Opinião: A Copa do Mundo e os Direitos Humanos: Por que a escolha do Catar?
Desde a escolha do país como sede da Copa, em 2010, a FIFA vem recebendo críticas por apoiar um lugar que trata mulheres de forma inferior aos homens, discrimina a comunidade LGBTQIA+ e explora trabalhadores imigrantes.
Por Thaynara Floriano
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A Copa do Mundo é um grande evento que gera comoção mundial, a ponto de fazer até quem não acompanha futebol regularmente se programar para ver os jogos, com direito a festa e reunião entre amigos e famílias.
O evento que é realizado a cada quatro anos e esse ano se encontra em sua vigésima segunda edição, carrega dessa vez um importante marco em sua história: é a primeira Copa do Mundo realizada no Oriente Médio.
Foi em dezembro de 2010 que o Catar surpreendeu o mundo ao ganhar o direito de sediar a Copa do Mundo de 2022. Desde a escolha, uma série de acusações de suborno começou a tomar nível internacional, estima-se que funcionários da FIFA receberam cerca US$ 3,7 milhões, Joseph Blatter, presidente da federação na época foi um dos primeiros a garantir apoio ao país na corrida pela sede da Copa, Blatter ainda está sendo julgado na Suíça por fraude e corrupção. Quando um país vira sede de um dos maiores eventos esportivos do mundo, sua população é diretamente afetada pela idealização do evento.
O Brasil é um exemplo de como a Copa pode afetar a vida da população de um país, em 2014, após 64 anos da primeira Copa ser sediada aqui, voltamos a receber o evento. O sonho de trazer os jogos para cá, acabou se tornando um pesadelo com o lucro de grandes empresas e obras superfaturadas. Muitas cidades acreditaram na promessa de reformas e melhoria na infraestrutura e o que acabou sofrendo foi caos e destruição.
Em Cuiabá, por exemplo, nove obras prometidas para a Copa de 2014 seguem inacabadas. Entre elas, está a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que já consumiu R$ 1,1 bilhão e está parada desde dezembro de 2014, quando sua conclusão tinha previsão de entrega ainda em 2013. Só 6 km de trilhos foram concluídos, do total de 22 km.
Desde o planejamento da organização até o mês no qual o evento é realizado, acontece uma grande movimentação na infraestrutura e isso acaba influenciando na economia, já que abrirá portas para mão de obra em trabalhos de construção civil, e essa movimentação econômica também acontece com a grande recepção de turistas durante os jogos.
No Catar o período pré Copa do Mundo foi repleto de denúncias trabalhistas e acusações graves de violações aos Direitos Humanos dos imigrantes durante as obras que ergueram estádios, sistema de transporte e hotelaria por todo o país. Portanto, todo esse crescimento econômico se deu por meio da exploração de trabalhadores, a tal ponto que repercutiu de maneira internacional.
As condições degradantes nos canteiros de obras vitimaram cerca de 6,7 mil trabalhadores, por insegurança no trabalho e exposição ao clima de até 50º. Além das mortes por acidente de trabalho, cerca de 500 casos de suícidio, provavelmente ligados à exposição psicológica degradante desses trabalhadores, foram registrados no período.
Os imigrantes que vivem no Catar conseguem emprego por intermédio de uma tutela jurídica chamada “Kafala”, esse sistema de trabalho concede às empresas contratantes a responsabilidade de fiscalizar esses trabalhadores, além de possuírem poder legal sobre essas pessoas – ou seja, os empregadores decidem quando essas pessoas podem trocar de emprego, sair de férias e até sair do país. Em um possível pedido de demissão, o trabalhador perder seu visto, passando a viver de maneira ilegal no país e sujeito às leis de migração do país.
Essas condições de trabalho não dialogam com os direitos fundamentais básicos para a dignidade humana. Jornadas longas e exaustivas, sob altas temperaturas, falta de liberdade para decidir onde ir, onde trabalhar e morar, e salários baixos violam completamente a liberdade, segurança e o direito a condições favoráveis e justas de trabalho.
E as violações do Catar não param só na questão dos direitos dos trabalhadores: mulheres necessitam de autorização dos seus tutores masculinos sejam eles pais, irmãos ou maridos para viajar para fora do país, obter cuidados de saúde reprodutiva como acesso a proteção.
Além disso, a população LGBTQIA+ é perseguida e se relacionar com pessoas do mesmo sexo e utilizar as cores da bandeira pode resultar em encarceramento, um atraso absoluto em relação a direitos de liberdade.
Muitos atletas, ex-atletas e artistas reforçaram um manifesto contra a realização da Copa do Mundo no Catar. A FIFA até lançou, em 2017, uma política de Direitos Humanos para que nas próximas edições a escolha da sede passasse a ter responsabilidade social. Apesar disso, sabemos que a FIFA já utilizou mais de uma vez sua posição regulatória para punir associações quando existem violações de Direitos Humanos. Isso comprova que a escolha do Catar como país sede da Copa do Mundo de 2022 está completamente ligada a questões financeiras e não a uma escolha palpável e justa.
Questões como essas devem sempre vir a debate, já que a Copa do Mundo ultrapassa fronteiras e o esporte não pode fechar os olhos para os Direitos Humanos. O esporte – especialmente o futebol – é como um alicerce na busca por qualidade de vida; não está nos planos que uma movimentação financeira destrua tudo aquilo que os torneios têm nos proporcionado todos esses anos e não é possível que um evento desse porte aconteça em cima de violações graves de alguns dos preceitos mais fundamentais da dignidade humana.
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