Resistindo à obscuridade: O musical “Six” e o resgate das mulheres esquecidas 

Enquanto 6 rainhas renascem nos holofotes da cultura popular, suas histórias ecoam as vozes de inúmeras mulheres que foram silenciadas pela história convencional.

Por Helena Serpa

No palco do musical “Six“, as rainhas que compartilham suas histórias e perspectivas anteriormente esquecidas, ganham vida através de músicas vibrantes e personagens cativantes. A história de seis rainhas que se tornaram  símbolos de resistência, representando não apenas as histórias retratadas, mas também milhões de mulheres silenciadas.

O movimento “Agosto Lilás”, contra a violência de gênero, ecoa essa luta por dar voz às mulheres apagadas. Assim como o apagamento histórico é uma forma de violência, a campanha visa enfrentar a opressão que as mulheres enfrentam diariamente.

O fenômeno das rainhas de “Six” não apenas resgata essas figuras notáveis, mas também nos convida a refletir sobre as muitas outras mulheres que foram apagadas das narrativas históricas.

Assim como as personagens do musical “Six” dão vida às histórias e perspectivas esquecidas das rainhas, a essência dessa luta reverbera no movimento “Agosto Lilás”, que ergue a voz contra a violência de gênero. A trajetória dessas rainhas resgatadas encontra eco nas vidas de mulheres notáveis como a cientista que teve um papel fundamental na compreensão do DNA, aquela que desafiou as convenções na área da psiquiatria, e a pioneira musical que deixou uma marca indelével. E outras mulheres apagadas que personificam a busca por visibilidade e reconhecimento. 

A aclamada produção teatral não apenas recupera as histórias das rainhas esquecidas, mas também nos convoca a refletir sobre as inúmeras mulheres que permanecem negligenciadas pelos registros históricos. À medida que as personagens do musical reivindicam seu espaço no palco, essas vozes silenciadas emergem em harmonia, juntando-se ao coro incessante que desafia a invisibilidade e a opressão cotidiana que muitas mulheres enfrentam.

Vozes silenciadas: Rosalind Franklin e Catarina de Aragão

Imagem: Rosalind Franklin/Wikipedia.

Rosalind Franklin, uma química e cristalográfica, fez uma contribuição fundamental para a compreensão da estrutura do DNA. No entanto, suas imagens de difração de raios X foram utilizadas sem seu consentimento, levando à descoberta da estrutura de dupla hélice. Sua contribuição foi subestimada, resultando em anos de anonimato e falta de reconhecimento. 

Da mesma forma, Catarina de Aragão, apesar de ser uma rainha instruída e influente, viu suas contribuições políticas e religiosas minimizadas após sua separação de Henrique VIII. Seu casamento com Henrique e sua luta por manter sua posição como rainha consorte foram muitas vezes obscurecidos pelas narrativas dominantes.

Imagem: Catarina Aragão/Wikipedia.

As histórias de Rosalind Franklin e Catarina de Aragão destacam a importância de dar voz às mulheres cujas contribuições foram negligenciadas ou distorcidas. Suas lutas e realizações são um testemunho do impacto que as mulheres tiveram, apesar das barreiras impostas pela sociedade. Ao trazer essas histórias à tona, reconhecemos que a ciência e a história foram moldadas por figuras femininas que merecem ser lembradas e celebradas.

Desafiando o Status Quo: Ana Bolena e Nise da Silveira 

Imagem: Ana Bolena/Wikipedia.

Ana Bolena, a segunda esposa de Henrique VIII, e Nise da Silveira, uma renomada psiquiatra brasileira, trilharam caminhos que desafiaram as normas sociais e os padrões estabelecidos em suas respectivas épocas. 

Bolena, uma figura histórica do século XVI, desafiou as restrições impostas às mulheres da nobreza ao buscar um lugar no centro do poder, como a segunda esposa do rei Henrique VIII. Sua influência e desejo de mudança social a colocaram em conflito direto com os poderes estabelecidos da igreja e do estado. O resultado foi uma batalha desesperada por sua própria sobrevivência, marcada por sua condenação e execução. 

Imagem: Nise da Silveira/Wikipedia.

Nise da Silveira, por outro lado, desafiou a mentalidade médica convencional do século XX. Em um campo dominado por paradigmas rígidos, ela viu além das limitações das terapias tradicionais e acreditou no poder da expressão artística como uma forma de cura. Sua abordagem revolucionária na psiquiatria ofereceu aos pacientes uma oportunidade de se expressar e encontrar cura através da arte, desafiando as estruturas rígidas do sistema médico.

Além dos Palcos: Chiquinha Gonzaga e Jane Seymour 

Imagem: Chiquinha
Gonzaga/Wikipedia.

Chiquinha Gonzaga, compositora e pianista brasileira do século XIX, desafiou as expectativas sociais e os limites impostos às mulheres em sua época. Ela se destacou não apenas como musicista talentosa, mas também como uma figura ativa no ativismo social e na defesa da abolição da escravidão. Sua música e suas convicções mostraram que as mulheres poderiam ser líderes influentes e mudar o curso da sociedade.

Imagem: Jane
Seymour/Wikipedia.

 Por outro lado, Jane Seymour, embora seja mais lembrada como uma das esposas de Henrique VIII, teve um papel crucial na história da Inglaterra. Sua influência na restauração da filha de Henrique, Maria I, ao status de herdeira, teve um impacto significativo no panorama político e religioso do país. Sua dedicação à sua filha e à estabilidade do reino demonstra que as mulheres podiam moldar os destinos de nações inteiras.

As histórias de Chiquinha Gonzaga e Jane Seymour refletem a resiliência das mulheres em superar desafios pessoais, sociais e políticos. Ambas recusaram-se a serem definidas apenas por suas conexões com figuras poderosas (como Henrique VIII) e procuraram maneiras de deixar um legado próprio. Elas usaram suas vozes e influência para romper barreiras e moldar o mundo ao seu redor.

Conquistando espaço: Ana de Cleves e Maria Quitéria 

Imagem: Ana de Cleves/Wikipedia.

Ana de Cleves, ao aceitar um casamento com Henrique VIII, um rei famoso por suas relações turbulentas, demonstrou coragem e flexibilidade. Apesar do divórcio subsequente, Ana manteve uma relação respeitosa com o rei e conquistou uma vida independente na corte. Sua capacidade de reivindicar sua própria identidade e autonomia é uma antecipação das lutas de muitas mulheres ao longo da história. 

Maria Quitéria, por sua vez, deixou sua marca na história como uma mulher que desafiou as convenções sociais ao se vestir de homem para lutar na Guerra da Independência do Brasil. Sua coragem em se alistar no exército foi uma afronta aos papéis tradicionais de gênero, destacando sua busca por liberdade e autodeterminação. 

Imagem: Maria Quirtéria/Wikipedia.

Tanto Ana de Cleves quanto Maria Quitéria questionaram as expectativas e os papéis sociais atribuídos às mulheres de suas respectivas épocas. Ana desafiou a noção de que uma rainha divorciada deveria ser descartada ou esquecida, enquanto Maria Quitéria se recusou a aceitar que a participação feminina se limitasse às margens da sociedade. 

Seus legados persistem como testemunho do impacto que as mulheres podem ter quando desafiam as restrições impostas pelo gênero. Ana de Cleves e Maria Quitéria continuam a inspirar as mulheres modernas a buscar autonomia, igualdade e reconhecimento, enquanto enfatizam a importância de redefinir as histórias das mulheres que, como elas, recusaram-se a ser silenciadas pela norma social.

Desafiando percepções deturpadas: Catarina Howard e Benazir Bhutto

Imagem: Catarina Howard/Wikipedia.

Catarina Howard e Benazir Bhutto Catarina Howard, frequentemente lembrada por seus escândalos na corte de Henrique VIII, foi frequentemente reduzida à sua juventude e supostos relacionamentos. Essa minimização de sua identidade ignora suas experiências e desafios como uma jovem rainha, além de desconsiderar seu potencial não explorado como líder e influenciadora. 

Benazir Bhutto, por sua vez, enfrentou barreiras profundas em seu papel como líder político no Paquistão. Sua carreira notável e conquistas significativas muitas vezes foram ofuscadas pela ênfase em sua aparência e gênero. 

Imagem: Benazir Bhutto/Wikipedia.

A narrativa da mídia muitas vezes reduzia Bhutto a uma figura de estilo e personalidade, subestimando suas habilidades de liderança e suas contribuições para seu país.

Tanto Catarina Howard quanto Benazir Bhutto tiveram que enfrentar obstáculos sistêmicos que derivam das normas sociais de suas respectivas épocas. A jovialidade de Catarina Howard não pode obscurecer a complexidade de sua posição como rainha, enquanto Benazir Bhutto teve que superar o machismo enraizado e as expectativas limitadoras que acompanhavam sua liderança política.

Catarina Parr e Maria Sibylla Merian: Desbravadoras da ciência e arte 

Imagem: Catarina Parr/Wikipedia.

Catarina Parr, a última esposa de Henrique VIII, encontra um paralelo significativo em Maria Sibylla Merian, uma naturalista e ilustradora do século XVII. Ambas as mulheres desafiaram as limitações impostas às suas respectivas épocas e deixaram um legado marcante nas áreas da ciência e da arte. Catarina Parr, muitas vezes ofuscada pelo contexto turbulento de seu casamento com Henrique VIII, demonstrou um intelecto notável e uma paixão pelo aprendizado. 

Imagem: Maria Sibylla Merian/Wikipedia.

Ela foi uma das primeiras rainhas inglesas a publicar livros sob seu próprio nome, abordando questões teológicas e educacionais. Sua busca pelo conhecimento e sua contribuição literária ecoam o espírito investigativo de Maria Sibylla Merian. 

Maria Sibylla Merian, uma cientista pioneira e artista talentosa, desafiou as convenções sociais e geográficas ao viajar para a América do Sul para estudar insetos e plantas exóticas. Suas ilustrações meticulosas e observações científicas foram revolucionárias em sua época, ajudando a lançar as bases para a entomologia moderna. Seu compromisso com a precisão científica e sua habilidade artística espelham o desejo de Catarina Parr de combinar a educação com o pensamento crítico. 

Do silêncio à revolução

O Agosto Lilás é uma campanha de grande significado na luta contra a violência de gênero e pelo empoderamento das mulheres. Surgiu no Brasil com o propósito de ampliar a conscientização sobre a importância da Lei Maria da Penha, um marco legal que visa combater a violência doméstica e familiar contra as mulheres. 

A história do Agosto Lilás remonta ao ano de 2006, logo após a sanção da Lei. Esta legislação, batizada em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher que sobreviveu a duas tentativas de homicídio por parte de seu próprio marido, representa um ponto de viragem na luta contra a violência de gênero. 

A lei estabeleceu medidas rigorosas para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra as mulheres, abordando várias formas de agressão, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A trajetória de Maria da Penha, assim como as histórias das rainhas resgatadas no musical “Six”, revela as múltiplas violências e apagamentos que as mulheres enfrentam. 

Tanto Maria da Penha quanto as mulheres esquecidas pela história personificam a resistência e a luta por justiça e visibilidade. O movimento “Agosto Lilás” traz à tona não apenas a necessidade urgente de combater a violência de gênero, mas também a importância de reconhecer e honrar as vozes das mulheres que foram marginalizadas e silenciadas.

Imagem de divulgação: Six

As histórias das rainhas de “Six” e das mulheres esquecidas da história do Brasil e do mundo reforçam a importância de dar voz às vozes apagadas. Assim, unimo-nos à luta global pela igualdade de gênero e pelo respeito às narrativas de todas as mulheres, passadas e presentes. Através dessas histórias, iluminamos as sombras do apagamento e abraçamos um futuro mais inclusivo e justo.

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