Memórias da Plantação: episódios do racismo cotidiano

Algumas reflexões sobre o livro da Grada Kilomba.

Por Amanda Costa

Olá minha lindeza climática 🙂 

Se você me acompanha no LinkedIn, viu que estou na missão de escrever um livro. Esse é um desejo antigo que vibra forte em meu peito, mas foi apenas agora que decidi tomar coragem para começar.  

Tenho o desejo de eternizar num livro as minhas vivências, experiências e conhecimento e sinto que isso vem de uma vontade ardente de descolonizar o conhecimento. Afinal de contas, numa sociedade patriarcal de supremacia branca, quem é que tem o direito de fala?

Obviamente, não são as jovens mulheres negras e periféricas. 

Desse modo, escrever é um ato político que me ensinou a transgredir. Quando escrevo, não sou colocada como a Outra, como diz Grada Kilomba, mas sou eu própria. Deixo de ser objeto e começo a me tornar sujeito. Passo a ser a responsável por descrever a minha própria história, e não aquela que é descrita. Nesse processo, me torno a narradora e a escritora da minha própria realidade, a autora e a autoridade na minha existência.

Eu me torno a oposição absoluta daquilo que o projeto colonial predeterminou.

Por que escrevo? Porque eu tenho de. Porque minha voz, em todos seus dialetos, tem sido calada por muito tempo.

Jacob Sam – La Rose

Há muito tempo, aqueles que estão no poder tentam nos calar, isso é uma estratégia colonial de subjugamento, marginalização e opressão. Você já ouviu falar na máscara de silenciamento?

A máscara de silenciamento era composta por um pedaço de metal colocado no interior da boca do sujeito negro, instalado entre a língua e o maxilar e fixado por detrás da cabeça por duas cordas, uma em torno do queixo e a outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo, visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura. Neste sentido, a máscara representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de silenciamento das/os chamadas/os “Outras/os”: Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?

Pesado, né?

Parece que o silenciamento do sujeito negro é uma forma do sujeito branco silenciar aquilo que ele teme ver em si próprio. Querida leitora, reflita: quem é o verdadeiro ladrão violento, bandido indolente, subjugador de territórios? Esses são aspectos desonrosos, que quando evidenciados no comportamento do colonizador, causa extrema ansiedade, culpa e vergonha.

Os tipos de racismo

Tenho o desejo de eternizar num livro as minhas vivências, experiências. De acordo com Grada Kilomba, a combinação de preconceito com poder forma o racismo mantido numa estrutura fundamentada pela supremacia branca. Desse modo, o racismo não é um problema pessoal, mas é um problema branco estrutural e institucional que as pessoas negras experienciam.

O racismo acontece em três níveis:

  • Racismo estrutural: o racismo é revelado em um nível estrutural, pois pessoas negras não estão na maioria das estruturas sociais e políticas. Estruturas oficiais operam de uma maneira que privilegia manifestamente seus sujeitos brancos, colocando membros de outros grupos racializados em uma desvantagem visível, fora das estruturas dominantes.
  • Racismo institucional: o racismo institucional enfatiza que o racismo não é apenas um fenômeno ideológico, mas também institucionalizado. O termo se refere a um padrão de tratamento desigual nas operações cotidianas tais como em sistemas e agendas educativas, mercados de trabalho, justiça criminal, etc. O racismo institucional opera de tal forma que coloca os sujeitos brancos em clara vantagem em relação a outros grupos racializados. 
  • Racismo cotidiano: o racismo cotidiano refere-se a todo vocabulário, discursos, imagens, gestos, ações e olhares que colocam o sujeito negronão só como “Outra/o” – a diferença contra a qual o sujeito branco é medido – mas também como Outridade, isto é, como a personificação dos aspectos reprimidos na sociedade branca.

Essas diversas manifestações de racismo colocam as pessoas negras de volta nas cenas de um passado colonial, numa tentativa constante de colonizar os nossos corpos. No entanto, quando decidimos falar e romper com as opressões sistêmicas, somos colocados na caixinha dos estereótipos, tidos como primitivos (selvagens/incivilizados), agressivos (violentos/ameaçadores) ou infantis (crianças que precisam ser tuteladas, geralmente por um sujeito branco – o senhor ou senhora).

Está na hora de romper com esses padrões de opressão!

A promoção dessas narrativas racistas, mesmo que de forma inconsciente,  mantém a invisibilidade das pessoas negras nos debates acadêmicos, políticos e sociais. O racismo não é apenas o ato de insultar o sujeito negro, mas ele também se manifesta nas entrelinhas, quando somos silenciados e marginalizados.

A real é que estou cansada de ouvir que falar de racismo é papo de “gente mimizenta e vitimista”. Esse tipo de deslegitimação é apenas mais uma estratégia para silenciar nossas vozes, querendo calar as pessoas que estão prontas para falar.

O meu escrever se tornou o meu dizer, pois ao contrário das palavras faladas, as palavras impressas não podem ser apagadas e nem silenciadas! 

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