Psicanálise e Saúde Mental na Pandemia
Nossas relações se estabelecem entre um Eu – Outro, mas tem um perigo aí, principalmente quando pactuamos e fazemos um conluio ou uma trama ilusória, e não vemos os limites nossos frente a esse outro (cultura, família, trabalho, relacionamentos). Onde está você nesse emaranhado?
Por Reynaldo de Azevedo Gosmão
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O que é um tratamento psicanalítico? De modo grosseiro, se fizermos o trabalho de compreender etimologicamente o que é uma análise, podemos chegar perto da significação: “ação que divide uma operação”, ou seja, dissolve, separa elementos em partes pormenorizadas de um todo.
Sendo assim, o processo psicanalítico é um espaço de separação, seja no reconhecimento do desejo que é do sujeito e do outro, a separação das narrativas totalitárias, e também a visada de ser parte e não o todo de movimentos coletivos.
Porém, no modo de vida regido pelo capitalismo, que beira o acumulativo, estamos imersos a uma rede de aglutinação, onde a composição de um modo de vida é vocabularizado por tons e traços históricos que encapsula o Eu, e para se reconhecer ele acaba topando o jogo comum… o famoso jargão “topa tudo por… dinheiro, aqui coloquei dinheiro mas pode ser qualquer outra coisa”!
Mas esse espaço comum é um espaço interessante para estar?
Esta questão deixarei em suspenso, mas é óbvio, que nossas relações se estabelecem entre um Eu – Outro, mas tem um perigo aí, principalmente quando pactuamos e fazemos um conluio ou uma trama ilusória, e não vemos os limites nossos frente a esse outro (cultura, família, trabalho, relacionamentos): “que para o Eu sobreviver, este precisa agradar o Outro”.
Essa mescla e mistura, por muitas das vezes é visada como uma tentativa de não ter conflitos, de negar o inconsciente, mas vou usar a metáfora do psicanalista Prof. Luciano Elia: nós até podemos tentar negar, mas a diferença, o inconsciente está posto, então a força que fazemos para jogá-lo pra longe se soma com a potência de seu retorno, “como um boomerang”.

Como pontua Lacan, no Seminário 23, o sujeito precisa enfrentar o medo da dissolução do Eu, colocando a angústia em palavra… da palavra à escuta… da escuta à voz, e daí à experiência de outros modos de “ser” e de estar no mundo, “reconstruindo uma nova linguagem” com aponta a Grada Kilomba.
Para que esse Eu se estruture em uma nova posição, será necessário perder; muito contraditório ao mecanismo social aglutinador, melhor dizendo, passar por uma psicanálise é se propor DISSOLVER, perder algumas posições, seja de ordem imaginária, simbólica e por aí vai… é perder algumas heranças desse Outro!
Fazer da perda, da dissolução e da diferença uma potência para o Eu.
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Imagem destacada: Grégory ROOSE por Pixabay