Seriam os olhos a janela da alma?

Uma reflexão crítica sobre nossas percepções de mundo, a realidade, a imaginação e a arte, a partir do documentário “A janela da Alma”, dirigido pelos brasileiros João Jardim e Walter Carvalho

Por Guilherme Leutwiler

Nem sempre as pessoas se dedicam a observar o mundo. O ser humano parece tão acostumado com a rotina e com tudo a sua volta que muitas vezes não direciona sua atenção aos detalhes e às coisas que fazem com que a vida seja bela. Vê-se demais, mas ainda encontram-se todos cegos de tudo aquilo que é preciso realmente ver. O excesso de informações visuais e de pensamentos a que estão submetidos faz com que se deixe passar algumas percepções importantes.

Ter tudo em excesso pode significar que não se tem nada, pois não é possível prestar atenção em tudo, e assim acaba-se caindo num processo automático de olhar e não de fato observar a imensidão do mundo e das coisas.

Apenas quando se tem um olhar atento é que se pode encontrar, nos detalhes, a beleza da vida, sua arte.

Porém, nem tudo que se vê está atrelado apenas ao que chega pelos olhos e é interpretado pelo cérebro, mas sim sobre a forma como pode-se entender as coisas ao redor. A vida é arte e perceber isso vai muito além da nossa visão.

No documentário “Janela da Alma”, dirigido pelos brasileiros João Jardim e Walter Carvalho, vê-se diferentes abordagens e perspectivas que discorrem, retratam e relatam sobre a vida, a visão, a arte, as histórias e o significado que isso tudo tem para cada pessoa entrevistada, todas elas diferentes umas das outras e com diferentes graus de percepção.

A produção audiovisual aborda essas questões partindo de uma simples pergunta: Seriam os olhos a janela da alma?

Sinopse: dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à cegueira total, falam como se vêem, como vêem os outros e como percebem o mundo. O escritor José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cineasta Wim Wenders, entre outros, fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão.

‘Janela da Alma” é um documentário em preto e branco dos diretores brasileiros João Jardim e Walter Carvalho, produzido em 2001 no Brasil e na França. Está disponível gratuitamente no YouTube:

Ver o mundo não se trata apenas de enxergá-lo com os olhos, mas sim de compreendê-lo das mais diversas formas. A beleza da vida se encontra na perspectiva de cada um, uma vez que a realidade real não existe.

Assim como aponta a fenomenologia, atribui-se significado àquilo que se vê conforme as experiências de vida, ou seja, a partir do momento que algo é percebido pelo indivíduo, seja de que modo for a apreensão daquela realidade, a percepção já não é mais o objeto observado, pois para se ter uma ideia concreta acerca do que está sendo percebido, nosso cérebro cria uma ‘imagem mental’, com a finalidade de que se possa refletir sobre aquela imagem mental estática que não condiz com a imagem real, mas é fruto da abstração dela.

Sendo assim, a realidade é subjetiva para cada um, pois cada um interpreta a ‘imagem estática’ do mundo de acordo com sua própria visão de mundo dada por experiências passadas. É a beleza da diferença dos seres humanos em seu aspecto intelectual de elaboração mental de uma realidade abstraída, o que se pode denominar como conhecimento simbólico.

Dessa forma, é possível dizer que a realidade é mediada de acordo com o processo mental individual.

No entanto, há um senso comum aparente que julga haver uma limitação do entendimento do mundo em relação àquelas pessoas com diferentes graus de deficiências – o que o documentário faz questão de mostrar ser uma ideia equivocada.

A produção é embasada por cientistas e especialistas do assunto, que fazem comentários e respondem perguntas dos entrevistadores à medida que as dúvidas surgem e que as questões são postas, assim, procura deixar evidente que o cérebro humano tem uma incrível capacidade adaptativa, fazendo com que essa aparente “limitação” seja suprida de outros modos, pela manifestação aflorada de outros sentidos do corpo.

Para que se possa compreender o mundo, os diferentes espaços e ambientes e fazer parte da sociedade, não se pode levar em conta somente a capacidade de ver o visível ou ouvir o audível, mas também a capacidade de ver o invisível e de ouvir o inaudível.

Isso é imaginação. A imaginação, então, é parte essencial do ser humano, que influencia e que tem influência durante toda vida, enriquecendo o processo mental.

Porém, é necessário também se pensar a respeito da incapacidade de imaginar, condição rara, mas existente, que leva o nome de aphantasia. Pessoas que possuem essa condição são impossibilitadas, ou têm extrema dificuldade, de criar e consequentemente de lembrar das imagens mentais, muitas vezes sabendo descrever um objeto ao vê-lo, mas não conseguindo fazer sem o observar. Essa condição coloca uma grande limitação na aprendizagem da linguagem, podendo levar até a diagnósticos errôneos de demência.

Por isso, uma das mensagens do documentário é também a importância em prezar pelo respeito e trabalhar a empatia e a compreensão, para que se construa uma sociedade cada vez mais crítica, ao mesmo tempo sensível, para as diferentes percepções acerca do mundo.

Finalmente: são os olhos a janela da alma?

A produção deixa evidente que os olhos, órgão pelo qual se traduz a visão, são apenas um dos meios pelos quais se pode perceber a imagem do mundo, assim como é possível perceber também pelo tato, pelo olfato e pela audição.

Ainda é possível destacar que a vida não é vista só pelos olhos, mas que brota de dentro do ser. O que se sente com o que se vê, o que se sente com o que se ouve, ou qualquer apreensão da realidade a partir dos mais variados modos de abstração, essa é a beleza da vida e o que faz com que tudo isso seja arte.

Por fim, chega-se à conclusão de que a arte é a verdadeira janela da alma, uma vez que a arte se traduz na exposição da visão de mundo a partir dos infindáveis modos de apreensão da realidade, é a partir dela que se pode criar mundos, formas, interpretações, e a partir dela que torna-se possível se entender enquanto indivíduo ativo no mundo social.

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