rebeldia, individualmente ou agrupadas, se expressa na voz de cinco mulheres espalhadas por vários países do mundo, que compartilham suas histórias de sobrevivência envolvida nos temperos e aromas das casas de outras mulheres.

Conheça Natividad Obeso, umas das líderes responsáveis pela Primeira Reunião Global Online de Trabalhadoras Domésticas Migrantes

Um ato histórico aconteceu no último dia 16 de junho, mais de 100 organizações de 39 países protagonizaram a primeira Reunião Global Online de Trabalhadores Domésticos Migrantes para falar das questões e preocupações que essa população enfrenta durante a pandemia do COVID-19. Segundo análise do Facebook, o vídeo alcançou 16.303 pessoas, recebeu 5.271 interações e 9.200 visitas, sendo compartilhado 278 vezes.

Nomeado de Global Online Rally (GOR), a manifestação foi organizada pela Aliança Internacional dos Migrantes (IMA), pela Aliança Internacional das Mulheres (IWA) e por MIREDES Internacional. Segundo as organizações, o setor é um dos mais vulneráveis perante o coronavírus: “A situação exploradora e opressora com trabalhadoras domésticas é resultado do controle imperialista da situação econômica e política mundial por meio de suas armas gêmeas do neoliberalismo: a guerra e o conflito“, consta comunicado do evento.

As principais reivindicações da IMA aos governos dos países de destino e de origem são: garantia à saúde e segurança contra o COVID-19; proteção do emprego e dos direitos trabalhistas; interrupção da criminalização de trabalhadoras domésticas migrantes não documentadas; inclusão em programas de assistência; repatriação e apoio aos meios de subsistência às que perdem seus empregos devido à pandemia.

A AJN conversou com Natividad Obeso, mulher migrante peruana, fundadora e presidente da Associação de Mulheres Migrantes e Refugiadas na Argentina (AMUMRA), organização que protagonizou a aprovação da Lei de Migrações na Argentina e liderou o GOR na América-latina, para entender a importância do movimento e a realidade migratória no sul global com o coronavírus.

Natividad Obeso / Arquivo pessoal

Os migrantes não são pobres, são empobrecidos

Natividade chegou como refugiada na Argentina em 1994, após ser perseguida pelo governo de Alberto Fujimori. No Peru era empresária, mas chegando à Argentina conseguiu emprego como trabalhadora doméstica, período que viveu situações horripilantes:

Eu vim sozinha para a Argentina e foram cinco anos de solidão até conseguir trazer meus filhos, aqui na Argentina a política migratória não era fundada nos direitos humanos, então eles não poderiam estudar ou trabalhar se viessem, foi nesse momento que minha luta começou

Durante esse período sem os filhos e documentação, mas já iniciando o ativismo, Natividad trabalhava na casa de uma família de classe média alta de Buenos Aires, e foi nesse momento que a luta pelos direitos dos migrante e das trabalhadoras domésticas se uniram:

Durante seis anos trabalhei de uniforme, e foi o momento que sofri as maiores discriminações e abusos da minha vida. Um certo dia, terminei meu trabalho e me preparei para ir embora, no dia seguinte seria feriado. Porém, fui surpreendida pela dona da casa dizendo que domésticas não tem feriado. A partir dessa fala, disse que não trabalharia mais naquela casa

A realidade migratória com Covid-19

Com toda a experiência de vida que tenho, procuro acolher e disseminar informações precisas a todas as pessoas migrantes, isso porque sei o que é chegar em um país e não estar bem informada. Por isso a importância da nossa manifestação, a pandemia é a oportunidade de demonstrarmos aos governos e sociedade civil a luta pelos direitos das mulheres imigrantes trabalhadoras domésticas

A pandemia do coronavírus abalou a realidade do mundo inteiro, mas a população migrante, que já encara diversos problemas ligados ao acesso à saúde e regularização, tem essas dificuldades multiplicadas:

Os migrantes sempre serviram como bode expiatório dos governos, é sempre uma luta para ter acesso aos direitos básicos dos países de destino. Apesar de existirem as leis, elas não são cumpridas

Até as pessoas que estão com a regularização em dia passam por momentos de desespero, isso porque, como explica Natividad, ocupam postos de trabalho pouco amparados pelo governo. Ela reivindica:

Ocupamos os trabalhos invisíveis da sociedade, aqueles que nem todos querem fazer. Mesmo assim, sofremos com o preconceito, xenofobia, abuso e racismo. Os governos e agências precisam de uma vez por todas nos tratarem como seres humanos com direitos.

Apesar de todos os problemas encontrados, Natividad prefere ter uma visão otimista em relação aos ensinamentos que a pandemia pode trazer à população mundial:

A crise sanitária é a oportunidade de o mundo entender a importância de se existir uma cidadania universal, a migração deveria ser um direito humano. Nossas diferenças físicas e culturais não deveriam nos separar, mas sim nos unir

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