Exposição Nhe’ẽ-Porã no Museu da Língua Portuguesa
A equipe da Agência Jovem de Notícias esteve no Museu da Língua Portuguesa para visitar a exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, e conversou com o educativo da exposição sobre o protagonismo linguístico índígena, a luta, resistência e a ancestralidade dos povos originários.
Redação: Thaynara Floriano, Gustavo Souza,
Captação de imagens: Ramona Azevedo
Edição de vídeo: Ramona Azevedo e Gustavo Souza
Edição de texto e supervisão: Monise Berno
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Com curadoria da artista indígena Daiara Tukano a exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, em cartaz no Museu da Língua Portuguesa , em São Paulo, a exposição propõe uma imersão em uma imensa floresta, onde as árvores representam dezenas de famílias linguísticas às quais pertencem as línguas faladas hoje pelos povos indígenas no Brasil, além de apresentar inúmeras obras de artistas indígenas, acervos arqueológicos e etnográficos que ajudam a contar as histórias e culturas dos povos originários.
Com a participação de cerca de 50 profissionais indígenas – entre cineastas, pesquisadores, educadores, influenciadores digitais e artistas visuais como Paulo Desana, Denilson Baniwa e Jaider Esbell, a exposição traz um olhar panorâmico sobre a história indígena através das mais de cem línguas já faladas pelos povos originários do Brasil.
A exposição nos aproxima das línguas faladas pelos povos indígenas brasileiros e nos mostra, a partir de objetos, imagens, vídeos e de obras artísticas, como a nossa descendência europeia foi inserida sobre o sangue e a dor de povos que sempre precisaram resistir e lutar por suas vidas e para defender o meio ambiente.
Nhe’ẽ significa espírito, sopro, vida, palavra, fala; e Porã significa belo, bom. Nhe’ẽ Porã, então, significa ‘palavra bonita’. A exposição é um convite para que possamos conhecer e entender a variedade e a riqueza das línguas dos povos indígenas, além de mostrar a maneira com que eles interagem e se integram com a natureza e se organizam. Uma aula de história, coletividade e resistência.
A preservação e exaltação da ancestralidade indígena já é um ato político de resistência, a exposição por inteira nos mostra isso!
Heloísa Milena da Silva, educadora da exposição
Ao adentrar a exposição, nos deparamos com um salão amplo, tomado de árvores e com um som ambiente que nos remete à natureza. Os visitantes podem caminhar livres por todos os espaços, sem um trajeto único de início e fim. A experiência é como atravessar um ‘rio de palavras’ escritas em diversas línguas indígenas. As árvores representam estes vários idiomas que já existiram dentro da diversidade dos povos indígenas do Brasil, e nesse espaço também é possível conhecer a sonoridade de várias palavras – cada árvore/totem tem fones a partir dos quais é possível ouvir pessoas de cada etnia falando em sua língua nativa.
Seguindo pela a exposição temos uma sala chamada Língua é Memória: nela, podemos ver os conflitos que os territórios indígenas enfrentaram ao longo da colonização, desde o século XVI até hoje. Nesse espaço encontramos alguns objetos e obras indígenas vindos do Museu de Etnologia da USP e do Museu Paranaense que compõem a trilha expositiva junto com registros fotográficos, audiovisuais, peças artísticas e objetos que contam a história do Brasil pela ótica dos povos originários. Já na sala Palavra tem Poder, que encerra a exposição, é possível assistir a exibição de produções audiovisuais indígenas.
A exposição é um local imersivo e interativo!
Heloísa Milena da Silva, educadora da exposição
Reconhecer a importância da cultura indígena como parte da riqueza imaterial brasileira e como fator importante na construção da nossa cultura é valorizar e respeitar quem esteve aqui antes de nós. Continuar apoiando a visibilidade, o respeito e a luta para que os povos indígenas do Brasil tenham seus direitos fundamentais protegidos e assegurados é dever de todos nós; é uma questão de justiça.
Durante a nossa visita, conversamos com Heloísa Milena da Silva, Cientista Social e Educadora do Museu da Língua Portuguesa na exposição. Falamos com ela sobre os objetivos da ação e sobre a importância de abordar a visibilidade indígena a partir da arte e da língua. Leia a entrevista na íntegra:
Agência Jovem de Notícias (AJN) – Como foi o processo de construção do acervo e consequentemente, de curadoria da exposição?
Heloísa Milena da Silva (HMS) – A construção do acervo foi feita a partir de objetos e obras de alguns artistas indígenas. Foi coletado alguns objetos do museu de etnologia da USP e também de um museu paraense que contribuiu com alguns materiais para a construção do acervo.
Em relação à curadoria, quem assina é a Daiara Tukano, artista visual e ativista indigena super importante em nossa atualidade, ela contou também com a co-curadoria de Luciana Storto que é uma estudiosa em línguas indígenas. A exposição foi feita com muitas mãos com propriedade na pauta indigena por isso ela traz esse ar de pluralidade.
AJN – De que forma podemos compreender a resistência e ancestralidade indígena nessa exposição?
HMS – A resistência e ancestralidade indigena está presente em todos os momentos e faces da exposição, e esse foi um dos principais objetivos de Daiana na curadoria. Então a exposição por si só já é uma forma de resistência. É interessante lembrar de um fato importante que a exposição inaugura a década das línguas indígenas pela UNESCO, então mundialmente essa exposição está inaugurando uma década importante para a preservação cultural indigena.
E ela traz essa importante, aqui pro museu e também pro mundo, em relação a essa pauta de resistência e ancestralidade cerca de 175 línguas indígenas sobreviveram de 1.500 que eram nativas antes da invasão portuguesa, então de 1.500 sobraram apenas 175, existir um espaço que conta sobre essas línguas e onde estão e como surgirão é muito rico, e também como são usadas na literatura, cinema, músicas, artes visuais,comunicação e até mesmo na internet.
Um ponto focal onde a ancestralidade está presente é uma parte da exposição que fala que a palavra tem espírito, então aqui é esse lugar de entender que as línguas indígenas têm uma cosmovisão, cosmologia ancestral, que certas palavras têm significados amplos e sagrados e estão totalmente conectados às raízes indígenas.
AJN – O que as pessoas podem esperar ao visitar a exposição? Que tipos de ações foram pensadas para o público ter contato com o conteúdo da exposição?
HMS – Ao chegar no museu, as pessoas terão contato com uma exposição super interativa, cheia de vídeos, totens onde você pode tocar e explorar ainda mais sobre as línguas indígenas e seus significados. Assim compreendendo mais sobre os troncos linguísticos, onde os principais são o Tupi e Macro-jê.
A exposição possui também muitos objetos táteis, em termos de acessibilidade, para pessoas com deficiência visuais e auditivas. Realmente é um espaço para todos os públicos, crianças, jovens ou adultos, todos vão gostar.
O espaço conta com muitos mapas e dados sobre demarcação de território, mostrando onde essas línguas estão e também sobre os povos indígenas que de certa forma são associados diferentes a lugares da natureza e não, a um grande índice de povoamento deles também em meios urbanos como São Paulo e poucas pessoas sabem disso.
AJN – O que muda em relação ao aprendizado quando passamos a entender a estruturação da língua portuguesa falada no Brasil hoje, como uma língua influenciada pela cultura indígena?
HMS – Embora poucas pessoas sabem disso, eu sempre cito que a língua portuguesa no brasil é assim hoje por conta das influências das línguas indígenas e africanas. Nosso português é diferente de outros como: Angola, Cabo Verde, Macau… inclusive o português deles são muito próximo a línguas europeias, o nosso é justamente diferente pela forte influência indigena e africana em sua construção e evolução.
Quando abrimos o olhar para entender essas referências vemos que existem muitas palavras do nosso cotidiano que são de origem indigena, como “pipoca” no português é milho, porém pro povo originário significa “pele estourada.” Então é muito interessante ver como palavras ou termos que usamos no nosso cotidiano estão totalmente ligados a essa ancestralidade indigena.
Então, aprender a nossa língua pensando nas raízes ancestrais dos povos originários, muda totalmente nossa concepção do que é o português brasileiro.
AJN – Atualmente, estamos vendo a luta, a arte e a cultura dos povos indígenas do Brasil ganharem visibilidade e receberem o apoio de cada vez mais pessoas. Essa mudança está realmente acontecendo, inclusive na esfera política, com a criação de um ministério. Qual a importância da exposição e de outras ações culturais para que essa mudança positiva cresça cada vez mais?
HMS – Acredito que a ideia seja que essa exposição mostre que essas linhas existem, o Brasil é dos países mais multi linguísticos do mundo, e simplesmente não sabemos disso. É muito legal que todos nossos textos curatoriais estejam em português e tupi mbya tupi. Acredito que essa ideia de trazer a trajetória e língua dos povos indígenas deveria ser iniciativas dentro da edução e não apenas em espaços culturais, acredito que essa ação ajudará a perdurar e preservar a cultura e trajetória dos povos originários, além de ensinar a nossa versão da história.
Esse exercício é como uma reparação histórica. Temos essa dívida com os povos indígenas, e essa exposição é uma ação para essa reparação, dar protagonismo a quem por muitos anos não teve direito de fala. E que isso reverbere cada vez mais pelo Brasil, onde existam iniciativas para contemplar a cultura indígena e mostrar que sua preservação é uma missão por fazer parte da nossa história e evolução.
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A exposição está imperdível! Não deixe de visitar e mergulhar na cultura e riqueza das línguas dos povos originários do Brasil! Precisamos, cada vez mais, conhecer nossa ancestralidade e lutar ao lado dos povos indígenas, para valorizar e cuidar do nosso país.
Serviço
Exposição temporária Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação
Até 23 de abril
Museu da Língua Portuguesa
Praça da Luz, s/nº – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo.
De terça a domingo, das 9h às 16h30 (permanência até 18h)
R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Grátis para crianças até 7 anos
Grátis aos sábados
Acesso pelo Portão A (em frente à Pinacoteca)
Ingressos na bilheteria ou pela internet.
Mais informações em: https://www.museudalinguaportuguesa.org.br
A Exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação também pode ser vista de qualquer lugar do país e do mundo em versão virtual e gratuita: para acessar basta clicar no link https://nheepora.mlp.org.br e explorar todo o conteúdo, que vai desde o tour virtual até documentos, textos da exposição e materiais didáticos.
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