Liderança Guarani e Kaiowá leva apelo de indígenas brasileiros a países europeus

|Por: Ethel Rudnitzki, AJN São Paulo; e  Juliana Santos, da Agência Jovem de Notícias Internacional | Foto de destaque: Imagem da Vida

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Em 2012, as redes sociais brasileiras foram tomadas por uma ação peculiar no mundo cibernético: pessoas de diferentes idades e perfis passaram a usar a denominação “Guarani e Kaiowá” após o nome próprio, e apoiar a hashtag #somostodosguaranikaiowá.

O movimento virtual, que surgiu a partir da declaração de um grupo de indígenas Guarani e Kaiowá pedindo o decreto da própria extinção, chamava a atenção para um processo duradouro e violento na vida real: a onda de suicídios e o genocídio sofrido pelos índios dessa etnia, sobretudo devido a conflitos pela reintegração de terras na região centro-oeste do Brasil.

Apesar das discussões e dos alertas públicos, a situação não melhorou desde então. Enquanto as taxas de mortes entre os índios continuam subindo, o governo brasileiro se manteve reticente em relação à determinação, assegurada pela Constituição de 1988, de demarcar as terras indígenas.

Além disso, novas emendas constitucionais propostas pelo atual governo podem, em breve, autorizar atividades econômicas nessas terras ou reduzir ainda mais a extensão territorial considerada de propriedade e usufruto indígena – de 13% para 2,6% do território nacional. Atualmente, os Guarani e Kaiowá ocupam menos de 0,2% do estado de Mato Grosso do Sul.

Na tentativa de buscar apoio internacional, diversas entidades sociais brasileiras se uniram para organizar uma visita do cacique Ladio Verón a sete países europeus no início de março.

Cacique Verón em palestra em Pisa, na Itália | crédito: https://www.facebook.com/viagemladioveron/

Verón, de nome indígena, Ava Taperendi, tem 50 anos e é cacique da comunidade Guarani e Kaiowá Takuara, na região de Dourados (MS), e um dos líderes da Aty Guasu – assembleia de líderes Guarani e Kaiowá. Também é professor de História graduado pela Universidade Federal da Grande Dourados, e lecionou em escolas das comunidades Guarani e Kaiowá.

Nos últimos meses, Ladio Verón passou a viver na clandestinidade devido a ameaças de morte.

Diante de uma audiência atenta, o cacique deu detalhes sobre o não-cumprimento da entrega de terras já consideradas juridicamente de sua tribo; a violência que sofrem ao reivindicá-las; e o risco que ele e outras lideranças correm ao denunciar os abusos e a necessidade de contar com a mobilização internacional para que a lei seja cumprida.

 

Os desafios enfrentados pelas juventudes indígenas 

Assim como os mais de 30 mil indígenas Guarani e Kaiowá espalhados pelo continente, outros milhares de povos indígenas enfrentam graves ameaças. E, para que possam fortalecer sua resistência, buscam estabelecer uma rede de informação e formação de lideranças jovens – uma das parcelas da população mais ameaçada pela violência contra os indígenas.

Os elevados índices de suicídio entre jovens indígenas é um indicador. Segundo o Relatório de violência contra indígenas, em 2014 foram registrados 135 casos de suicídio entre indígenas em diversas regiões do país, sendo 90% entre jovens de 10 a 29 anos. Entre os estados com maior índice estão o Amazonas e o Mato Grosso do Sul.

Crédito: Imagem da Vida

A cada duas semanas, dois ou três jovens se suicidam no Mato Grosso do Sul. Recentemente, conseguimos salvar um deles e perguntamos por que ele queria cometer suicídio. Ele respondeu: ‘Eu tenho medo. Medo porque a polícia chega atirando em nós. Eu vi minha mãe, de 84 anos, ser atingida com balas de borracha. Além disso, não tenho nada para oferecer ao meu filho. Se ficarmos só aqui acampados [parte do movimento de reocupação de terras indígenas], não vou conseguir nada. Então eu prefiro morrer, porque não tenho nada para oferecer.’”. Era um jovem de 22 anos, conta Verón.

Mas, além de suicídios, muitos casos de assassinato de indígenas são registrados como suicídio pelos oficiais.

“Vários outros que encontramos pela beira do caminho, na verdade, não se suicidaram. Eles foram mortos”, afirma Verón. “Encontramos meu sobrinho Virgílio sentado, enrolado em um arame. Aí a polícia veio e disse que ele tinha cometido suicídio porque estava bêbado. Mesmo depois de termos visto que ele tinha sido arrastado e pendurado ali”.

 

Violência como resposta à reivindicação de direitos

Os homicídios contra indígenas têm alarmado organizações internacionais. Ano passado, a relatora da Organização das Nações Unidas para Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, manifestou, em visita ao Brasil, extrema preocupação com a violência contra os índios.

“Houve retrocessos extremamente preocupantes na proteção dos direitos dos povos indígenas, uma tendência que continuará a se agravar caso não sejam tomadas medidas decisivas por parte do governo para revertê-la”, declarou a relatora.   

Entre 2003 e 2015, foram registradas quase 900 mortes de pessoas indígenas, segundo relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Só em 2015, foram 137 assassinatos.

O estado que mais sofre é o Mato Grosso do Sul, com 36 casos de homicídio em 2015, sendo 69% dos mortos adolescentes e jovens de 10 a 29 anos. O município de Dourados, onde vive Ladio Verón, é recordista em número de homicídios.

O poder econômico e político da elite local, associada ao capital internacional que financia o agronegócio no Brasil, tem grande influência na situação de discriminação e violência contra os Guarani e Kaiowá no estado.

“Em uma das recentes retomadas de terras, foram mortos um agente de saúde, uma criança e uma idosa. Mas a polícia só fez o levantamento do agente de saúde. Da criança e da idosa, índias, não fez. Assim os latifundiários estão fazendo: matando nossos jovens e pendurando-os em cercas, nos postes, e dizendo que foi suicídio. E outros realmente se suicidam porque não têm o que oferecer aos filhos”, conta Verón.

O próprio cacique perdeu familiares para a violência na região. Em 2003, seu pai, Marcos Verón, antigo cacique da comunidade, foi morto na frente de sua família durante uma retomada de terras.  “Meu irmão Valmir, foi atacado muitas vezes na estrada. Vivia cheio de hematomas. Ele não aguentou e se suicidou. Eu já perdi quatro irmãos, uma sobrinha, um tio e meu pai”, lamenta.

Jovem indígena em reunião Guarani e Kaiowá | Crédito: Imagem da Vida

Essa violência está ligada à reivindicação dos indígenas por suas terras. Após sua visita ao Brasil, Tauli-Corpuz argumentou que “Os ataques e assassinatos constituem represálias em contextos nos quais os povos indígenas reocuparam terras ancestrais depois de longos períodos de espera da conclusão dos processos de demarcação.”

Em 13 de janeiro de 2005, um terreno de 1700 hectares foi declarado indígena, sete anos depois a terra foi homologada e até hoje não foi entregue aos Guarani e Kaiowá.

“O governo deveria ter nos dado essas terras há muito tempo, porque elas são nossas. (…) Fomos até Brasília e conversamos com Joaquim Barbosa, na época Presidente do Supremo Tribunal. Quando achamos o documento de homologação da Aldeia Takuara, ele já tinha sido feito desde o governo de Fernando Henrique. E por que o governo não entrega?”, questiona Verón.

Para garantir esse e outros direitos, os povos indígenas estão se unindo em redes e denunciando os abusos que sofrem. Em agosto, eles se reunirão na assembleia Aty Guasu, onde passarão seus conhecimentos aos mais jovens, que estão na linha de frente da luta.

“Estamos formando novas gerações de guerreiros para lutar. Precisamos formar esses jovens, pois daqui a um tempo não estaremos mais aqui. Eu nem sei o que me espera quando eu voltar para o Brasil”, finalizou o cacique.  As relações inter-geracionais são tidas pelos mais velhos como fundamentais para a compreensão e força da luta do povo indígena.

 

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