O cabelo negro enquanto afirmador de identidade
Um texto sobre o quanto e como uma mulher negra tem sido vista no período pós aceitação capilar.
Por Mariana Gomes
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Nos últimos dias – ou meses – tenho passado por uma espécie de crise com o meu cabelo: crespo, tipo 4, enorme, mas frequentemente encolhido. Essa crise, posso dizer, passa muito, para além da questão estética, pela questão da aceitação. E aqui não falo sobre autoaceitação, mas sobre a aceitação do outro. Sobre como quero ser vista e sobre como sou, de fato, vista.
Quando criança – embora com frequência isso me escape à memória – meu cabelo era mantido da forma natural. Os penteados variavam entre miojinho, trancinhas soltas com miçangas coloridas nas pontas e, mais habitualmente do que a Mariana da infância gostava, trança nagô. Apesar de odiar o penteado por, principalmente, fazer com que eu me sentisse diferente das outras crianças na escola, comigo ali, sentada no chão entre suas pernas, de cabelos repuxados e apertados, minha mãe – propositadamente ou não – tendia a não se render aos alisamentos infantis, que prometiam amaciar e domar os cabelos crespos ou soltar os cachos. Eventualmente, porém, esta se tornou um batalha perdida.
Apesar de eu sempre ter odiado o processo de alisamento, fosse feito em casa ou em salão, acreditava na narrativa da facilidade do cuidado com o cabelo liso versus a dificuldade de cuidar do cabelo crespo. Acreditava que o cabelo liso era mais bonito ou parecia mais arrumado e elegante. Além, claro, da falta de referências de mulheres como eu, fosse na televisão ou nas ruas. Então, por muitos anos me mantive “forte” frente às queimaduras, ardências e machucados no couro cabeludo.
Na adolescência, com um pouco mais de autonomia, resolvi que não queria mais me submeter àquilo. Fui a um salão especializado em “beleza natural”, cortei toda a parte alisada, usei os produtos deles pra soltar os cachos e… chorei. Chorei porque não me reconheci no espelho, chorei porque sabia que viraria alvo de chacota – de pessoas próximas, inclusive –, chorei porque senti que tinha – apesar de ser pouquíssimo vaidosa – perdido a pouca feminilidade que me restava. E, poucos meses depois, voltei para o alisamento.
Toda essa história me faz pensar no quanto a transformação do meu cabelo caminhou lado a lado com o início e a formação do meu letramento racial e com o reconhecimento da minha própria identidade enquanto mulher negra. E, de 2018 pra cá, tenho pensado muito sobre o que tem sido e o que é, de fato, a aceitação capilar de que se vem falando.
Tenho visto conteúdos, TikToks, vídeos de YouTube, posts de Instagram de mulheres negras que passaram pela transição e voltaram a alisar o cabelo anos depois e me pergunto: até que ponto o cabelo crespo, especialmente o tipo 4, é verdadeiramente aceito? E, consequentemente, até que ponto a mulher negra é, de fato, aceita, visto que, muitas vezes, o cabelo negro está intrinsecamente atrelado a própria identidade enquanto mulher negra?
Infelizmente, este não é um texto de grandes questionamentos e sequer traz resposta para o que foi levantado. É, no entanto, um chamado à reflexão. Até onde você, mulher negra, é genuinamente aceita nos lugares e espaços que ocupa – ou tenta ocupar?
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