Senso de comunidade na era da Influência Digital

O ser humano é, por natureza, um ser coletivo. Nessa coletividade, ao longo da história, fomos criando abismos de diferenças. No entanto, somos movidos pela força motriz da identificação, e perpetuamente buscamos nos identificar com algo que faça sentido nas nossas próprias vidas. E por essa necessidade de sentirmos identificação com algo que nos pareça real vimos nos últimos anos uma crescente absurda dos chamados influenciadores digitais. Hoje, vivemos a era da influência. Alguns influenciam para replicar estereótipos arbitrários, repetir mais do mesmo, compartilhar freneticamente os padrões de consumo insustentáveis do capitalismo, repercutir os abusos simbólicos, intangíveis e inatingíveis para a maioria da população. E alguns de fato influenciam com mudanças que vão além do pessoal, utilizam dos múltiplos canais de comunicação no ambiente digital com o objetivo de transformar a sociedade que habitam.

Por Vitor Ranieri

Segundo Carl Jung, num certo nível e de uma certa forma, estamos todos ligados. Não só Jung, o pai da psicologia analítica, percebeu isso, a maioria das cosmologias de povos originários tem na sua visão de mundo esse espaço no qual somos todos um e estamos interligados, conectados a tudo o que há. É até mesmo semelhante ao princípio de nuvem da computação, ali tudo que pensamos e sentimos fica armazenado numa nuvem que não vemos, mas que permeia e influencia sistemas. Na cosmologia Iorubá, por exemplo, estamos todos conectados pelo Ori, o centro de força que existe em cada um e que conversa com o todo. Nessa teia da vida repleta de troca de informações, adentramos em campos de pesquisa do inconsciente coletivo.

O ser humano é, por natureza, um ser coletivo. Vivemos em coletivos organizados. Nessa coletividade, ao longo da história, fomos criando abismos de diferenças. Se contextualizarmos nosso momento histórico, temos de um lado, mundo afora, uma guerra Russo-Ucraniana, instituições governamentais corruptas e sistemas políticos ruindo, e ainda assim temos megacorporações querendo manter o business as usual — em inglês mesmo, porque é principalmente dos Estados Unidos que vem essa visão de fazer negócios como sempre fizemos, ou reproduzindo formatos que substancialmente não se fortalecem mais. Porém, o fato é que quando terceirizamos nossas responsabilidades e escolhemos messias salvadores tudo se torna mais fácil, e permanecer de mãos atadas aos sistemas político e econômico, que são bem amarrados para que as pessoas pensem que de fato não possuem tempo para se envolver em questões como o bem-estar de suas próprias vidas, é como se. nos inserisse em um contexto que não há saída.

Capa: Livro Homo Integralis, Fê Cortez.

Em paralelo, nunca estivemos tão conectados como hoje. A internet e a tecnologia criaram uma forma de unir pessoas como nunca houve na história da humanidade. Isso traz muitas coisas ruins, como a polarização, a alienação de tanta gente, fake news que definem até eleições. Contudo, a tecnologia é apenas uma ferramenta, como usamos depende da nossa lente, dos nossos valores, da nossa ética. Nós, jovens, estamos começando a perceber o poder que há aqui. O TikTok, por exemplo, vem substituindo o Google como ferramenta de busca. Ou seja, estamos falando sobre novos padrões sendo estabelecidos. Afinal, o que está em jogo é a vida no coletivo, que cada vez mais nos faz despertar para perceber que devemos, sim, participar das mudanças da sociedade civil. Porque a nossa participação muda tudo. Sensibilizados por nossas dores, por aquilo que faz o coração apertar, podemos mobilizar comunidades inteiras. E como Fê Cortez diz em seu livro Homo Integralis:

Você não precisa ser famosa(o) para influenciar. 

Fê Cortez

Somos movidos pela força motriz da identificação, e perpetuamente buscamos nos identificar com algo que faça sentido nas nossas próprias vidas, mesmo que na estrutura que vivemos signifique reproduzir padrões. E por essa necessidade de termos identificação com algo que nos pareça real vimos nos últimos anos uma crescente absurda dos chamados influenciadores digitais. Hoje, vivemos a era da influência. Alguns influenciam para replicar estereótipos arbitrários, repetir mais do mesmo, mais do consumismo, mais padrões, mais símbolos intangíveis e inatingíveis para a maioria da população. E alguns de fato influenciam, propondo ações e mudanças que vão além do pessoal, para o que podemos chamar de transpessoal, ou de coletivo, palavra que será muito repetida neste texto. São ativistas, na sua maioria, que hoje usam as mesmas redes sociais que nos mantêm interligados aos comportamentos destrutivos da nossa humanidade, que utilizam também das redes para canalizar as suas vozes para comunicar educação, questionar verdades sobre diferentes temas, trazendo reflexões sobre a lógica, erradicada, do sistema em que vivemos.

Existem milhares de exemplos de pessoas que, movidas por um propósito, fizeram algo. Afroz Shah é um exemplo desse novo poder. Do poder de um indivíduo sensibilizado que engajou milhares de pessoas, mais de 70 mil adultos e crianças a limpar a praia e a cidade com ele.

Quem também entende da potência de expressar ideias complexas, no caso dela em apenas 60 segundos, é Jaine Santos. Assumidamente feminista e comunista, ela utiliza o TikTok para falar de suas vivências, discutindo principalmente machismo e racismo. Para Jaine, é preciso desmistificar o que é ser militante:

“Acredito que estamos vivendo em uma geração de muita opinião, que se coloca à frente e não tem medo de se posicionar. E em uma plataforma tão popular, é importante falar sobre esses assuntos de forma descontraída, para dar mais visibilidade, tirar dúvidas e para que as pessoas tenham acesso à informação.

Jaine Santos

 E hoje, podemos falar da rede social mais utilizada em 2022, sedutora de jovens com seus vídeos curtos e coreografias aleatórias, que fez muita gente torcer o nariz, como acontece com tudo o que é disruptivo, o Tik Tok foi considerado uma moda passageira. Desta vez, erraram feio. O aplicativo está longe de seguir o roteiro de fracassos conhecido das redes sociais, que de tempos em tempos, despontam como um foguete, conquistam milhões de fãs, ameaçam o reinado de rivais mais robustos e, quase na mesma velocidade em que surgem, desaparecem miseravelmente. Muito pelo contrário, com mais de 775 milhões de usuários ativos e 3 bilhões de downloads, é a terceira rede social mais espalhada pelo mundo. 

Essa dinâmica quebrou a lógica de transmissão de informação, realizada de poucos para muitos, abrindo espaço para processos de compartilhamento de todos para todos. Há alguns anos, era comum ouvir referências ao ativismo nas redes sociais como um “ativismo de sofá” – aquele que exige poucas interações e raramente tem desdobramentos no mundo real. Eu mesmo, comecei a ter acesso a temáticas relacionadas a causas sociais no final de 2014 para 2015, com o boom de youtubers LGBTQIAP+ falando abertamente sobre suas sexualidades e seus estilos de vida, o que me aproximou de causas sociais e discussões que foram me gerando identificação no ambiente digital.

Em uma reportagem do site El País, o consultor Oscar Howell-Fernández, define o ativismo nas redes sociais como:

“Uma representação mais ou menos exata de nossas preferências e de nossa atividade social que se desenvolve de maneira constante e diária online, diante de instituições públicas ou privadas, governamentais ou comerciais.” 

Oscar Howell-Fernández

Contudo, essencialmente quando pensamos no famoso ´´lifestyle´´, é comum associarmos ao imagético temporal de transição das blogueiras de beleza para a de influencers, que compartilham seus modos de vida extremamente distantes da maioria da juventude brasileira, sendo admiradas com uma ressonância naturalizada.

Ao longo do avanço da economia dos criadores de conteúdo, foi se observando um pouco sobre a posição de classe de seguidores entre os influentes de várias comunidades existentes, no fim, foi sendo consolidada a percepção sobre representantes e influentes com uma comunidade altamente influenciada, mas que não necessariamente dividiam dos mesmo padrões sociais. ’Os influenciadores são os mestres de seus nichos e estabelecem um alto nível de confiança’ – é muito comum ouvir essa frase em qualquer artigo sobre creator economy 1 atualmente, e também sobre a famosa comunicação bidirecional com seguidores. Minha proposição, aqui, é pensarmos em modelos de compartilhamento que sejam atravessados por padrões de consumo conscientes, de estilos de vida que sejam verdadeiramente equitativos, busquem uma sociedade regenerativa, colaborativa, justa, pacífica, florescente e próspera, em suas diversas expressões culturais e artísticas.

Podemos ouvir, em vários ambientes que discutem sobre o tema, que influenciadores sabem como incorporar uma mensagem. Provavelmente você irá ouvir mais a frente no episódio que traremos no podcast Jovens Comunicadores na AJN, mas o fato é que nos últimos anos, a influência foi considerada para a utilização majoritária de divulgação de produtos e serviços de uma marca, e a minha crítica aqui não é sobre as estratégias da comunicação social como algo ruim; pelo contrário, quem vos fala é um estudante de relações públicas que acredita em alguns sutis traços do capitalismo consciente, contudo, enfrentamos por diversas vezes conteúdos com mentiras descaradas captando a atenção do que realmente queremos (ou deveríamos querer) assistir, com o único objetivo de vender um sonho ou objetivos de vida irreais. O motivo no qual o Tik Tok ganha a devida reverberação e a minha particular admiração, é o que segundo Adalberto Silvestre, Global Business Solution do TikTok, enfatiza como o senso de comunidade da rede, que é fortalecido por um algoritmo que impulsiona conteúdos conforme os seus interesses pessoais – estratégia que continua escalando o crescimento do app. E nós esperamos por isso!

Outro dia, conversando com uma colega do trabalho, ouvi a indignação contrastada à admiração de uma quase fã, que me contava como o seu influenciador favorito divide suas corridas matinais com a maior espontaneidade diariamente em sua pista arborizada; e como ele enfatiza para seus seguidores como a qualidade de vida é importante enquanto utiliza sua bicicleta coletiva para ir ao café localizado na região nobre do Morumbi. Enquanto ouvia as palavras saírem da boca dela, me vinha à cabeça os reais motivos da indignação de uma jovem de 19 anos que reside no extremo leste de São Paulo, e precisa levar aproximadamente 2 horas para chegar em seu trabalho, com o escritório localizado coincidentemente em apenas algumas quadras de distância do café que seu influenciador preferido frequenta diariamente.

Agora, escrevendo esse texto, me vem a memória também todas as vezes que precisamos nos acostumar com histórias que destoam das nossas, das quais assimilamos por diversas vezes narrativas superficiais como admiráveis, mesmo que não necessariamente as representações nas mídias nos representem de alguma forma, fossem elas em nossas sutilezas ou minuciosidades. Digo isso, porque proponho a reflexão aqui sobre quem te influencia. Ou talvez, sobre a potência que você pode ter em mãos de influenciar, seja para seu coletivo, sua rede de apoio, os territórios em que habita.

Me diz: os corpos que você tem seguido e acompanhado condizem com os padrões que você admira? Para além do entretenimento – papo para outra hora – a sua verdade compactua com quem você segue?

Hoje, nós temos a chance de escolher as narrativas que podem descolonizar nossas mentes, corpos e emoções. Entender a velha lógica das coisas e como devemos nos comportar no digital é uma grande virada de chave, para inverter o modo de vida colonizado que atocharam nas nossas cabeças por anos. Podemos e devemos mudar.

 Assim dizendo a minha utopia. Eu vou levando a vida, eu vou viver bem melhor doido prá ver o meu sonho teimoso um dia se realizar. 

Milton Nascimento – Coração Civil

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