Opinião: Por que o país do agro produz tanto e ainda assim tem tanta fome?

O Brasil é um dos países mais reconhecidos pela presença marcante do agronegócio. Ainda assim, possui um índice elevado de fome. Na minha coluna deste mês, trago um ponto de vista sobre os possíveis fatores desta incógnita.

Por Marcela Souza Rabelo

Segurança alimentar. Já ouviu falar? De acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – A segurança alimentar é o direito de ter acesso a uma alimentação adequada, saudável, permanente e sustentável; um direito de todos. Contudo, isso não é, nem nunca foi o que sentimos na realidade, pois o que contemplamos é outra realidade bem diferente.

A pergunta de milhões é a seguinte:

Como o Brasil, que produz tanto, não tem comida para toda a população?

Dentre tantos fatores econômicos, sociais e ambientais, é difícil apontar para um único problema, já que a resposta não está no singular, mas sim no plural.

Em meio ao avanço frequente na linha de produção de alimentos, o cenário brasileiro evidencia cada vez mais o agravamento da fome no país. São conjunturas controversas, porém reais. E, como consequência da pandemia, hoje, menos da metade da população brasileira vive de fato uma situação de segurança alimentar – o que pode sim ser explicado em razão do desemprego, ocasionado durante e pós-pandemia. Mas o que não deveria ser justificável é que, em 2018, antes da pandemia, mais de 30% dos residentes do país estavam em algum dos três níveis de insegurança alimentar da POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE.

Segundo a CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, o Brasil está entre os 5 maiores produtores e exportadores de alimentos provenientes de atividade agrícola do mundo. Esse fato já seria suficiente para entender a dimensão da capacidade produtiva versus a demanda de consumo da população brasileira.

Bem verdade é que tudo está correlacionado com as produções do agronegócio, desde o grão de milho colhido nas safras até aquele salgadinho industrializado do supermercado.

No entanto, o que não permanece evidente é: quem alimenta quem?

Foto: FETRAF-SC

Sem dúvida, uma parcela do que é produzido em larga escala no Brasil pelas grandes empresas de agronegócio é consumido em território nacional – seja diretamente, in natura, seja indiretamente, na composição de outros produtos. Entretanto, uma grande parcela desses alimentos, senão seu todo, são denominados commodities agrícolas, e são exportados para o mundo, enquanto 70% dos alimentos consumidos no Brasil provém da agricultura familiar que, como evidenciado pelo documentário Como o Brasil que alimenta 1 bilhão no mundo tem 10 milhões passando fome, são os verdadeiros protagonistas dessa história.

Tendo a agricultura familiar como o principal protagonista, sustentando o mercado, faz-se necessária a ação de programas e iniciativas que promovam o crescimento do pequeno e médio produtor rural frente aos desafios com os quais a atividade rural se depara: programas de crédito e financiamentos que objetivam o desenvolvimento tecnológico a fim de melhorias nas produções, bem como a potencialização da qualidade nutritiva – porque na segurança alimentar não basta apenas ter acesso aos alimentos, mas também ter acesso a alimentos com qualidade, ricos em nutrientes essenciais e livres de quaisquer contaminações.

Porém, o alto custo de juros, a falta de acesso à informações, os cortes de verba e não aprovações de projetos, tornam o crescimento desta parcela significativa na oferta para o consumo interno mais lento. Sem vazão a essas oportunidades, a agricultura sofre com necessidades de inovação, desenvolvimento de seus processos produtivos e com a competitividade frequente do mercado.

À exemplo, as mudanças climáticas são um dos fatores menos notáveis, ainda que relevantes na contribuição da insegurança alimentar, isto porque têm relação direta com a cadeia produtiva. Quando o clima começa a mudar drasticamente, elevando as temperaturas, aumentando a desertificação e principalmente, alterando o ecossistema local, os impactos negativos são visíveis, posto que muitos agricultores perdem seus animais, horticulturas e terras, em virtude da seca, chuvas torrenciais e outros fenômenos naturais, resultando em uma queda da produtividade e, consequentemente, diminuindo a oferta de alimentos, aumentando os preços que, por conseguinte, não serão acessíveis a toda a população.

Foto: CEPEA

Isso sem mencionar a desvalorização da moeda brasileira no tempo: R $100,00 não compram a mesma quantidade de alimentos que há dois anos atrás. Isso sem mencionar o impacto de conflitos internacionais como entre a Rússia e a Ucrânia nos últimos tempos, que afetaram os custos e preços de produtos agrícolas no Brasil. Isso sem mencionar a influência da recente alta inflação nos EUA para a economia brasileira. Isso sem mencionar a influência do dólar sobre o real.

Percebe como está tudo conectado?

A segurança alimentar no Brasil ainda é uma barreira a ser ultrapassada. Assim como em uma organização todos os departamentos são integrados, em um país todas as partes são interligadas, por isso, ao abordar a segurança alimentar, enxergam-se lacunas em várias direções e de aspectos diferentes: se por um lado, as repercussões das mudanças climáticas e a pesada responsabilidade dos pequenos produtores rurais pesam na balança, do outro lado, as falhas na governança do país, as crises mundiais e nacionais e a influência do dólar, tornam inúmeros os fatores que permeiam a problemática da fome no país. 

O Brasil pode ser representado e reconhecido pelo agro, mas enquanto não houver políticas capazes de gerar empregos e renda para que todos tenham acesso aos alimentos com qualidade e diversidade, a situação continuará a mesma, pois o problema em si não é a quantidade de alimentos; passa também pela distribuição e todo o processo envolvido na produção e comercialização.

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