Arte: Portal Alma Preta/reprodução

Manifestações racistas por meio de violência obstétrica

A violência obstétrica está relacionada ao controle dos corpos, à  não liberdade e autonomia da pessoa que está parindo, Pelo racismo estrutural, esse quadro se agrava ainda mais quando se trata do atendimento a mulheres negras.

Por Reynaldo de Azevedo e Lorrany Castro

Inserida na lógica do racismo estrutural, a violência obstétrica no Brasil atinge 1 em cada 4 gestantes, segundo o Ministério da Saúde. E ao falar sobre o termo Violência Obstétrica,  nos referimos a violências sofridas por pessoas com capacidade de gestar na procura por serviços de saúde ao longo da gestação, do parto, puerpério (pós-parto) e situações de aborto – podendo ser manifestadas de maneira psicológica, física ou moral. 

Ao pensar na estrutura da prática de atendimento em saúde, por exemplo, percebe-se um ambiente configurado para que as violências aconteçam sem impedimentos. Ao começar pelas ciências médicas, que foram formadas com base em tradições coloniais e escravocratas. Sendo assim, até hoje é desenvolvido um imaginário de que as pessoas negras são mais resistentes à dor e, por isso, não necessitam de toda assistência a qual têm direito. “Mulheres negras têm quadris largos e por isso são parideiras” ou “elas são mais fortes por natureza” são pensamentos que permeiam o atendimento racista que recebem.

A violência obstétrica está relacionada ao controle dos corpos, à  não liberdade e autonomia da pessoa que está parindo.

Isso pode acontecer de diversas maneiras, que vão muito além da  episiotomia – corte realizado entre a vagina e o ânus para ampliar o canal do parto e da realização de uma cesárea desnecessária. Para além dessas, algumas condutas de violência obstétrica são tão naturalizadas e estruturadas que, por vezes, nem são reconhecidas como tal. Alguns exemplos são: a impossibilidade de ter um/a acompanhante durante o trabalho de parto, a proibição da livre movimentação e alimentação da gestante, a realização da manobra de Kristeller – quando empurram a barriga da mulher para apressar o nascimento do bebê, entre outras.

O grande foco da violência obstétrica contra mulheres negras, contudo, está relacionado ao desamparo assistencial durante todo o ciclo gravidez-puerpério. Segundo o artigo “A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil”, que faz parte da pesquisa “Nascer no Brasil”, realizada entre 2011 e 2012 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre as mulheres pretas existe maior recorrência de pré-natal inadequado, falta de vinculação à maternidade e ausência de acompanhante. Elas são menos alvo de cesáreas e intervenções dolorosas no parto, mas são alvo direto da negação de anestesia e analgesia.

Arte: Portal Alma Preta/reprodução

A discussão desta temática reforça o que já foi dito acima sobre a importância de ir além das obviedades ao pensar sobre os efeitos da escravidão no Brasil. As narrativas construídas e reforçadas pelo racismo criam contextos absurdos de violência nos equipamentos de saúde pública para pessoas negras usuárias desse sistema. 

Atualmente, no Sistema Único de Saúde (SUS) existe a Rede Cegonha, que foi implementada em 2011 e busca um novo modelo de atenção ao parto, nascimento e saúde da criança. Contudo, a violência obstétrica no Brasil não deixa de ser alarmante, em sua grande maioria envolvendo mulheres negras.

Sendo assim, ressalta-se aqui a importância de reconhecer o racismo enquanto marcador social que atravessa as questões de saúde no Brasil. Só assim será possível desenvolver estratégias de enfrentamento ao problema, pensando não só possibilidades humanizadas, mas também possibilidades antirracistas de assistência à saúde.

Reynaldo de Azevedo e Lorrany Castro são virajovens comunicadores da Agência Jovem de Notícias e participaram da construção da Revista Viração nº 117 – manifesto antirracista.


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1 Comment

  • […] ao longo da vida. Desde a gestação e nascimento, a opressão racial já se faz próxima: mulheres negras são as que mais sofrem violência obstétrica no país. Na infância, o racismo já se expressa de forma direta, sobretudo quando as crianças chegam no […]

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