Movimento de ocupações no país empodera estudantes

17 de outubro: 510 escolas ocupadas em todo o Brasil contra as medidas do governo Temer que vandalizam a educação.

20 de outubro: Mais de 1000 escolas ocupadas! O dobro! Apenas três dias depois!

25 de outubro: O Intervozes denuncia o descaso e a criminalização da grande mídia com a manifestação dos estudantes na Carta Capital e o ElPaís Brasil, conta que até então as escolas ocupadas aqui no Espírito Santo eram apenas cinco.

1 de novembro: Uma semana depois, os números divulgados pelo G1 foram de 62 escolas ocupadas!

Esse movimento crescente de ocupação de escolas merece o “título” de Primavera Secundarista (termo usado pelos próprios estudantes)!

As ocupações de escolas pelo Brasil ganharam força em meados de 2015, em São Paulo, quando o governador do estado, Geraldo Alckmin, resolveu fazer uma reestruturação das escolas estaduais, separando ensino médio, fundamental I e fundamental II. Essa mudança forçaria diversos estudantes a mudar seu local de estudo, desconsiderando seus vínculos com a escola, a proximidade de suas casas, a presença dos colegas, entre outras coisas. Além disso, a reestruturação poderia diminuir as vagas para escolas em certas regiões, precarizando o estudo. Assim, estudantes ocuparam suas escolas contra a reestruturação e por uma educação mais humana, com mais recursos nas escolas, fim da hierarquia no ensino, entre outras coisas.

As ocupações se espalharam pelo Brasil e esse ano tomaram um rumo federal, contra as medidas de Temer a respeito da Educação. O Governo Federal lançou em Medida Provisória uma Reforma no Ensino Médio que desagradou educadores e estudantes, por não consultar suas opiniões, além de excluir disciplinas fundamentais e limitar a grade curricular a uma escolha por área de interesse. Outra medida que não foi vista com bons olhos pelos estudantes, foi a PEC 55 (antiga PEC 241, no Congresso). A proposta visa congelar os gastos públicos à correção de inflação por 20 anos, incluindo a Educação. Isso prejudicaria as metas do Plano Nacional de Educação, além de diminuir, na prática, a verba destinada ao setor, precarizando o ensino.

Porém para além das pautas políticas, os secundaristas construíram escolas autônomas em suas ocupações. Realizam atividades culturais, aulas abertas, debates, além de cuidar da limpeza, segurança e organização dos espaços.

Mas em terras capixabas, os secundaristas não foram os únicos a ocupar seus espaços de aprendizado para que se tornassem o que eles sonhavam em ter. Ao tentarem participar de uma das ocupações das escolas estaduais com o intuito de fortalecer o movimento, um grupo de universitários foi barrado diante do seguinte argumento dos estudantes: “vocês não ocupam nem a universidade de vocês, querem ocupar nossa escola”?

Essa resposta que deixa bem clara a força, a consciência politica, o senso de responsabilidade e a autonomia dos nossos secundaristas tornou-se para os universitários capixabas um lindo desafio! Que foi aceito e cumprido! E os números de ocupações tanto em escolas quanto de prédios da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) cresceu depois desse dia.

Em todo o país, mais de 100 universidades foram ocupadas na mesma luta dos secundaristas pela educação.

Para entender melhor essa primavera que floreia o país, leia a experiência de duas instituições ocupadas no Espírito Santo:

 

PoliValente

A Escola Major Alfredo Pedro Rabaioli ficou conhecida como PoliValente, “porque os alunos de lá são todos VALENTES”, segundo Nardjara Júlia Gomes, de 18 anos, estudante do 2º ano do Ensino Médio, que liderou a ocupação em uma das unidades.

Os alunos da escola aderiram ao movimento das ocupações à partir do dia 3 de outubro. Os estudantes ocuparam o espaço às 05h30 da madrugada com 10 pessoas. O número cresceu para 51 pessoas nos primeiros dias de ocupação, no entanto apenas 20 permaneceram até o final.

alguns estudantes da PoliValente
alguns estudantes da PoliValente

Muitos desanimaram ou desistiram por conta dos ataques que vivemos e perseguições, no literal mesmo, porque seguem a gente. Passamos ainda por problemas como pessoas de dentro da ocupação nos entregando e envolvendo terceiros, e pressão psicológica por parte do diretor e de outros, como a nossa coordenadora, que no primeiro dia de ocupação nos agrediu verbalmente e até hoje intenta contra nós. Alguns professores apoiam, outros não.
Além disso encontramos as dificuldades que eu creio que toda ocupação enfrenta: a questão da alimentação, organização(nossa escola é a mais elogiada por ser muito bem limpa). Sem contar as brigas internas que temos, como toda família, e ainda lutamos para que vejam e ouçam nossa voz.
Aqui dentro hoje temos cinco meninas e 15 meninos (fora as visitas). Desses dois são homossexuais e um bissexual. No começo houve preconceitos, teve meninos que perderam o machismo e aceitaram e entenderam o que é um homossexual.
Fora as pressões negativas, nossa ocupa foi maravilhosa para muitos inclusive para mim.
Nossas programações foram feitas a tarde oficinas,palestras etc. .

E nesse tempo fizemos amizades,tivemos ajuda de terceiros, de amigos e de nossas famílias que nos apoiam. O que foi super importante!

Sem contar que nós somos uma família agora. Passamos por muitas coisas, mas chegamos aofinal sempre unidos. Todos os dias foram risadas diferentes, conversas diferentes… Compartilhamos nossos sonhos diferentes, mas nos unimos com um propósito só, e por uma motivo: PELA EDUCAÇÃO. Não só a nossa mais, a de todos e para uma geração futura. Queremos fazer história. Queremos que seja um marco.Queremos Educação”– contou Nardjara, uma das muitas meninas pretas que estiveram à frente das ocupações capixabas.

 

Rádio Universitária – Moradia Estudantil

radio-quilombo

Entre os universitários desafiados por estudantes secundaristas como Nardjara, estava Tamyres Batista Costa. Ela e outras companheiras e companheiros ocuparam o prédio da antiga Fundação Ceciliano Abel de Almeida, onde funcionava a Rádio Universitária, no dia 8 de Novembro. Estão, orgulhosamente, completando um mês de luta e resistência!

A trajetória da ocupação não foi fácil. O reitor deu uma ordem para que o sinal da rádio fosse interrompido e culpou os ocupantes. Alegou que eles teriam estragado os equipamentos e tirado a rádio do ar por mau uso, o que não aconteceu. Até porque parte dos ocupantes trabalhava e tinha programas na rádio, sabendo bem como operar os equipamentos.

O prédio ocupado estava abandonado e fechado desde 2014, quando foi fechada a antiga Fundação Ceciliano Abel de Almeida, por denúncias de desvio de verba pública e fraudes em concurso. Os ocupantes encontraram quase todos os computadores do prédio ligados. Bem como o ar condicionado e as geladeiras. Haviam pertences pessoais como celulares, livros, copos ainda com café dentro, pacotes de biscoito abertos sobre as mesas que parecem ter sido abandonadas às pressas. E todo esse desperdício teria permanecido velado se não fosse a ocupação dos universitários. Eles decidiram lacrar todos esses espaços no dia em que ocuparam o prédio, para não atrapalhar as investigações.

objetos abandonados na antiga radio
objetos abandonados na antiga radio

 

Salas da Radio lacradas pelos estudantes
Salas da Radio lacradas pelos estudantes

Além das pautas comuns às demais ocupações que ocorreram pelo país, como o repúdio à Medida Provisória da Reforma do Ensino Médio, esta e as demais ocupações ainda resistentes nos prédios da UFES trazem pautas em especial.

Uma delas, hoje considerada a principal pauta dessas ocupações, é a descriminalização de alguns estudantes que foram processados e obrigados a pagar uma multa 179 mil reais referentes à ocupação da reitoria ocorrida em dezembro de 2015, por parte de mais de 200 alunos, entidades estudantis (CA’s, DA’s e chapas), e organizações políticas reivindicando o pagamento de bolsas e auxílios atrasados. Apesar dessa quantidade de envolvidos, apenas 5 estudantes foram processados. E desses, 3 não estiveram presentes e nem participaram efetivamente da ocupação. Os outros 2 são militantes do movimento Estudantil e da luta Antirracista, que são alvos constantes da perseguição da reitoria. Isso, para os ocupantes da UFES, torna evidente a tentativa de criminalizar as lutas sociais. E se torna um processo ainda mais absurdo ao cobrar de estudantes cotistas, periféricos e negros uma quantia abusiva, deixando explícita a tentativa da instituição em usar os estudantes como exemplo punitivo.

Outra pauta defendida pelos ocupantes do prédio da Rádio Universitária é a pauta da Moradia Estudantil. Por isso esta ocupação ganhou o nome de Quilombo Zacimba – Moradia Estudantil UFES. O que os estudantes pedem prioritariamente é o espaço. O próprio prédio que estava abandonado desde 2014 e que sequer pertence à UFES, mas ao Ministério Público, serviria perfeitamente como Moradia para os alunos que têm ficado inviabilizados de estudar por não terem condições de se manter na cidade. A UFES é uma das poucas Universidades Federais que ainda não dá acesso a Moradia Estudantil. E os ocupantes permanecem no prédio em busca de um retorno sobre isso.

 

Mulheres negras à frente

Estive na ocupação da Rádio. Meu primeiro impacto foi grande ao ver que, no momento em que eu cheguei, 100% das pessoas que estavam ocupando o prédio eram mulheres! E apenas uma delas não era negra.
Tamyres me confirmou que a maior parte dos 15 prédios ocupados na UFES tiveram mulheres negras impulsionando o movimento.

Estudantes reunidas na ocupação
Estudantes reunidas na ocupação

Isso fez com o que o nome da ocupação, “Quilombo Zacimba”, fizesse muito mais sentido pra mim. Zacimba Gaba foi uma das princesas africanas trazidas para o norte do Espírito Santo para ser escrava. Quando o Barão que a comprou descobriu que era da realeza a trancafiou na casa grande. Para ter sua vingança, ela foi paciente. Envenenou seu senhor a conta gotas durante anos. Quando ele morreu, ela libertou seus irmãos e começou um quilombo no meio da mata, de onde ela e os outros saiam para libertar mais alguns. Foi uma grande heroína.

artes feitas pelas estudantes da Quilombo Zacimba
artes feitas pelas estudantes da Quilombo Zacimba

Estudantes como Tamyres Batista, Nardjara Júlia e as demais mulheres negras que tive a honra de conhecer são o rosto dessas ocupações. Lutam pelos direitos negados, pois os sentem na pele, seja na educação, em casa ou nas ruas. O movimento dos secundaristas empodera não apenas a causa estudantil, como a de todas as minorias e nos dá esperança de um futuro melhor.

Leandra Barros, 34 anos
Mulher. Preta. Cristã. Militante por Direitos Humanos. Jornalista. Bailarina. Poetisa. Roadie (a únicA do ES!). Documentarista. Conselheira em Sexualidade. Apresentadora. Produtora Cultural. Missionária. Fotógrafa. Microempresária. Editora. Modelo. Promoter. Repórter. Técnica Metalúrgica. Cenógrafa. Iluminadora. Mochileira. Radialista. Atriz amadora. Videomaker. Blogueira...

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