O que a Lei da Igualdade Salarial representa para a luta das mulheres brasileiras no mercado de trabalho?

Na última quinta-feira (4), o projeto de lei sobre equidade salarial foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Com 325 votos a favor e 36 contra, o texto aprovado visa a implementação de medidas de transparência na garantia da igualdade remuneratória entre mulheres e homens que exercem a mesma função. Porém, o que isso representa para o enfrentamento da desigualdade de gênero no ambiente de trabalho? Ela é necessária? Quais os próximos passos a serem seguidos? Fique aqui que te explicamos!

Por Fernanda Filiú

O projeto de lei n°1085/23, conhecido como PL da Igualdade Salarial, de autoria da deputada Jack Rocha (PT-ES), é uma lei que visa garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres. Agora, você deve estar pensando: mas, essa lei já não existe? E, acredite, você não está errado em se questionar isso. A igualdade remuneratória realmente já está presente na Consolidação das Leis Trabalhistas do Brasil, a conhecida CLT. Em seu 461° Artigo, a CLT afirma que sendo idêntica a função, tendo um trabalho de mesmo valor, no mesmo estabelecimento empregador, homens e mulheres devem receber o mesmo salário. Entretanto, o projeto de lei aprovado altera a CLT, adicionando a palavra “obrigatória” no artigo que trata sobre a diferença salarial entre os gêneros. 

Sinceramente, sabemos que essa “mudança” não soa tão revolucionária assim, visto que a igualdade salarial já era prevista muito antes desse projeto de lei ser proposto. No entanto, a verdadeira transformação vinda com essa lei é dada por meio do estabelecimento de mecanismos de transparência e de remuneração que devem estritamente serem seguidos pelas empresas. Além disso, a Lei da Igualdade Salarial também determina o aumento da fiscalização e a aplicação de multas, com valores mais altos do que as penalidades atuais. 

Entender as reais motivações desse projeto de lei não é complicado, visto que o Brasil tem em suas raízes a desigualdade, o machismo e o ódio contra a mulher. Simone de Beauvoir, em seu livro “O Segundo Sexo”, explicava que ser mulher é uma construção social; não nascemos mulher, nos tornamos mulher. Ser mulher no Brasil é lutar diariamente pelo direito de ser reconhecida no ambiente de trabalho como uma profissional e, até mesmo, como pessoa. A realidade é que, apesar de realizar os mesmos serviços, as mesmas funções e entregar, muitas das vezes, resultados superiores aos dos homens com quem trabalham, mulheres não são valorizadas, e nem recebem o valor que, por lei, deveriam receber – além de que, em boa parte dos casos, ainda precisa ter energia para lidar com funções domésticas não remuneradas que são impostas por força do patriarcado.

A desigualdade salarial de gênero no Brasil é uma problemática constante. Infelizmente, as diferenças de remuneração entre homens e mulheres nunca chegaram a uma taxa zero, embora tenham oscilado de tempos em tempos. Segundo dados da última Síntese de Indicadores Sociais (2022), referente à Estrutura Econômica e Mercado de Trabalho, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio mensal, em reais, do trabalho principal de mulheres, era equivalente a R$2095. Já para os homens, a média mensal alcançava R$2622, aproximadamente, 25% a mais do que o valor recebido pelas mulheres.

Diferença salarial entre homens e mulheres apresentada na Tabela 1.3 da publicação “Estrutura Econômica e Mercado de Trabalho” da Síntese de Indicadores Sociais, divulgada pelo IBGE em 2022 / Reprodução

De fato, criar políticas públicas e projetos de lei que reforcem a fiscalização e a penalização em relação a desigualdade de gênero, principalmente no mercado laboral, se faz essencial para a garantir a busca pelo direito de equidade entre homens e mulheres. Sim, equidade, e não igualdade; para que possamos, pelo menos, tentar corrigir a desigualdade histórica que mulheres enfrentaram e enfrentam até hoje, principalmente na representação política e no mercado de trabalho.

O PL da Igualdade Salarial representa por si só a luta constante das mulheres na tentativa de melhorar sua condição de ser e existir em uma sociedade misógina e machista. Jack Rocha, autora da proposta, a construiu em conjunto com representantes de várias pastas, em uma articulação capitaneada pelo  Ministério das Mulheres. O resultado é um projeto de lei que apresenta normas ainda mais rigorosas para aqueles que não seguem o princípio da igualdade remuneratória para seus contratados.

Agora, caso haja infração às regras, ou seja, diferença no pagamento entre homens e mulheres pelo mesmo serviço, ou trabalho de igual valor, por parte dos contratantes, a multa corresponderá a 10 vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, e elevada ao dobro no caso de reincidência, isto é, ao se repetir a infração. Além disso, o projeto de lei também institui a elaboração de relatórios de transparência salarial e remuneratória, que empresas com 100 ou mais empregados deverão publicar mensalmente. Em caso de descumprimento desta regra, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% da folha de salários do empregador, limitada a cem salários mínimos.

Apesar da vitória na Câmara, o projeto de lei da Igualdade Salarial ainda tem um longo caminho até se tornar realidade, no Senado. Durante a votação na Câmara, o projeto recebeu 325 votos favoráveis, mas houveram 36 votos contrários; e desses, 24 votos foram de deputados do Partido Liberal (PL). Vale lembrar que, atualmente, o Partido Liberal (PL) é o partido com mais parlamentares eleitos na Câmara, ao todo 99 deputados, e a segunda maior bancada no Senado, com 8 senadores. Porém, em relação a votação do Projeto de Lei da Igualdade Salarial, o mais chocante não é o posicionamento de alguns membros do Partido Liberal durante o pleito, o que já se era esperado, mas sim o fato que dos 36 votos contra, 10 foram de mulheres – e a principal alegação para esses votos é de que se trata de uma medida populista.

O combate à desigualdade salarial entre gêneros vai além da questão econômica; influencia também o social, o campo político e impacta fortemente a qualidade de vida das mulheres brasileiras. A aprovação do PL da Igualdade Salarial é urgente, assim como, a partir da possível sanção, o aumento imediato da fiscalização e da verdadeira aplicação das normas previstas. Projetar leis para mantê-las no papel não traz resultados, e muito menos, transformação.

Confira os deputados e deputadas que votaram “não” ao PL da Igualdade Salarial:

Partido Liberal (PL)

Alberto Fraga (PL-DF); André Fernandes (PL-CE); Bia Kicis (PL-DF); Bibo Nunes (PL-RS); Cabo Gilberto Silva (PL-PB); Capitão Alden (PL-BA); Carla Zambelli (PL-SP); Carlos Jordy (PL-RJ); Caroline de Toni (PL-SC); Chris Tonietto (PL-RJ); Dr. Jaziel (PL-CE); Eduardo Bolsonaro (PL-SP); Filipe Martins (PL-TO); General Girão (PL-RN); Julia Zanatta (PL-SC); Junio Amaral (PL-MG); Luiz Lima (PL-RJ); Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP); Marcio Alvino (PL-SP); Mauricio do Vôlei (PL-MG); Ricardo Salles (PL-SP); Rodolfo Nogueira (PL-MS); Sargento Gonçalves (PL-RN) e Silvia Waiãpi (PL-AP).

União Brasil

Dani Cunha (União Brasil-RJ); Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Rosângela Moro (União Brasil-SP).

Novo

Adriana Ventura (Novo-SP); Gilson Marques (Novo-SC) e Marcel van Hattem (Novo-RS).

Podemos

Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e Mauricio Marcon (Podemos-RS)

Partido dos Trabalhadores (PT)

Rui Falcão (PT-SP)

Cidadania 

Any Ortiz (Cidadania-RS)

Partido Social Democrático (PSD)

Sargento Fahur (PSD-PR)

Progressistas (PP)

Evair Vieira de Melo (PP-ES)

Abstenções*  

Capitão Augusto (PL-SP), Marcos Pollon (PL-MS) e Arthur Oliveira Maia (União-BA)

*Ato pelo qual o parlamentar exerce o direito de não optar por uma das alternativas disponíveis em votação]

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