Revogação no Novo Ensino Médio, já!
A desigualdade social das escolas brasileiras é uma realidade que perpetua para que o desenvolvimento social continue beneficiando apenas uma classe da sociedade. A Reforma do Ensino Médio não dialoga com todas as frentes de ensino por excluir a comunidade escolar pública da discussão.
Hoje, milhares de professores e estudantes precisam lutar contra a falta de recursos e a precariedade dos espaços escolares, e essa reforma não pode ser imposta sem a reformulação das condições de ensino dessas pessoas.
Por Thaynara Floriano
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Em 2017, o governo de Michel Temer aprovou a Reforma do Ensino Médio, a reformulação que foi implementada em 2022 pelo governo da extrema-direita de Bolsonaro, conta com ideias que acompanham o retrocesso e o conservadorismo de governos que não tem preparo para a condução de políticas de educação.
A retirada de disciplinas como Filosofia e Sociologia da grade curricular do ensino médio, por exemplo, é entendida por profissionais da Educação como uma forma de minar o desenvolvimento do pensamento crítico, e pode fazer com que estudantes deixem de se importar em pensar soluções que possam contribuir para o desenvolvimento social e justo da sociedade brasileira.
Todas as mudanças trouxeram ainda mais sobrecarga e desvio de habilitação aos professores, junto com o enfraquecimento do acesso ao conhecimento para estudantes. Essa reforma não foi construída por estudantes, professores, gestores e outros profissionais da educação que trabalham diretamente com o ensino público, e pode ser prejudicial para gerações inteiras de pessoas, que passarão pelo sistema público de educação sem garantias de que estão realmente preparadas para o futuro.
O que mudou?
As únicas disciplinas obrigatórias no Novo Ensino Médio são Língua Portuguesa e Matemática, e estudantes passaram a ter mil horas de aulas por ano. Portanto, para sua formação no ensino médio agora serão necessárias no mínimo 3 mil horas de aulas.
Dessa carga horária, 1800 horas serão destinadas para as disciplinas obrigatórias de Matemáticas e suas Tecnologias; Linguagens e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e as demais horas são destinadas às formações complementares e formativas, que são formadas por Projetos e Núcleos de Estudo.
Não houve contratação de novos professores com especialidade nos novos recortes; na maioria das escolas, o que vemos é a crescente sobrecarga de trabalho aos que já estão à frente das turmas. Essas disciplinas chegam com a proposta de preparar os estudantes para a vida ou o mercado de trabalho, mas excluem uma questão fundamental da existência da escola pública que é a compreensão da realidade brasileira e o combate à desigualdade.
Com estudantes focados apenas em disciplinas específicas para o mercado de trabalho, perdemos habilidades para a construção do pensamento crítico e conhecimento social.
Esse novo ensino médio é mais uma maneira de controle social, que vende a ideia de meritocracia inexistente dentro de um país desigual como o Brasil. A reforma também contribui para o sucateamento do ensino público, tendo como consequência mais desigualdade social.
Cerca de 20% da carga horária será cumprida em regime EAD (ensino à distância). O ensino presencial da forma como existe possui grande desestímulo – a maior taxa de evasão é por falta de interesse de estudantes em ir para a escola. Porém, para manter as aulas à distância, o conteúdo precisa ser atrativo, e o que tem acontecido – desde a pandemia – é o oposto. Manter essa decisão pode elevar ainda mais a precarização do ensino.
A extensão das diretrizes formuladas pelo MEC para a construção dos itinerários formativos possibilita que as escolas possam criar suas próprias formações, sendo possível acrescentar coisas fora de um padrão aceitável, como formação em jogos de videogame ou aplicativos, que são absolutamente específicos e não deveriam estar entre os objetivos de uma reforma curricular geral.
Estudantes de escolas públicas são os mais afetados com a reforma no ensino médio. As mudanças os colocam em um modelo de aprendizado no qual o que importa é apenas trabalhar dentro de um grande sistema, sem possibilidades de avançar criticamente e pensar mudanças na estrutura social que comanda todo mundo.
Hoje, 15, estudantes e defensores do direito à educação de todo o país estão em ato pela revogação do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/2017). A mobilização é organizada em diversos estados e no Distrito Federal pela UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e conta com o apoio da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação). Além disso, mais de 300 entidades ligadas ao direito à educação – entre elas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação – assinaram uma Carta Aberta pedindo a revogação da reforma.

O Novo Ensino Médio vai na contramão do direito à educação.
Além de tudo o que apontei ao longo desse texto, o novo modelo amplia ainda mais as desigualdades entre estudantes vindos de escolas públicas e privadas e nega conhecimento a milhões de estudantes que encontram na educação o caminho para um futuro melhor.
A desigualdade social é um processo existente dentro das relações sociais dos indivíduos, pois ela determina que grupos sejam excluídos por questões econômicas, de gênero, raça, círculo social ou crença. E essa desigualdade limita o acesso dessas pessoas à direitos básicos como saúde, educação, qualidade de vida e direito à alimentação e moradia. Dessa forma, a falta de acesso à educação de qualidade é um dos fatores que contribuem para a manutenção desse sistema que continua existindo por não oferecer aos indivíduos espaços de reflexão.
O processo de reflexão crítica de um indivíduo é adquirido através da educação e os espaços escolares tem como propósito o desenvolvimento dos cidadãos através do pensamento crítico, que é a capacidade de análise de experiências e situações com base em sua realidade social, histórica e cultural, criando possibilidades de transformação e condução para a autonomia e emancipação do seu povo. Para que a educação seja transformadora é necessária uma reestruturação do ensino, mas para que isso aconteça sem prejudicar toda a gestão escolar é necessário a implementação de um projeto que dialogue com a comunidade.
A proposta precariza disciplinas básicas e impõe aulas que não ajudam nem na formação profissional qualificada, nem preparam para o vestibular, deixando estudantes do ensino público distantes da universidade pública, já que a reforma não os prepara para os vestibulares, já o recurso das escolas particulares podem alavancar com a proposta que pode ser bem executada quando existe recurso.
Existem escolas que estão conseguindo ampliar suas perspectivas e criar projetos que estimulem os estudantes, como é o caso da Escola Estadual Presidente Tancredo Neves, em Caeté, Minas Gerais, que implementou um projeto sobre finanças com estudantes do novo ensino médio (artigo da Grazi Dantas publicado aqui na AJN), mas a grande maioria dos espaços escolares são precarizados e não possuem verba ou profissionais que possam atender a demanda gerada pela reforma.
Sabemos que o percentual de abandono é alto devido a falta de interesse dos estudantes. Criar espaços para discutir caminhos que tornem a educação uma experiência significativa para as novas gerações é um diferencial a ser colocado em prática. A educomunicação surge nesse cenário como um novo paradigma, que contribui para a visão sistêmica dos elementos educacionais, propondo que professores e estudantes passem a ser gestores de sua comunicação e colaboradores de um mesmo projeto: o desenvolvimento da comunicação para que ocorra a mudança das ações no âmbito da comunidade escolar.
Reformar o ensino médio em si, não é ruim. O importante é que professores, gestores, profissionais da escola, estudantes e comunidade opinem para desenvolver, em conjunto, um percurso que seja estimulante e que abra os caminhos para o futuro, como a educação precisa ser.
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