Gravidez na Adolescência: Prevenção se faz também com Educação em Sexualidade e Garantia de Direitos
Ao longo das décadas, muitas lutas foram necessárias para que houvesse uma constituição que englobasse diversos grupos, hoje ela é uma realidade. Mas os mesmos direitos realmente são garantidos para adolescentes em período de gestação?
Karen Rodrigues
–
Quando falamos sobre direitos, normalmente analisamos de forma jurídica, no sentido de que “segundo a lei, é de seu direito […]”. Mas, quando falamos sobre uma sociedade estruturalmente desigual, como é o caso brasileiro, precisamos discutir o fato de que muitos jovens brasileiros não têm acesso a informações sobre seus direitos; alguns [ainda que existam na era da informação] podem nunca saber e sofrer consequências desumanas por esse desconhecimento.
Por “natureza” ou pela socialização, a sociedade como um todo passa a idealizar e projetar histórias sobre corpos muito jovens. A exemplo: existiu algum momento em que alguém da sua família lhe perguntou se você realmente queria ter filhos? No meu caso, todos concluem que esse é o meu destino. [A propósito: preciso dizer que a minha mente me levou para um caminho, durante a escrita desse texto, onde considero que a pessoa que está lendo provém de um núcleo de pessoas as quais ela se identifica de alguma forma.]
Talvez nesse momento você esteja se questionando sobre porque o meu texto tomou esse rumo de direitos para socialização. Para mim, isso é uma ponta de um todo que leva pessoas jovens pretas, de periferia (e outros recortes) até o momento de gerarem vidas para as quais normalmente não há a possibilidade de acolhimento.
Não quero colocar, de forma inconsciente, essas pessoas em um espaço de sofrimento, mas por estatísticas nós somos a maioria quando se fala de subalternidade e marginalização — claro, isso não é culpa nossa. Então, quando nos vemos dentro de um ambiente que, de forma automática, nos induz a reproduzir construções sociais relacionadas aos papéis de gênero e maternidade compulsória, por exemplo, as consequências não proporcionam margem para uma existência de direitos que a constituição de 88 propõe.

Segundo o levantamento da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), houve uma queda de 37,2% de casos de gravidez na adolescência no país entre 2000 e 2019. Os casos ainda são mais frequentes entre adolescentes negras de 10 a 17 anos, caindo apenas 3,5% em três anos.
Estamos falando de um sistema que nos conduz a um ciclo sem fim. Uma adolescente que não tem acesso à informação e à educação integral em sexualidade acaba por engravidar em sua adolescência, pode em sequência parar de frequentar a escola, além de ter que enfrentar maiores desafios em relação à inserção no mercado de trabalho. O acesso a serviços de saúde, não só a médicas(os) obstetras, pode ser difícil, devido às filas enormes e outras barreiras que afetam nosso sistema de saúde. O machismo, por sua vez, coloca mulheres em um cenário de “obediência” aos seus maridos, fazendo com que muitas deixem de trabalhar. E quando decidem voltar, o mercado de trabalho as impede, pois agora além de mulheres, são mães.
É necessário considerarmos todos esses fatores: nós temos direitos, mas quem garante que eles estão sendo aplicados de forma equânime? Com certeza não é o nosso sistema capitalista. Enquanto existirem projeções e desigualdades, nos resta trabalhar ao máximo para que informações básicas sobre nossos direitos cheguem para todos os jovens e não acabem em feitos ou estratégias pouco utilizadas a favor do coletivo.
Neste vídeo, o Dr. Drauzio Varella trata sobre a falta de planejamento e como os índices de gravidez entre mulheres jovens de baixa renda têm se perpetuado ao longo dos anos. Mas também apresenta uma solução adotada por um casal cis gênero de baixa renda, demonstrando o quanto a comunicação e a responsabilidade sobre a reprodução é do casal e não somente da mulher.
Ainda olhando para esse vídeo, algo que fica muito evidente é que os pais geralmente não estabelecem um espaço de troca com seus filhos sobre educação em sexualidade, colocando o assunto como um tabu. Isso faz com que a informação sobre métodos contraceptivos se reduza apenas à camisinha (muitas vezes seu uso ainda é ignorado) e somente para prevenir a gravidez. A falta de acesso à informação faz com que muitas pessoas não saibam que a camisinha é também para prevenção de muitas infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Ainda falando sobre educação em sexualidade, é interessante pontuar a importância da escola. Mesmo que muitos professores não se sintam confortáveis em abordar sexualidade, é uma pauta de extrema importância para cada aluno independente da idade em que se encontra. Seja entender sobre o assunto de forma adequada para gerar mais chances da criança entender sobre limites com relação ao seu corpo e denunciar agressores ou o entendimento sobre acesso a informações seguras quanto a cuidados e prevenções nas relações sexuais, ao ingressar na adolescência.
É essencial ressaltar os direitos que temos garantidos. Para prevenir a gravidez, o SUS oferece acesso a:
- Dispositivo Intrauterino de cobre (DIU de cobre)
- Camisinha masculina e feminina
- Anticoncepcional injetável
- Pílula anticoncepcional
- Pílula do dia seguinte
- Laqueadura
- Vasectomia
Durante a gestação, no parto e no puerpério, são direitos garantidos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
“Art. 8º – (…) O acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde.”
De maneira muito resumida, é direito o acesso a um processo humanizado, de qualidade e igualitário. O que é necessário para que essas jovens possam se manter em um ambiente escolar, visando sua formação e profissionalização, evitando sua exclusão do ambiente escolar.
A forma como esse texto está escrito pode nos levar a interpretar esses direitos como válidos apenas para jovens grávidas. Porém, como já mencionei, quando o assunto é gravidez nessa fase do ciclo de vida, a sociedade faz com que o papel do homem seja reduzido a quase nada e sua responsabilidade também.
Mas, ressalto: é necessário acesso à estratégias relacionadas à saúde mental, com equipes multiprofissionais, para que haja saúde emocional além de outras orientações de saúde, para que esses adolescentes e jovens assumam suas posições dentro das suas relações, possam escolher o contraceptivo mais adequado para sua realidade, e para que possam também construir relações de corresponsabilização e afeto saudável. Pensar na saúde mental da juventude pode ser um ponto de partida para que muitos tabus relacionados à gravidez sejam quebrados.
Quer saber mais? Confira essas referências:
Gestação na adolescência: Estudo inédito revela queda de 37%, nos últimos 20 anos
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, art.
Educação em sexualidade nas escolas
–