Habitat 3: experiência de resistência da Favela da Maré é compartilhada em painel

Durante a Habitat III, Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, que aconteceu em Quito, no Equador, entre 17 e 20 de outubro, um painel abordou experiências transformadoras do espaço urbano a partir do engajamento da juventude. A antropóloga Janice Perlman, autora de livros como O mito da marginalidade e Favela: quatro anos vivendo à margem do Rio, foi a organizadora do painel e a responsável por reunir seis jovens adultos para compartilhar suas experiências.

Uma delas foi Gizele Martins, que vive em uma ocupação no Complexo da Maré, é comunicadora popular e ativista dos direitos humanos de moradores de favelas do Rio. Gizele foi a única expositora a abordar a questão da favela, a identidade e cultura faveladas e a realidade de violência e perseguição vivida pelos habitantes desses locais. Segundo Gizele, cerca de 30 mil jovens são assassinados por ano no Brasil. A realidade da Favela da Maré segue essa perspectiva. A juventude favelada sofre cotidianamente a perseguição da polícia local. Além dessa questão, Gizele abordou ainda os desafios de viver em uma ocupação sem estrutura, em que os próprios moradores precisam dar conta de garantir direitos mínimos, com os quais o Estado não se compromete.

“Morar em uma ocupação e não ter saneamento básico, iluminação, esgoto, água encanada é um grande problema, temos que todos os dias reconstruir sozinhos este espaço. Somos nós, moradores, que nos viramos para ter o mínimo de direitos, algo que deveria ser função da prefeitura, dos órgãos públicos”, diz Gizele, que considera importante a experiência de participar como expositora de uma conferência da dimensão da Habitat III: “sempre vi e ouvi aqueles que estudam a favela falando dela, falando por mim, de mim. Mas quando temos a chance de colocar os nossos próprios desafios em um espaço como este é incrível”, completa Gizele, que integra o Fórum de Juventudes de Favelas do Rio de Janeiro.

Denúncias de violações de direitos

Com o intuito de criar uma rede de proteção entre os próprios moradores, integrantes do Fórum criaram de um aplicativo para celular chamado “Nós por Nós”, onde recolhem denúncias de violência policial nas favelas do Rio de Janeiro. Gizele foi uma das idealizadoras desse importante recurso que já existe há seis meses e em seus 60 primeiros dias de existência, recebeu mais de 100 denúncias. A comunicadora popular, que tratou dessa experiência em sua exposição na Habitat III, tem divulgado o aplicativo em escolas públicas da Favela da Maré, ensinando os estudantes a utilizá-lo.

Em resposta a um participante do painel, que questionou sobre as providências do Estado quanto às denúncias recebidas pelo aplicativo, Gizele explicou que essa iniciativa não resultou na punição dos policiais envolvidos nos casos de violência, nem em uma transformação da atuação da Polícia Pacificadora nas favelas cariocas. Gizele afirmou ainda que o Fórum de Juventudes de Favelas do Rio de Janeiro solicitou uma audiência pública para apresentar ao governo os dados obtidos a partir das denúncias, sem retorno das autoridades. O nome de policiais, placa de viaturas, data e horário da violência fazem parte das informações colhidas pelo aplicativo, mas mesmo assim, nada foi feito.

Durante o evento, especialmente jovens negros de outras nacionalidades, como uma canadense e um liberiano, saudaram Gizele por sua militância, encorajando-a a continuar na luta, apesar das ameaças de morte que vem sofrendo pelas redes sociais. O objetivo de Gizele, ao participar do painel da Habitat III, também foi o de buscar apoio para enfrentar essa situação.

Prêmio

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A ida de Gizele à Quito representa um prêmio, literalmente, concedido pelo Mega-Cities Project, uma iniciativa da antropóloga Janice Perlman, que viveu em três favelas do Rio de Janeiro por quatro anos, na década de 1960. Trata-se de uma rede transnacional sem fins lucrativos, composta por líderes de grupos de base, além de governos, empresas, universidades e meios de comunicação dedicados à partilha de soluções inovadoras para os problemas das cidades, com foco nos temas da pobreza e meio ambiente, dando maior atenção à questão da subsistência de grupos marginalizados. Além de Gizele, que recebeu o primeiro lugar do Prêmio, Francisco Rankin, da Nicarágua, defensor de políticas públicas para indígenas em seu país, também foi contemplado com o segundo lugar e participou, com a carioca, do painel.

Jornalista, professor e educomunicador. Responsável pelos conteúdos da Agência Jovem de Notícias e Revista Viração.

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