Será que a senzala ainda não acabou?
Estamos no século vinte e um e continuamos a falar de racismo. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, os negros não falam de racismo porque gostam desse tema. Falamos de racismo, porque infelizmente ainda é preciso.
Por Victoria Souza
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De acordo com alguns de nossos governantes, a senzala já acabou e o Brasil é um dos países mais igualitários que existem. Pensei em viver em Nárnia por um segundo, mas não!
É assim que funciona o mecanismo do racismo estrutural na nossa sociedade; as expressões ouvidas no dia a dia passam a ser normalizadas e quando alguém começa a questionar, as pessoas classificam tudo isso como tabu, tema polêmico ou “mimimi”. Por não tentar nem ao menos entender ou pesquisar sobre o assunto para debatermos juntos (algo extremamente necessário), pode parecer que o racismo realmente não existe. No entanto, sobre a existência ou não do racismo, seria interessante questionar pessoas negras e não pessoas brancas, certo?
O racismo passou a ser considerado crime, há pouco mais de 30 anos. Apenas em 2012 as cotas foram efetivamente aprovadas no STF (Superior Tribunal Federal). Dessa forma, é crucial dizer que as mudanças realmente demoraram para ocorrer no nosso Brasil (último país inclusive a libertar seus escravos).
É certo que ao longo da minha vida, eu fui crescendo em um momento o qual o racismo ganhava força para ir diminuindo, mas, ainda estava muito longe do ideal.
Para os negros, o racismo sempre foi muito visível. Precisar “correr” muito mais do que todo mundo sempre foi natural, pois aprendemos desde cedo que é assim que funciona quando você é negro: precisa provar muito mais do que qualquer um o quanto é capaz. Muitos negros vivem com essa pressão de fazer muito mais, estudar muito mais, trabalhar muito mais, pois a questão da cor ainda em alguns lugares e com algumas pessoas, prevalece sob outras questões.
E por mais que você corra irmão…
Inquestionável frisar que ser negro é uma prova de resistência e está mais do que provado que, quanto mais retinta a sua pele, mais preconceito você pode sofrer. Por mais que você “corra”, estude, trabalhe e se esforce, continua sendo visto como um ser que deveria servir e não ser servido.
Poderia ficar por horas narrando episódios de racismo disfarçado que passei ao longo da vida pessoal e profissional, quantas vezes meu pai foi parado por policiais ao dirigir, quantas vezes fui em eventos e lugares os quais era uma das únicas negras e o quanto esses episódios ajudaram na minha resiliência. As pessoas precisam entender que a cor de uma pessoa não define quem ela é! A OAB inclusive afirmou nesse ano que “Cor e raça não definem caráter” diante da condenação racista de uma juíza que disse que “o réu era seguramente integrante de um grupo criminoso por conta da sua raça”.
Chega o mês de novembro e a sociedade e empresas, principalmente, se lembram de falar sobre o tema do racismo. São eventos, debates, oficinas, todas relacionadas ao tema racismo e diversidade: é o mês da consciência negra! O que eu percebo é que as pessoas ainda não entenderam o significado dessa data. E eu, de minha parte, nunca consegui entender como em um país, onde a maioria é negra, exista tanto racismo e o pior; racismo camuflado.
Por isso, decidi fazer algo diferente e escrever sobre negritude no mês de dezembro. Esse tipo de assunto deveria ser abordado durante o ano todo e não apenas para cumprir a agenda de Diversidade e Inclusão de algumas empresas. Quanto mais discutirmos, mais as pessoas entenderão o porquê de os negros insistirem em falar sobre isso: Não falamos de racismo porque gostamos desse tema, falamos de racismo porque ainda é preciso!

O ano de 2020, por exemplo, foi marcado por diversos episódios que não precisavam ter acontecido. Um deles foi o assassinato brutal de George Floyd por um policial branco, o que desencadeou uma série de protestos pelos Estados Unidos e por outros países pelo mundo.
No nosso país, esse tipo de cena é diária, inclusive na semana anterior àquele episódio, uma criança negra havia sido atingida por uma bala perdida no Rio de Janeiro. Neste caso, os protestos foram pela internet e seguidos dos costumeiros “textões” da rede. Isso me faz pensar: por que ainda não encaramos a pauta do racismo com a importância que ela merece no nosso país? Por que apenas George Floyd nos choca? Por que acordar com notícias como essas, virou rotina?
Normalizamos o racismo por aqui. No entanto, fingir que ele não existe e que vivemos no país da igualdade, não ajudará em nada no processo de combate ao preconceito.
Apesar de ver muitas empresas utilizando o tópico de “diversidade” apenas como marketing, entendo que talvez esse seja um dos caminhos que levarão a uma discussão mais profunda e necessária sobre o racismo. Eu vejo esse mundo onde as áreas de Diversidade e Inclusão serão tão normais, que não serão mais necessárias porque as empresas serão diversas sem muito esforço e as pessoas serão contratadas pelo valor que podem oferecer independente da raça, gênero, etc.

Ainda soa utópico para você?
Acredito que para ser realidade, precisaremos muito mais de vontade do que qualquer outra coisa. Eu vejo avanços! Existe uma música do Lulu Santos que ele diz que “a humanidade caminha a passos de formiga e sem vontade”. Hoje, eu vejo mais vontade nas pessoas, mais interesse pela pauta e percepção de que a diversidade é algo que traz benefícios reais e diretos para todos. Por mais que o lucro venha em primeiro lugar, sinto uma mudança nas empresas querendo que os espaços possam realmente ser diversos. Continuando com Lulu; “eu vejo a vida melhor no futuro”.
Apesar desse meu otimismo, o racismo estrutural ainda vai demorar um pouco para desaparecer completamente. É necessário ações afirmativas como medida paliativa e um investimento gigante em educação. É clichê falar isso, mas a educação é o único caminho para atingir a igualdade racial. Mobilizações sociais continuam sendo extremamente necessárias para reduzir as desigualdades sociais que insistem em assolar nosso país. Pois quem não se posiciona contra, é porque concorda com tudo isso.
Só é possível acabar com o racismo estrutural quando você estuda, lê e conversa com pessoas que passaram por isso, com pessoas que têm na pele a história e ainda precisam provar em todos os lugares e a todo momento que independente de estrutura física, de tom de pele são sim capazes e merecem estar onde estão.
Está na hora de parar de normalizar certas situações e entender o quanto falta caminhar nesse sentido. A felicidade em assistir a essa evolução lenta, é que esse é um caminho sem volta. Eu prefiro ainda, assistir a pequenos avanços durante minha caminhada pessoal e profissional, do que não enxergar nenhuma mudança.
E para finalizar, cito Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus e sim, o silêncio dos bons.” Pensem nisso! Fecho o ano de 2020 falando de racismo para quem sabe, começar o ano de 2021, falando de igualdade.
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1 Comment
Brilhante reflexao, ,acredito que as pessoas de cor branca,do lado do bem na qual ja se viu em um formato dela a uma sociedade totalmente ou quase negra e pensando como seria ela diferente .tratada. olhada e jugada …se
ponha a essa mesma maneira e assim voce sabera o que e racismo.. ou seja sentir na pele .
Parabens a Victoria Sousa pelo texto