March For Our Lives: Juventude americana contra a violência armada
Por: Suellen Lima, correspondente da Agência Jovem de Notícias nos Estados Unidos Foto:Maythe Lustosa
Enquanto jovens nos EUA lutam pelo desarmamento e o fim da violência, no Brasil, conservadorismo ganham espaço na luta a favor do armamento
No dia 24 de março aconteceu, nos Estados Unidos, a March For Our Lives (Marcha por Nossas Vidas), um movimento que defende o controle de acesso às armas no país. Milhares de pessoas marcharam em diferentes cidades, com a maior concentração na capital, Washington D.C., reunindo mais de 200 mil pessoas de acordo com a CBS News.
A ação foi organizada por sobreviventes do tiroteio em Parkland, Flórida, onde uma escola do ensino médio foi invadida por um atirador em fevereiro deste ano, deixando 17 mortos. O suspeito é um ex-aluno de 19 anos, expulso do colégio por questões disciplinares.
Os jovens que lideraram o ato têm entre 9 e 18 anos e criticam veemente os políticos que se negam a falar sobre o controle de armas.

A comoção em prol ao controle de armas surge com mais força sempre que alguma tragédia acontece. Um estudo realizado pelo FBI (Polícia Federal Americana), observou uma frequência crescente dos ataques a tiros entre 2000 e 2013. De acordo com a Everytown for Gun Safety, organização que advoga pelo controle de armas, o ataque à escola foi o 17ª só neste ano.
O histórico
No dia 15 de dezembro de 1791, foi aprovada a Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos, estabelecendo que “sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser infringido.” .
Em muitos estados federados norte-americanos qualquer pessoa pode obter licença para a posse e o porte de armas, claro que sob algumas condições, considerando que cada estado tem regras específicas. No entanto, é comum em lojas de departamento como a WallMart, por exemplo, se deparar com uma sessão de armas.
Maythe Lustosa, de 27 anos, é brasileira e vive há um ano nos Estados Unidos.E la participou da marcha e conta que no palanque foi anunciada a presença de cerca de 800 mil pessoas. “Eram jovens, crianças, idosos, deficientes, todos marchando por um único objetivo: o controle de armas.”
“Podemos dirigir com 16, comprar uma arma com 18 e apenas beber com 21, qual a lógica?”, questionou um jovem no palanque, chamando a atenção de muitos. Para Maythe, todos que estavam presentes sabiam o porquê e para quê estavam ali.
Foto: Maythe Lustosa
“A jovem que mais me impressionou foi Naomi Wadler, ela tem apenas 11 anos e, após saber do tiroteio que matou 17 estudantes no Marjory Stoneman Douglas High School, ela combinou uma caminhada pelo jardim da escola dela, para mostrar solidariedade aos mortos. E o discurso dela foi o mais aplaudido, menina, 11 anos, negra e demonstrou uma força única.” Observou Maythe.
Outro momento que teve uma grande repercussão nas redes sociais foi quando Emma Gonzales, de 18 anos, pediu 6 minutos e 20 segundos de silêncio, o tempo que durou o ataque em sua escola na Flórida. Sinta um pouco dessa emoção assistindo ao depoimento.
Já no Brasil, até o ano de 2003 qualquer cidadão com mais de 21 anos poderia comprar uma arma, e em grandes mercados ainda existia a possibilidade de parcelamento. As empresas fabricantes de armas e munições financiavam campanhas e políticos com doações milionárias, assim como ocorre nos Estados Unidos. De acordo com o Instituto Sou da Paz, Em 2014 candidatos que receberam legalmente doações de campanha da indústria de armas e munições. Dos 30 nomes beneficiados pelo setor, 21 saíram vitoriosos das urnas: são 14 deputados federais e sete deputados estaduais. Ao todo, fabricantes de armas e munições destinaram R$ 1,73 milhão para políticos de 12 partidos em 15 estados.
As armas eram vendidas como a única solução para a segurança pública, no entanto, de acordo com os dados do Ministério da Saúde e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 1980 a 2003, as taxas de homicídios subiram em ritmo acelerado, com alta de aproximadamente 8% ao ano.
De acordo com o El País, em 1983 o Brasil tinha 14 homicídios por 100 mil habitantes, vinte anos depois este número passou para 36,1 por 100 mil habitantes. Para conter o avanço das mortes, em 2003 foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, que restringiu a posse e o acesso a armas no país.
Hoje, ainda de acordo com El País, o Brasil tem uma taxa de 29.9 homicídios por 100 mil habitantes, o que pressupõe que o desarmamento não reduziu drasticamente os homicídios, mas estancou seu crescimento.
A liberação à posse de arma no Brasil é uma discussão que acontece desde que o Estatuto do Desarmamento foi sancionado. A diferença agora é que a discussão saiu do Plenário e foi para as redes sociais. É fácil encontrar comentários e manifestações dos cidadãos a favor do armamento e usando ainda os Estados Unidos como um exemplo positivo.
No Brasil, há quem favoreça partidos e candidatos políticos conservadores que prezam pela “segurança armada”, fórmula que se mostrou contraditória e problemática em solo americano.

É natural que a população brasileira olhe para os Estados Unidos como um país sem problemas, afinal, considerando o ranking de desenvolvimento humano em que a ONU calcula o índice de 187 países com base em renda, educação e saúde; os EUA ocupa a 5ª posição, enquanto que o Brasil está na 79ª. Mas é também com base nessa informação que se torna inviável fazer comparações em relação à violência, uma vez que se tratam de sociedades completamente diferentes.
Segundo o levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, os Estados Unidos, país que detém o maior número de portes de armas per capita do mundo, é o 5ª mais violento dentre os 47 que estão na lista de desenvolvimento humano muito elevado. Agora sim, uma comparação justa.
Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, disse ao El País que o ciclo de violência se auto alimenta. “Quanto mais medo as pessoas sentem e mais homicídios ocorrem, mais elas se armam. Quanto mais se armam, mais mortes teremos”.
Para reflexão, encerramos este texto com um trecho do discurso da Yolanda Renne King, neta de Martin Luther King, “Meu avô tinha o sonho de que seus quatro filhos pequenos não seriam julgados pela cor de suas peles, mas por seu caráter. Eu tenho um sonho: basta é basta! Este tem que ser um mundo sem armas. Ponto final”.
Confira os melhores momentos deste encontro editado pelos organizadores da March For Our Lives.