Imagem: Nacho Doce/Agência Brasil EBC – Reprodução

Lucro acima de tudo, capital acima de todos: a deslegitimação da vida e o extermínio dos povos indígenas

Até onde vai a busca por dinheiro? Quando começamos a naturalizar a brutalidade e a valorização de algumas vidas em detrimento de outras? Desmatamento e invasão de terras indígenas são coisas que andam lado a lado, e essa relação esconde um jogo de interesses e uma máfia muito poderosa. O relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas” vem para nos mostrar o que há por trás da destruição da natureza e do extermínio dos povos originários.

Por Sofia Leite

O desmatamento e a invasão de terras indígenas são problemas que estão se expandindo cada vez mais no Brasil. Só nos três primeiros meses de 2023, foi registrado que uma área equivalente a quase mil campos de futebol foi desmatada por dia na Amazônia. Isso está inevitavelmente ligado à invasão de terras indígenas, porque sabemos que para derrubar as florestas, é preciso antes expulsar de lá os povos originários.

Demarcação de terras indígenas segue sendo um dos principais pontos da luta dos povos originários. Foto: Flay Guajajara/Mídia Ninja

A Amazônia está se aproximando do ponto de não retorno, que é quando a floresta já foi tão desgastada que chegou ao estágio de não conseguir se regenerar mais. É difícil imaginar nossas vidas sem os benefícios que a Amazônia nos proporciona: os rios voadores, a conversão de gás carbônico em oxigênio e as milhares de espécies nativas encontradas lá que são essenciais para o funcionamento do nosso ecossistema. Mas os povos originários falam sobre isso há tempos. Com eles aprendemos que não há vida sem floresta em pé. 

Por isso, mais do que nunca, vemos que é necessário escutar os povos indígenas e lutar pelos seus direitos básicos, como a demarcação de suas terras. Só vamos sair dessa com o auxílio dessas populações. 

O relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, feito pelo núcleo de pesquisas do observatório De Olho nos Ruralistas, mostrou que por trás da falta de demarcação das terras indígenas há muitos interesses econômicos. Grupos ligados ao agronegócio, como Bunge, Amaggi, Bom Futuro, Lactalis, Cosan, Ducoco e Nichio, foram apontados pelo estudo como alguns dos principais responsáveis pela sobreposição dos espaços que deveriam ser reservados aos povos originários. Além deles, bancos e fundos de investimentos também entraram na lista, como é o caso de Itaú, Bradesco, XP, Gávea Investimentos, IFC e Mubadala.

O relatório mostrou que existe uma teia econômica muito complexa servindo como base para o desmatamento e para o extermínio dos povos indígenas. O capital financeiro que surge por meio dessa destruição segue para várias partes do mundo e beneficia grupos estrangeiros extremamente poderosos, dando continuidade ao imperialismo do qual nunca conseguimos nos livrar aqui no Brasil. Enquanto existir o apoio dessas empresas à destruição da natureza e à deslegitimação da vida, colocando o lucro acima de tudo, será muito difícil caminharmos para frente.

O levantamento mostrou que grande parte do capital investido nas fazendas em terras indígenas vem de fora do país. Foto: Relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”. De olho nos Ruralistas/reprodução

As empresas pregam sustentabilidade, mas promovem a violência e o desmatamento em terras indígenas. A pesquisa que gerou o relatório identificou 1.692 sobreposições de fazendas em 213 terras indígenas:

Outro empecilho citado no relatório para a tão necessária demarcação geral das terras indígenas e para o fim da sobreposição desses territórios por parte de empresas e produtores rurais é o Marco Temporal. Essa ação se trata de só dar aos povos originários o direito às suas terras caso eles tenham como comprovar sua ocupação ininterrupta desde 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. No entanto, sabe-se que, por conta das inúmeras violências que perseguem essas populações desde a chegada dos colonizadores, muitos indígenas foram expulsos de seus territórios e só conseguiram retomá-los após a data estipulada pelo Marco Temporal. 

A terra indígena Guyraroká, em Caarapó (MS), por exemplo, tem a Fazenda Santa Cecília incidindo em 374,07 hectares de seu território. A área que, por direito, é dos povos originários teve seu pedido de demarcação negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tendo o Marco Temporal como justificativa para esse ato. Ainda conforme o relatório, o Mato Grosso do Sul, onde está localizada a terra Guyraroká, é o estado com mais sobreposições do país, tendo 292 ao todo. Logo atrás dele estão o Maranhão, com 163, e o Mato Grosso, com 73.

Nessa semana, estamos vendo, mais uma vez, episódios de violência provocados pela ação do garimpo ilegal, que continua avançando sobre terras Yanomami. Acompanhamos, inclusive, muitas mortes de indígenas em conflitos com invasores. É por isso que conhecer a profundidade do avanço do poder capitalista sobre as terras indígenas do Brasil, a partir de materiais como esse relatório, é fundamental. Só assim a sociedade poderá pressionar o governo por políticas públicas efetivas de proteção contra o extrativismo nesses territórios e que garantam segurança para os povos originários.

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