Série: Mulheres no lar de outras mulheres: direitos, dificuldades, submissões e conquistas – 2

No segundo texto da série de reportagens, conversamos com Diana Soliz, diretora do Sindicato de Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDMSP), a primeira migrante sindicalizada por aqui.

Jenny De la Rosa e Pedro Neves – AJN – Núcleo Migração

Até 2017, estava em vigor no Brasil o Estatuto do Estrangeiro, que continha as medidas do governo brasileiro em relação aos estrangeiros no país. A lei abordava as pessoas não brasileiras como inimigas do país, ou seja, era visto como caso de segurança nacional, principalmente àqueles que não estavam dentro dos parâmetros estabelecidos como aceitáveis, como a qualificação profissional, além de um forte componente eugenista.

O artigo 106, por exemplo, dizia no inciso VII que: “É vedado ao estrangeiro: participar da administração ou representação de sindicato ou associação profissional, bem como de entidade fiscalizadora do exercício de profissão regulamentada”.

Em maio de 2017, a história mudou de rumo. Foi aprovada a Lei de Migração, pensada sob os componentes dos Direitos Humanos internacionais. Nesta nova lei, pela primeira vez na história do Brasil, é concedido aos estrangeiros, segundo aparece no artigo quarto, no inciso VII, o direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos.

No segundo texto da série de reportagens “Mulheres no lar de outras mulheres: direitos, dificuldades, submissões e conquistas”, conversamos com Diana Soliz, diretora do Sindicato de Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDMSP), a primeira migrante sindicalizada por aqui.

A boliviana, que reside no Brasil há mais de 20 anos, explicita o trabalho doméstico como uma das poucas oportunidades de emprego para mulheres migrantes ao redor do mundo. Não só isso, como retrata uma relação complexa entre classe, raça e gênero que constituem as dimensões do controle da vida das mulheres e as desigualdades estruturais perpetuadas.

A história de batalhas e conquistas de Diana Soliz, primeira trabalhadora doméstica migrante a se sindicalizar no Brasil

Diana Soliz / Arquivo pessoal

A vinda ao Brasil 

Especificamente no Brasil, não há um dado que consiga evidenciar o número de mulheres migrantes que prestam serviços em casas de brasileiros. Porém, há uma mulher que está na linha de frente na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas migrantes. 

Nascida em Camiri, uma cidade da Bolívia localizada na província de Cordillera, departamento de Santa Cruz, Diana sempre foi trabalhadora doméstica. Em sua cidade, dividia seu tempo entre o trabalho e a criação de sua única filha:

Desde os 14 anos essa é minha profissão. De segunda a sábado trabalhava em três casas diferentes, de manhã, tarde e noite, sendo que ainda precisava cuidar da minha bebê

Porém, em 1996, sua vida teve uma reviravolta. Ela tinha uma irmã que não aparecia fazia tempo e, certo dia, decidiu mandar uma carta dizendo que estava no Brasil e que seria uma mudança legal para Diana:

Eu morava em Sucre na época. Eu respondi a ela que até gostaria, mas não tinha dinheiro para comprar a passagem. Foi então que ela me respondeu dizendo para aguardar um mês, que ela me mandava o dinheiro, e foi assim que aconteceu. Deixei minha filha com os meus pais e vim sozinha para São Paulo

Diana então chegou ao bairro da Mooca, zona leste da capital paulistana:

Minha irmã trabalhava como cozinheira em uma casa de costura no bairro e eu morei lá por um tempo. Logo que cheguei, consegui emprego como cuidadora de uma menina tetraplégica, da mesma idade da minha filha, que tinha então 4 anos

Neste momento de chegada, outra surpresa apareceu em sua vida. Apenas dois meses depois de chegar no Brasil, conheceu o seu marido, brasileiro:

Um dia saí para passear com a minha irmã e o conheci. Namoramos durante 10 meses e fomos nos casar na Bolívia, perto da minha família para ele conhecer minha filha, que consegui trazer para morar comigo apenas quatro anos depois de estar aqui

O sindicato

Diana em evento sindical / Arquivo Pessoal

Em 2014, mais de 18 anos depois de chegar a São Paulo, Diana teve um problema com uma patroa:

Eu fiz uma cirurgia de marcapasso no coração e fiquei dois meses sem trabalhar. Eu não era registrada, então minha ex-patroa disse que não teria direito ao salário equivalente a esse período que fiquei afastada. Mas, como conhecia meus direitos, mesmo não sendo registrada e imigrante, disse que iria atrás deles

Foi então que ela começou a buscar diversas instituições que passam orientações para esse tipo de caso, entre esses lugares estava o Sindicato de Trabalhadores Domésticos do Município de São Paulo (STDMSP):

Foi assim que conheci o sindicato, o lugar onde comecei a conversar e esclarecer todos os meus direitos. Eles ligaram para a senhora que não queria pagar o que me devia, mas ela se recusou a comparecer na reunião, disse que queria resolver isso pessoalmente. Mas eu disse que não, que o sindicato iria intermediar a negociação

O motivo de não querer envolver o sindicato era claro, haviam irregularidades:

Ela me pagava R$ 400 até 2014 e me dizia que esse era o salário mínimo. Por falta de informação, acreditei. No sindicato me informaram que estava errado, que ela mentia para mim. Depois de muito estresse, acabei a convencendo que precisava me pagar, mas mesmo assim decidiu me demitir, sem aviso prévio nem nada

Depois disso tudo, ela continuou frequentando o sindicato um domingo ao mês, aprendendo cada vez mais sobre seus direitos:

“Depois de ganhar o processo contra a minha ex-chefe, participava das assembleias, encontros e palestras. Eram poucas imigrantes que frequentavam o sindicato, até que um dia, em 2017, me convidaram para ser Diretora Imigrante Indígena do Sindicato. Apesar desse ser meu título, minha função trata de qualquer trabalhadora doméstica, independente de nacionalidade

As lutas e conquistas na crise sanitária

Como diretora, a realidade das trabalhadoras domésticas começou a ficar mais evidente:

Vejo a situação difícil que essas meninas passam. Muitas delas vêm para o Brasil sem nada, em busca de uma vida melhor, muitas mandam dinheiro para a família e ainda moram de favor em casa de parentes. Elas arriscam a vida

Com a pandemia tudo ficou mais difícil, muitas trabalhadoras são demitidas sem receber seus direitos:

Tem casos de patrões que ajudam com um valor baixíssimo, contratam diaristas pagando R$ 50, um absurdo. Elas acabam aceitando porque não veem alternativas, estamos todos com as mãos amarradas. E a minha impressão é que essa situação vai longe

Diana Soliz e outras mulheres em entrega de cestas básicas / Arquivo Pessoal

Porém, Diana mantém um olhar otimista em relação aos direitos conquistados ao longo dos anos. Isso porque, em São Paulo, diferente de outros estados, existe a convenção coletiva há quatro anos, que inclui as trabalhadoras migrantes:

Criada a partir de muitas reuniões entre o sindicato patronal e das trabalhadoras domésticas, estabelecemos as melhores condições para todos os lados

Apesar da conquista, Diana reforça uma mensagem:

As trabalhadoras domésticas devem ir atrás de seus direitos, buscar o sindicato, buscar apoio em outras entidades e, mais importante, ter orientação. Elas precisam ter claro na cabeça que têm direitos sim, inclusive, sou a primeira imigrante sindicalizada no Brasil. É importante que outras apareçam e se envolvam, assim nos ajudam a espalhar todas a informações importantes e tomem conhecimento que existe um grupo para as defender.

Diana Soliz em arte urbana no Minhocão, em São Paulo / Arquivo Pessoal

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