O Brasil institucional e o Brasil da sociedade civil

Por Frances Andrade, do Engajamundo

O Brasil e sua dualidade: temos um arcabouço legal favorável, em grande parte, que contribui para a redução do desmatamento. Porém, o cenário muda de acordo com a entrada de novos governos. Desde 2018, o governo vigente andou afrouxando, flexibilizando e acabando com nossa legislação para beneficiar o agronegócio, as mineradoras e a grilagem.

Como grande exemplo disso, temos a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), que criou mecanismos como o Licenciamento Ambiental, principal instrumento de gestão responsável pela proteção ambiental, ferramenta que permite barrar estabelecimentos e construções considerados potencialmente poluidores ou degradadores. Atualmente, existe uma enorme pressão para acabar e/ou flexibilizar o licenciamento ambiental.

Como se não fosse ruim o suficiente, o próprio governo movimenta forças para legitimar medidas que contribuem para o garimpo e genocídio das comunidades tradicionais e originárias, apoiando e endossando projetos de leis que colocam em risco a manutenção das florestas, da biodiversidade e do clima, assim como nossa própria existência. Como os projetos de leis que destinam terras públicas para latifundiários grileiros; e de tantos outros projetos que legitimam a ilegalidade.

Vivemos num sistema que mata rios, florestas e povos, mas é legitimado como modelo de desenvolvimento. O agronegócio e a mineração nos movem para a insegurança alimentar a medida que a coisa que alimenta são os bolsos dos grandes latifundiários e mineradores. Enquanto isso, aqueles que colocam alimento em nossas mesas, os pequenos e médios produtores rurais são ameaçados e tem sua produção envenenada pelas centenas de agrotóxicos aprovados nesse atual governo. Não é a toa que o Brasil voltou ao mapa da fome com 30 milhões de brasileiros passando fome.

Só na Amazônia, em 2021 o desmatamento no Brasil cresceu 29%, sendo o maior em 10 anos. E se continuar dessa forma, em 2022, teremos a maior área de floresta derrubada nos últimos 16 anos. Desse desmatamento, quase metade foi em áreas públicas federais e estaduais. Lembrando que esse avanço do desmatamento, tem contribuição com o desmonte dos órgãos fiscalizadores, este avanço ocorre em territórios com presença das comunidades originárias e unidades de conservação, ameaçando a vida dos povos e das florestas.

Mas como mudamos isso, já que o perigo é tão iminente e mesmo com as políticas existentes o desmatamento continua?

Como sempre foi o caso, a sociedade civil organizada é o catalizador das transformações. Essa dualidade acaba se apresentando muito na história do Brasil, com as estruturas de poder ainda fundadas no antigo coronelismo que conhecemos bem e que levam a praticas como as citadas acima ainda fortes, a medida que do outro lado a sociedade civil segue se organizando e mobilizando para criar avanços em diversas agendas socioambientais e fazendo oposição a essa falta de representação das vozes da maioria.

É nesse sentido que acreditamos que a primeira grande mudança vem com o voto. Precisamos de pessoas e um governo preocupados com as questões sociais, ambientais e climáticas. E com isso, reverberar quem são as pessoas que acreditam naquilo que lutamos e defendemos. Ainda é necessário passar pelas barreiras da bancada ruralista e dos grandes lobbystas do agronegócio, que ainda cercam o congresso. São esses os vilões e a força contrária da nossa luta.

Foi com grande entusiasmo depois de tantos sacolejos para o “vira-voto” socioambiental que tomou força maior ainda no último ano, que conseguimos eleger e reeleger algumas candidaturas importantes para o novo recomeço do Brasil, e como prato principal para essa mudança, a reeleição do Luís Inácio Lula da Silva. Com isso, o esperado é um governo democrático e de dialogo com a sociedade civil. Além do mais, como prometido e no governo de transição o caminho que estão sendo trilhado é para a criação de um ministério dos povos originários. São esses pequenos espaços de inserção das demandas populares num espaço político que é altamente institucionalizado e distante que fazem a chama de lutar se manter viva em nós.

Segundo ponto é que a esperança é viva e latente com o movimento político que está acontecendo na América Latina de oposição a práticas colonialistas que mantém os interesses do povo e do planeta em segundo plano, trazendo em contraponto uma visão de unidade com a terra e seus ciclos. No caso do território brasileiro, os grupos indígenas estão seguindo com sua resistência secular para Aldear a Política e, cada vez mais, construir um espaço de representatividade e de pessoas e governos comprometidos, entre outras coisas, com a proteção das florestas, e este movimento também está sendo reverberado para outros campos, como a questão de gênero, raça e a questão intergeracional.

É aí que não podemos deixar de nos perguntar: E se esses atores supracitados fossem ouvidos, o que seria diferente? Não cansamos de repetir que os povos tradicionais que trazem essa visão secular e integrada com a natureza têm a solução, mas não têm o protagonismo dentro de um sistema predominantemente de homens ricos e brancos que decidem o presente e o futuro. Essa mudança precisa vir o mais rápido possível, para abrir portas para o conhecimento, equidade e o protagonismo nesses espaços.

Toda transformação social leva tempo e volta e meia encontra pedras no caminho, como um fechamento ainda maior dos espaços onde os direitos começam a ser ganhos; a verdade é que assusta os poderosos ver cidadãos com educação política e socioambiental exercendo seu pensamento crítico e colocando em xeque um sistema que precisa urgentemente mudar. Mas da mesma forma que eles querem que a gente sinta medo de lutar, não vamos deixar de seguir avançando com a esperança de um novo dia na política brasileira, em que a luta dentro dos espaços institucionais possa refletir as lutas que estão acontecendo nos territórios e que são vividas todos os dias pelo povo brasileiro.

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