Porque não aceito mais trabalhar de graça

Desabafo de uma ativista cansada de receber “oportunidades de visibilidade”

Por Amanda Costa

Olá, minha lindeza climática <3

Se prepare porque hoje eu vou hablar

Se você faz parte de alguma minoria social, ou seja, se é uma mulher, preta, LGBTQIAP+, PCD ou periférica que tem alguma projeção nas redes, provavelmente já recebeu algum desses convites:

  • Que tal vir aqui na empresa conversar com a galera?
  • Estamos organizando um painel e acho que você seria a pessoa perfeita para compor a mesa! Bora?
  • Topa me dar a sua opinião sobre esse programa que estamos desenvolvendo?
  • Você gosta de escrever, né? Vem ser colunista na minha plataforma.

Os convites podem até parecer sedutores, mas na verdade são perversos e eu vou te contar o porquê a partir da minha experiência.

Meu nome é Amanda Costa e sou uma mulher preta. Sempre gostei de comunicar, mas foi apenas em 2021 que decidi transformar essa parada em parte do meu trabalho. Foi um momento dolorido, sufocante e muitooo revoltante, no qual escrevi três artigos para narrar a experiência e extravasar os sentimentos. Se estiver curiosa, você pode conferir nos links abaixo:

Mas a real é que ano vai, ano vem e a lógica é a mesma. Pensa como é para as mulheres pretas, que precisam lidar diariamente com a invisibilidade causada pelo racismo estrutural, receber convites assim. Pode até parecer uma baita oportunidade, mas quero te provocar a pensar com mais profundidade nesses tipos de abordagens.

Porque será que recebemos essas paradas como uma meeega oportunidade de visibilidade quando homens brancos recebem esses convites juntamente com um pedido de orçamento?

A real é que por muito tempo a gente não chegava nesses lugares, de protagonismo, visibilidade e de admiração. O lugar do preto era na senzala ou na casa grande ou no campo trabalhando, e no caso das mulheres, como ama de leite, babá, cozinheira ou empregada. 

Maaas, estamos transformando essa lógica. 

Esses convites não são oportunidades, eles são uma maneira de manter o status quo e perpetuar um sistema de exploração, subalternidade e dependência!

Querida leitora, agora quero compartilhar dois convites que recebi essa semana:

  1. Participar de uma imersão sobre mudanças climáticas
  2. Dividir a minha história para apoiar o brainstorming da realização de uma conferência internacional

As duas coisas são uma parada maneira, que eu super me interessei em construir junto. Mas ambas vieram na forma de “suuuuper oportunidade” e eu estou cansada desse discurso. 

O primeiro convite veio com um e-mail, mas decidi não responder porque não sabia muito bem como formular essa reflexão que estou dividindo contigo nesse exato momento, minha querida leitora. Eu senti um mix de sentimentos: inconformismo, revolta e indignação, mas não tinha ideia de como escrever isso num email. Eu pensava: será que eles não estão enxergando o óbvio?

Para participar do rolê (com duração de 4 dias) eu precisaria parar de trabalhar durante esse período. A questão é que eu, enquanto empreendedora social, ainda não tenho sustentabilidade financeira para fazer esse movimento. 

  • Ahh, mas Amanda. A gente cobre passagem, hospedagem e alimentação!

Ótimo! Mas quem pagará as minhas contas de luz, água, telefone, mercado, feira, transporte, remédios? Se você tem um emprego estável e segurança financeira, isso pode até parecer pouco. No entanto, isso faz total diferença na vida de pessoas que pertencem a grupos minoritários, principalmente quando falamos de jovens mulheres negras que estão empreendendo uma ONG na quebrada! 

Eu não respondi o e-mail e, depois de um tempo, uma das colaboradoras que me conhecia de outro processo, entrou em contato comigo via whatsapp. Desse modo, me senti segura para partilhar essas questões e fui super acolhida! Me agradeceram por abrir minha vulnerabilidade e disponibilizaram uma ajuda de custo para que eu pudesse participar do evento com tranquilidade.

Mas nem tudo são flores, e a segunda experiência foi bem diferente. Veja só como chegou o convite:

Eu agradeci o convite e perguntei se era uma ação voluntária ou remunerada. Após saber que era uma ação voluntária, disse que não tinha disponibilidade e perguntei se poderia indicar alguém. Essa foi a resposta que tive:

Querida leitora, você consegue sentir o peso do julgamento nesse breve comentário? A pessoa nem perguntou meu motivos, não estava realmente interessada na minha história. Respondeu como se eu quisesse lucrar em cima das “ATIVIDADES VOLUNTÁRIAS PARA A REALIZAÇÃO DE UMA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL”. 

Percebe como é controverso esse movimento?

Esse breve papo me levou para um lugar profundo de reflexão:

  • Qual é o gênero e a raça das pessoas que podem fazer trabalho voluntário no Brasil?

Mas o mundo está mudando. Os eventos que não tem mulher, gente preta e PCD já não são mais aceitos! Pensar em diversidade vai muito além de chamar uma pessoa preta para falar, mas é desenvolver ações práticas onde todo o conhecimento dessa pessoa pode ser valorizado.

Juro que se ele falasse: “Amanda, a gente não tem grana. Mas quero muito ter você com a gente. Posso conversar com o pessoal e ver a possibilidade de trazer uma ajuda simbólica. Você aceitaria?” eu teria dito SIM!!! Porque não é o valor em si, mas a intenção que está por trás, sabe?

A postura dessa pessoa me trouxe uma passagem do livro PACTO DA BRANQUITUDE, da Cida Bento:

“Os negros são vistos como invasores do que os brancos consideram seu espaço privativo, seu território. Os negros estão fora de lugar quando ocupam espaços considerados de prestígio, poder e mando. Quando se colocam em posição de igualdade, são percebidos como concorrentes.”

Querida leitora, eles precisam mais da gente do que nós deles! Não vamos mais abaixar a cabeça e cair no papinho de estar dispensando uma “super oportunidade”. Não queremos apenas ser admirados, mas exigimos ser reconhecidos e valorizados financeiramente pelo nosso trampo!

Beijos de luz da sua gata climática,

Amanda Costa

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