Opinião: Nossos Direitos Sexuais e Reprodutivos continuam em Disputa!
O aborto legal é uma disputa histórica quando falamos de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Uma questão de saúde pública que vem sendo levada para o campo ideológico. O que vimos na última audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde sobre o tema comprova que nossos corpos ainda estão sob controle de forças políticas e religiosas pautadas no patriarcado.
Por Thaynara Floriano
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O Ministério da Saúde realizou, no final do mês de junho, uma audiência pública que discutiu a questão do aborto legal no Brasil. O assunto, que é questão de saúde pública, é desconsiderado como tal para o Ministério, que além de se contrapor a necessidade do procedimento, divulgou uma cartilha com dados distorcidos em relação à legislação brasileira sobre o tema.
A audiência foi convocada para esclarecer normas técnicas adotadas para os casos de interrupção por violência sexual, legalizado no país mesmo que a vítima não tenha boletim policial.
A decisão da reunião ocorreu após uma menina de 11 anos ser impedida de fazer o procedimento com a justificativa que o aborto só poderia acontecer até a 22ª semana de gestação, indo contra a legislação brasileira que autoriza o aborto em casos de violência sexual, risco de morte para a mãe e anencefalia do feto, sem prazo ou necessidade de autorização judicial.
Ao analisar a audiência pública dentro de um contexto social, é inaceitável que tantos homens brancos, com posição monetária privilegiada e favorecidos por cargos políticos, possam falar abertamente em um debate público sobre a saúde das mulheres, considerando que a criminalização não impede que o procedimento aconteça, mas contribui para a morte e a violência de mulheres que vivem à margem da sociedade.
Raphael Câmara, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, abriu a audiência afirmando que o atual governo foi o que mais fez pela vida de mães e bebês; e sabemos que essa afirmação é mentira, pois a estratégia política do atual governo federal coloca as mulheres em um espaço insignificante, reforçando práticas patriarcais que fizeram com que os índices de feminicídios não parassem de crescer nos últimos anos.
Um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela ainda que em 2021, 17 milhões de mulheres sofreram agressões. Quase 49% dos casos aconteceram no ambiente doméstico. Somente no primeiro ano de governo Bolsonaro os casos aumentaram 27%.
Ao falar sobre a cartilha anterior, o secretário ainda alegou que:
“o manual anterior [afirmava que] o abortamento representa um grave problema de saúde pública. A gente precisa discutir o que é um grave problema de saúde pública. Se você interpretar qualquer doença que provoca mortes como um grave problema de saúde pública, ok. Há milhares e milhares de doenças que entrariam nessa classificação”
Raphael Câmara
É fundamental entender que a leitura equivocada do secretário representa mais do que despreparo: é parte da construção de uma política conservadora que se apropria do corpo de pessoas que podem engravidar, a fim de dominar socialmente quem detém o poder de procriar. E é fácil derrubar argumentos como o dele quando os dados apresentados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), indicam que de três em cada quatro abortos feitos na América Latina acontecem de forma insegura, afetando inclusive mais as pessoas negras e pobres, que não conseguem fazer o procedimento de forma segura, ainda que na ilegalidade.
O aborto legal é uma disputa histórica, quando falamos de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Uma questão de saúde pública que vem sendo levada para o campo ideológico. O controle patriarcal está atrelado a ensinamentos de doutrinas, que muitas vezes usa o medo e o nome de figuras religiosas como controle social, excluindo o papel da ciência em relação a importância do cuidado com corpos marginalizados com a desculpa que essas leis são para um bem social maior.
Até setembro de 2020 a Câmara Federal recebeu 22 projetos de lei sobre aborto. Destes, 16 são formulações de deputados que buscam restringir ainda mais as já mínimas possibilidades de aborto previsto em lei.
Durante a audiência, o representante da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), Osmar Ribeiro Colas, informou que não participou da elaboração das diretrizes da cartilha e pediu a revisão do documento: “queria propor que esse manual seja revisto, revisado, junto com a Febrasgo e outras entidades, antes que ele seja amplamente divulgado”.
O documento do Ministério da Saúde não cumpre a finalidade de orientar os profissionais de saúde: pelo contrário, desestimula e incentiva o olhar de julgamento em relação a pessoas que desejam interromper a gestação por questões de violência e por apenas desejo, já que a liberdade dos corpos não existe e mulheres estão reproduzindo a serviço do estado.
A resistência às políticas de morte do governo federal se faz no cotidiano. É preciso exigir que políticas públicas trabalhem ativamente pela saúde das pessoas que podem gestar, garantindo aborto seguro e legal.
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