O amor e o caos
Por que buscamos garantias para amar? Em um encontro como um café da tarde, uma reunião com colegas, existe algo de previsível? Então, porque aceitamos ter certas inseguranças na vida e outras não?
Por Reynaldo de Azevedo Gosmão
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“É estranho eu amar essa pessoa?”, “Por que você me ama?”, “Que diferente aquele casal!”, “O que levou Joana a amar João?”, “Por que Maria ama Tânia?, “Por que você ama?”, “Sei lá eu, mas eu amo!”
Perguntas constantes, diárias, são feitas sobre o amor, não só nos consultórios, mas entre amigos, familiares e casais. A busca pelo sentido sobre as coisas fazem parte de quase todas as nossas experiências, mas aqui há um paradoxo: é o amor que dá sentido às coisas, não o contrário.
Quem busca o “sinal verde” para amar, está condenado a ficar em um sinal quebrado! Mas para que amar? Em Freud e Lacan o amor é estruturado no narcisismo. Em uma primeira leitura, tudo que é “Eu” significa prazer, e tudo que é outro significa desprazer.
A nível social, essa máxima pode reverberar nas famosas “bolhas”, onde traços idealistas ou de previsibilidades dão o tom pra manter certa segurança que protege o “Eu” das diferenças e da adversidade. Mas como amar na bolha?
Aí está à problemática do amor. O amor com seguranças é amor narcísico, que visa à completude, o “Eu” faz de tudo pra se preservar desse Outro, porque o Outro é capaz de revelar as fragilidades, inclusive os equívocos de sentido criados no nosso imaginário sobre o que é o AMOR.
Porém, só pode amar quem está disposto a confrontar a estranheza do encontro, mas isso não é muito diferente da novidade de um café, uma reunião, uma conversa; em tudo há um risco, imprevisibilidade, novidade, mas em uma sociedade conservadora o preço se paga através do recalque do amor e do sexo, ou seja, o preço que pagamos como uma cultura na qual amar e transar está sempre no farol amarelo de atenção ou vermelho, proibindo nossa passagem.
É preciso “DES-idealizar” para amar, ao passo que o amor assume estatuto de “dom ativo”, que em termos lacanianos significa a possibilidade de se dirigir ao outro sem tantas defesas do Eu, “uma relação de amor possível que, desta vez, reconhece o Outro” (SOLER, 2012, p. 183).
E porque falar de amor agora? No Brasil e no mundo?
Não podemos nos ater apenas a Covid-19. Vocês já repararam que frente ao risco há uma possibilidade de resgatar o amor?
Quem nunca viu a cena clássica de um filme comédia romântica, quando uma das pessoas recebe uma proposta de emprego, vai se casar com outro, precisa se mudar e, na iminência do risco, no aeroporto, uma declaração de amor inesperada acontece.
O risco abala para “o bem e para o mal” a rede de sentidos que sustentamos: o risco é da ordem do real, da morte, da perda… o risco “des-idealiza” e nos permite de forma original e genuína sustentar nossas diferenças e condições frente ao outro para amar. Então na desordem que nos encontramos não nos acovardamos para amar; talvez aí exista uma receita para superar o caos!
“Um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei por quê” (Camões)
“quem ama nunca sabe o que ama; nem sabe por que ama, nem o que é amar” (Fernando Pessoa)
“Compreender é esquecer de amar” (Fernando Pessoa)
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