Quito: como é o direito à cidade na sede da Habitat III
Quito, a capital do Equador, é geograficamente o centro do mundo por ser o local mais próximo ao Sol do planeta. Durante os dias 17 a 21 de outubro, no entanto, também virou o centro das atenções mundiais. Nesse período a cidade sediou a conferência internacional da Organização das Nações Unidas sobre moradia e desenvolvimento urbano sustentável, a chamada Hábitat III. Mas porque Quito foi escolhida para tal evento? Que iniciativas de urbanismo ela pode trazer para uma conferência sobre cidades? Que coisas a cidade tem a aprender com outras do mundo?
Com 3 milhões de habitantes, Quito recebeu cerca de 30 mil visitantes com a conferência da ONU, mostrando que a cidade tem muitos desafios pela frente. Filas de carros se formaram todos os dias durante o evento, ruas foram fechadas, causando congestionamentos, mas o trânsito caótico não parece ser novidade para a cidade. A quitenha e ativista pela mobilidade urbana Nataly Pinto diz que um dos maiores desafios de Quito “é ter uma visão integral da mobilidade, que inclua uma articulação em nível nacional e regional.”
Nesse sentido, algumas soluções já começaram a aparecer. O congestionamento da capital pode diminuir dentro dos próximos anos com a ampliação do sistema de transporte rápido de ônibus (BRT), com a construção de 4 estações de metrô subterrâneo, e com a instalação de teleféricos para facilitar a vida de quem mora nos morros da cidade, visto que Quito é uma cidade andina, cercada por montanhas e vulcões.
Outro grande problema da mobilidade em Quito é com relação a formas alternativas de locomoção. Na maioria das ruas não há sinalização ou faixa de pedestre. Para piorar, os motoristas de ônibus, carros ou motocicletas não têm o costume de priorizar os que caminham. Assim, fica muito perigoso andar nas ruas, o que, segundo a ativista, é um desincentivo: “As pessoas veem os veículos como únicas alternativas de transporte para sentirem-se seguras, mas não são as únicas. Ainda tem as bicicletas, a possibilidade e o direito de caminhar”.

Mas esse é outro problema que está prestes a mudar. Nataly conta que “no Equador foram feitas algumas ações de parte pública e civil para as bicicletas. O governo fez ciclovias e disponibilizou bicicletas públicas, agora colocou bicicletas elétricas para incluir pessoas de terceira idade e com menos capacidade motora. Também as iniciativas cidadãs fizeram coisas desde o nível ativista até empresarial. Houve um projeto para colocar porta-bicicletas nos táxis. Houve projetos de pintar ciclovias ou mesmo de incentivar pessoas a pedalar e se mexer na cidade de uma maneira diferente.”

Além da mobilidade, Quito têm problemas no que se refere ao direito à ocupação humana da cidade. “Os que pensam as políticas públicas aqui, pensam as cidades apenas como ruas. Assim nem para se caminhar pelas calçadas é fácil. Então, imagina como estão as outras políticas para a cidade”, reclama a moradora da capital, educadora e pensadora urbana, Maria Fernanda Riofrio. Ela explica que a cidade é regida por empresas imobiliárias, automobilísticas e elétricas, que pensam os cidadãos como consumidores de seus produtos. “Quem dita as regras são as companhias de venda de carros e imobiliárias, não as pessoas. Onde vão as imobiliárias, os municípios vão atrás. É uma cidade onde a empresa de rede elétrica decide onde há árvores. Então, só temos árvores onde não passam cabos e as ruas nas quais as pessoas mais caminham são as menos iluminadas.”
Para reverter essa lógica de priorizar empresas e produtos a pessoas, Maria Fernanda criou o projeto Andotecas, em parceria com o escritório local da Fundação Friedrich Ebert. Como educadora, ela percebeu outra falha de serviço na cidade: o fomento à leitura. “Nosso sistema escolar e as políticas acerca da leitura no Equador têm sido nefastas. Há 4 anos o governo acabou com o empréstimo de livros em bibliotecas, não se pode retirar livros de lá. Outro problema é que as pessoas desse país acreditam que ler é chato. Internet, jogos,filmes isso é divertido, mas ler não. A escola ensina as crianças que ler é chato. Então a ideia foi colocar os livro nos lugares públicos de lazer para fazer as pessoas se interessarem.”

O projeto consiste na instalação de postos de trocas de livros em praças e parques da cidade, facilitando o acesso das pessoas à leitura. “As Andotecas são uma maneira de incentivar a troca, o coletivo.”
Quito é uma cidade, que como todos os outros grandes aglomerados urbanos, tem diversas cidades dentro de si. O centro histórico da capital equatoriana, considerado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, é exemplo de conservação de arquitetura colonial, com igrejas, prédios administrativos e centros culturais admiráveis. A parte norte, por sua vez, é composta por bairros ricos, onde o transporte público não é prioridade e as ruas são dedicadas a carros mais do que a pedestres ou ciclistas, apesar de existir iluminação adequada e áreas verdes conservadas, prezando pela qualidade de vida dos moradores. Do outro lado, a parte sul, onde a maioria dos trabalhadores moram, não tem iluminação ou calçadas adequadas, há menos áreas verdes, espaços para ciclistas e o transporte público é mais precário. Porém, iniciativas de construção de novos transportes públicos e de incentivo ao uso dos espaços públicos, como as que se dividem na Habitat III, podem reaproximar essas cidades distintas em uma só Quito.

Assim, apesar de criticada por ser centralizada em um espaço fechado e central da cidade (Casa de Cultura Equatoriana), a Habitat III trouxe mais ganhos do que perdas para Quito. Ela significou um investimento em urbanismo, além de trazer lucros do turismo, pois colocou a população e os governantes para pensar sobre a cidade, o direito de ocupá-la e a obrigação de torná-la melhor.
| Para saber mais sobre a experiência urbana de Quito e de outras cidades latino-americanas acesse o livro “Habitats justos, diversos e sustentáveis” (arquivo em espanhol)
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