O mito da “fragilidade” feminina
O que é ser menina? O que é ser mulher? Já parto deste questionamento tão indagado, pois não há outro para partir, nem pretendo seguir rodeios para chegar até o ponto posto à reflexão.
Por Ana Carolina Martins
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Falo na primeira pessoa, como alguém inserida neste texto ativamente, porque quero estar aqui com você, leitor, discorrendo através da maior “nudez”, como eu, uma menina, e várias outras se sentem diariamente – algumas ainda sem nem, aos menos, ter consciência de onde vem essa inquietação conflitante.
Ao longo da criação cultural da história e do molde em que ela se insere através dessa cultura, foi-se criando o conceito de “gênero”; e com esse conceito vieram as delegações impostas a cada um dos polos da binaridade: homem e mulher.
A segunda onda do feminismo veio com a revolucionária intenção de questionar, claramente, a disparidade de poder entre homens e mulheres. Olhando os seus corpos domesticados e soterrados em uma vida mecanizada, as mulheres das décadas entre 60 e 80 levantaram a bandeira do enfático lema “O Pessoal é Político”.
Ao trazer essa reflexão, essas mulheres geraram um rebuliço social por terem chegado no eixo de uma das ferramentas usadas para a domesticação feminina: separar o pessoal do político.
Portanto, não há vida sem reflexos; não há civilização e nem uma ordem social sem a interação constante da individualidade com o meio social. São dois cernes que se encontram e se guiam. Difundir essa ideia separatista do “pessoal vs político” é uma armadilha espreitada, na qual os alvos são a revolução e aqueles que se encontram no “cárcere” social.
Essa ideia de domesticidade feminina cria a mulher para ser uma ferramenta pacífica.

Nos colocam em um espaço frágil e delicado. E através das ferramentas culturais – brincadeiras, histórias, expressões, tarefas, etc. – nos convencem de que este espaço é tudo o que nós temos e podemos ser. Criam conceitos em uma imagem maternal servidos à mulher de maneira que possamos servir, em seguida, nossos detratores; e não apenas, como também sentir que dependemos do outrem. Afinal, “somos donzelas delicadas e indefesas, sob o perigo do qual precisamos ser salvas pelo nosso corajoso cavalheiro”, não é mesmo?
Fazem com que nos esqueçamos de que possuímos uma história, e de que somos responsáveis por essa história e pela história social. Somos ativas, gregárias, selvagens.
O que também é interessante, e necessário ser refletido, é que tudo aquilo que foi associado ao feminino, foi demonizado e colocado como fraco. Dentre essas associações, está presente a sensibilidade, o sentir. E já que o sentir “é” algo feminino e o feminino é algo “fraco”, torna-se, aos olhos da visão tradicional, inaceitável que o homem permita-se o sabor da sensibilidade.
Pois bem, a cultura da binaridade é como uma corda enlaçada em cada um de nós e nos sufoca, nos limita ao ínfimo. É preciso provocar essa ferida social, criar consciência sobre ela e reavaliar a dialética pedagógica sobre o gênero.
Para finalizar, gostaria de citar um convidativo trecho do livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, da psicanalista Clarissa Pinkola Estés:
[…] Portanto, vamos nos apressar agora e trazer nossas lembranças de volta ao espírito da Mulher Selvagem. Vamos cantar sua carne de volta aos nossos ossos. Despir quaisquer mantos falsos que tenhamos recebido. Assumir o manto verdadeiro do poder do conhecimento e do instinto. Invadir os terrenos psíquicos que nos pertenceram um dia. Desfraldar as faixas, preparar a cura. Voltemos agora, mulheres selvagens, a uivar, rir e cantar para Aquela que nos ama tanto.
