O dia que me descobri falante

Desde muito nova, foi através da escrita que encontrei coragem para seguir.

Por Mallena Gomes

Aos 9 anos eu praticamente era a única menina negra no colégio todo, e esse fardo foi um dos mais pesados que já carreguei. Em casa a gente enfrentava a depressão pós parto da minha mãe, que já durava mais de um ano. E quando eu chegava da escola, me dividia entre fazer as lições e tentar acalmar o choro do meu irmão, que sentia a angústia dela e por isso era um bebê que chorava muito. Meu pai, como o único provedor da casa, só trabalhava e quase não nos víamos durante a semana por ele sair cedo e voltar tarde, lembrar disso é sempre dolorido.

Havia muito mais coisas acontecendo e eu não tinha estrutura pra lidar com aquilo tudo. Foi escrevendo histórias malucas ou relatos de como foi o meu dia – e às vezes de como eu gostaria que ele tivesse sido – que encontrei um jeito de aliviar a pressão.

Só que eu escrevia demais e falava de menos, isso em qualquer espaço.

Cresci afirmando que eu era melhor escrevendo, e por isso na escola ou na faculdade pegava a parte da pesquisa e da escrita em qualquer atividade, o que às vezes tornava a divisão do grupo injusta, só pra não ter que falar/apresentar o trabalho. No começo do meu relacionamento, as DRs eram feitas por mensagem, porque eu não tinha coragem de me expressar falando. Eu já deixei muita coisa passar só por medo de falar, mas se eu pudesse ter escrito de alguma forma, a vida teria sido mais leve.

Hoje, com muita terapia e autoconhecimento, eu compreendo que não sou uma pessoa tímida. Eu fui intimidada por muitos anos e não importava o quanto eu falasse, o barulho em volta era tão alto que ninguém tinha tempo ou disposição pra me ouvir enquanto criança e adolescente. Então, depois disso tudo, eu assumi que sou melhor escrevendo do que falando.

Há algumas semanas, o meu melhor amigo me convidou pra gente criar um podcast e adivinha qual o primeiro pensamento que passou pela cabeça? Exato, que eu não sou boa falando. Eu falei “sim” pra ele num ato de consideração, mas depois esse pensamento tomou conta de mim e eu precisei recusar o convite, não só por isso, mas esse é o principal motivo. Até que poucos dias depois eu tive que discorrer sobre um artigo que escrevi para a aula de Sociologia individualmente, e antes de avaliar a pesquisa o professor me disse:

“Nossa! Como você fala bem, sua dicção é ótima e você é bem assertiva com as palavras, fácil de entender até pra quem não leu o seu trabalho. Parabéns” – sim eu lembro de cada palavrinha porque essa frase foi muito importante.

Como estudo em formato híbrido, eu não tinha falado muito com ele, só trocado mensagens. Ele não fazia ideia de como eu me sairia, e nem eu. Foi depois disso que me lembrei que durante 6 anos da minha vida eu fui Educadora Social e dei aulas – por mais que eu considere mais confortável falar para crianças e adolescentes, eu falava e todo mundo entendia bem, existia uma troca fluida.

Eu nunca parei pra pensar que eu simplesmente falo, no meu atual trabalho eu falo com os meus colegas, eu falo com o meu chefe sobre possibilidades, eu falo com o cliente sobre as minhas ideias criativas, falo demais com a minha família. Eu falo.

E com um olhar mais atento a essa ação tão comum, eu venho percebendo que de fato eu falo e falo bem. Mesmo fazendo essa descoberta, eu sei que leva tempo até eu assumir isso de vez na minha vida e tocar os projetos que tenho vontade. Mas já é o começo do caminho, não é?

Não acredito que viver em busca de aprovação dos outros seja o ideal, mas aprovações como essa que eu tive podem transformar o dia ou a história de alguém e aí pode ser para o bem e para o mal. 

O que levo de reflexão é a importância de escutar o meu filho; e te dou essa dica para que você escute as crianças e os adolescentes com os quais convive e para além disso, faça afirmações à quem você ama, a quem você deseja o bem; sempre que puder, elogie o trabalho ou o esforço de alguém.

Com um total de zero reais você pode causar uma revolução!


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