Não haverá justiça climática sem a juventude

Em poucos anos, a juventude de hoje será a maioria dos pais, vizinhos, professores, agricultores, políticos, acadêmicos, cientistas, especialistas, investidores, CEOs. As últimas gerações falharam em promover o desenvolvimento global sem deixar ninguém para trás – nem as pessoas, nem o planeta. Trazendo consigo a importância do debate intergeracional, democrático e científico, os jovens vêm ocupando espaços de promoção do clima e da justiça social em todas as suas dimensões.

Por Pedro Tufic Silveira Bouchabki

Tradução: Fernanda Favaro

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Por muito tempo, os jovens nunca participaram dos processos de tomada de decisão sobre os rumos das próximas gerações. Na verdade, esses espaços e processos sempre foram caracterizados pela hegemonia dos homens velhos e brancos. No que diz respeito à geopolítica global, a concorrência desleal e a imposição do Norte Global sempre estiveram presentes.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972) foi a primeira vez em que as Nações Unidas reuniram chefes de Estado e outros representantes da sociedade para discutir alternativas para conciliar o desenvolvimento global e o uso dos recursos naturais. Esse encontro abriu caminho para a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 20 anos depois, no Rio de Janeiro, em 1992. Nele, foi deliberada a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que passaria a organizar as Conferências das Partes. Três anos depois, a primeira COP aconteceu em Berlim, na Alemanha, para fomentar discussões e soluções de desenvolvimento na perspectiva do aquecimento global e das mudanças climáticas.

É importante destacar o amadurecimento do debate sobre este tema: da compreensão do “Ambiente Humano” às “Mudanças Climáticas”. Pode parecer supérfluo, mas diz muito sobre como a humanidade vem entendendo os impactos antrópicos e a relação do ser humano com o planeta.

Em 2005, ocorreu a primeira Conferência Juvenil (COY), co-organizada pela UNFCCC e YOUNGO (Grupo Constituinte Juvenil da UNFCCC). Desde então, ano após ano, os jovens se reúnem na COY (que, tradicionalmente, acontece dias antes e termina no início da COP), discutem, deliberam e levam suas considerações para a COP. Este processo começa com Conferências Locais (LCOYs), seguidas por Conferências Regionais (RCOYs) e sempre culminando na COY, que visa compilar tudo o que foi discutido e levantado pelos jovens em níveis nacional e continental, e constituir uma Declaração Global da Juventude, um documento contendo a linha de base para negociações climáticas.

Em 2021, os jovens vivenciam algo completamente novo. No ano passado, pela primeira vez na história, António Guterres, Secretário Geral da ONU, implantou o Grupo Consultivo de Jovens sobre Mudanças Climáticas (YAG), composto por sete jovens de todas as regiões, com mandato de dois anos. O objetivo desse grupo é organizar as demandas da juventude e orientar Guterres sobre os caminhos e medidas a serem tomadas.

Em 2021, também pela primeira vez, a COP teve um dia reservado para o tema Juventude na agenda da presidência. Em nível global, fala-se também da possibilidade de criação da “Juventude da ONU”, uma conquista importante da juventude por finalmente ter uma estrutura organizacional da ONU para pensá-la de forma transversal, rumo ao desenvolvimento sustentável e à justiça climática.

Em relação ao Brasil, o país que sempre foi referência na agenda ambiental e reconhecido como destravador de grandes negociações emperradas também vive uma situação ímpar. Paloma Costa, 29 anos, advogada de Brasília, é uma das sete pessoas do YAG, e vem operando uma consulta quantitativa e qualitativa na América Latina e no Caribe. No início da COP26, a única brasileira a falar foi Txai Suruí, 24 anos, ativista e indígena do povo Suruí, que foi o primeiro a falar na cerimônia de abertura. Também em 2021 aconteceu o primeiro LCOY Brasil da história, com a secretaria executiva adjunta do Fridays for Future Brasil e da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável – Juventude/Amazônia.

Há também um movimento expressivo da sociedade civil organizada, liderada por jovens, para pensar em ativismo, advocacy, formulação de políticas públicas, diálogo com a academia e a ciência, formação e educação climática, para acelerar a representação e o empoderamento juvenil. Nesse sentido, além do Engajamundo (uma organização com 11 anos de atuação e um vasto histórico de contribuições), é importante mencionar os movimentos Fridays for Future, The Climate Reality Project, Youth Climate Leaders, NOSSAS/Muvuca, Instituto Ayika, Favela ODS, Perifa Sustentável, e muitos outros com forte atuação e capacidade de mobilização. Na administração pública, vale destacar também o surgimento de conselhos e fóruns de juventude, que até agora, como o YAG, têm caráter apenas consultivo.

Assim como no Brasil, esse movimento pode ser visto em inúmeros outros países do Sul Global; a maioria deles caracterizada pelo surgimento do movimento Fridays For Future e seus núcleos, com capilaridade e incrível poder de mobilização. No oitavo dia da conferência, durante a plenária presidencial, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama reservou mais de um terço de seu discurso para transmitir uma mensagem aos jovens e enfatizar a importância do ativismo e da ação juvenil.

O que isso sinaliza? Que os jovens estão começando a ocupar espaços. Isso traz representatividade e inclusão nos processos de levantamento de demandas que subsidiarão tomadas de decisão. No entanto, isso não é suficiente: é necessário que os jovens comecem a ocupar esses lugares e processos de tomada de decisão para que, de fato, as intervenções incorporem as demandas levantadas.

A juventude ainda traz consigo o que talvez seja sua maior força: o entendimento de que a justiça climática é indissociável da justiça social. Isto inclui justiça racial, reparação do racismo ambiental, justiça de gênero e grupos LGBTQIA+, justiça para povos tradicionais, quilombolas, ribeirinhos e periféricos, justiça para todos os grupos marginalizados, e uma concepção de desenvolvimento que “não deixe ninguém para trás”.

As últimas gerações falharam – e ainda falham – na tentativa de mudar o conceito de desenvolvimento e de promover um novo paradigma. Agora, mais do que nunca, a presença dos jovens é providencial, e traz consigo a consciência do debate intergeracional e democrático para que possamos cocriar soluções coerentes com os desafios que estamos enfrentando – na velocidade que a humanidade precisa.

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