O blackface e a construção de estereótipos racistas no audiovisual
A nocividade da prática de pintar atores brancos para representar pessoas pretas
Por Júlia Cavalcante
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O Blackface surgiu nos Estados Unidos por volta dos anos 1830 e foi uma prática inicialmente utilizada nos teatros em “shows de variedades”, onde pessoas brancas pintavam o rosto ou o corpo todo com carvão para retratar pessoas pretas de uma forma totalmente caricata. Essas personagens não tinham características positivas: falavam errado, eram mal caráter, preguiçosas, atrapalhadas, sexualizadas, violentas e animalescas.
Essa prática “passou em branco” por cerca de 100 anos, tendo se expandido de forma naturalizada nos cinemas e televisão, atuando na construção de estereótipos que perduram até hoje no imaginário social. Um exemplo emblemático do uso de blackface no cinema e o impacto na realidade é o do filme “O nascimento de uma nação” (1915), do qual imagens foram utilizadas pela Ku Klux Klan (movimento supremacista branco) para se rearticular. A prática também apareceu em horários nobres da televisão estadunidense por meio de desenhos animados de teor racista, como Preta de carvão e os sete anões (1943).
O blackface passou a ser questionado quando o movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos começou a se desenvolver e reinvindicou o fim dessa prática por perceber que ela nega o acesso e a presença de artistas pretos/as, além de construir estereótipos danosos.

NO BRASIL
Em 1969, uma novela da Globo chamada “A cabana do Pai Tomás” retratou a história de um escravo tendo que lidar com a violência de coronéis e escolheram um ator branco (Sérgio Cardoso) para representá-lo. O ator pintava o rosto e o corpo de preto, usava perucas e até mesmo inseria uma rolha no nariz para retratar uma pessoa preta. Por que o ator Milton Gonçalves, artista preto, não foi chamado para fazer o papel – já que estava na novela também? De acordo com a Globo, a agência que patrocinava a novela simplesmente vetou.
Em 2012, tivemos a personagem Adelaide, interpretada por Rodrigo Sant’anna no programa Zorra Total, carregada de estereótipos racistas e misóginos. Através de blackface, a personagem se popularizou fazendo piadas com características do povo preto, como o seu cabelo afro.
Reprodução internet
E nem só de blackface foram construídos os estereótipos racistas no audiovisual brasileiro. A representação de pessoas pretas somente como escravas, criminosas, barraqueiras, diaristas e moradoras de favelas também contribui fortemente. Não que esses papéis não pudessem existir, posto que sujeitos assim existem na realidade – o problema é serem os únicos para os quais pessoas pretas são chamadas.
Além disso, se pessoas negras ocupam esses espaços na vida real é consequência do racismo estrutural que segrega e mantém pessoas negras, indígenas e demais povos não brancos em condições desiguais.

Por fim, quando o assunto é blackface no Brasil, é impossível não comentar sobre o racismo no carnaval quando pessoas brancas se fantasiam de “Nega Maluca” ou de “Índio” usando o argumento de que estão fazendo uma homenagem, uma brincadeira que não tem nada demais, enquanto desrespeitam culturas e populações inteiras.
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Julia Cavalcante é virajovem de São Paulo. Participa do projeto Geração que Move e participou da construção da edição nº 117 da Revista Viração – Manifesto Antirracista.
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