Estilo de vida anti-capitalista: Se tudo der certo, viro hippie

Vivemos em tempos em que qualidade de vida requer desaceleração!
O estilo de vida e de consumo desenfreado que propõe o capitalismo já está encontrando um lugar de esgotamento. E estamos presenciando mais um ciclo de respiro. Um retorno aos bons hábitos, à boa alimentação, ao cuidado consigo, com o outro, com a natureza, com os animais…

Não é à toa que têm surgido movimentos slow life, que envolvem todas as áreas da vida. Uma das vertentes mais famosas do movimento slow é a slow food (comida lenta). Teve gente que abriu “anti-restaurantes” dentro dessa proposta:  espaços que se contrapõem aos famosos “fast food”, e convidam a plantar, colher, escolher e preparar com carinho e comer devagar… Apreciando cada estímulo.

E isso tudo remonta os idos dos anos 70. Nessa época, o movimento hippie já perdia força nos Estados Unidos, onde nasceu como movimento de contestação aos valores militares, tradicionais e econômicos da época, e começou a ganhar força no Brasil.
Os hippies eram nômades, viviam em comunidade, se opunham ao consumismo, e se preocupavam com as questões ambientais e direitos humanos.

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Membros da comunidade hippie “João 3:16” em caminhada

Falo no passado, porque hoje, embora os hippies ainda existam, os que se dizem “malucos de BR” já não curtem ser chamados assim, porque o termo se tornou pejorativo para alguns. Uso aqui para efeitos didáticos mesmo, mas as questões que envolvem os malucos ainda hoje, que podem ser encontrados também em centros urbanos, podem ser vistas no documentário: “A criminalização do artista – Como se fabricam marginais em nosso país”.

A nomenclatura ganhou novas vertentes. De hippies para malucos de BR, micróbios, bicho grilo… Mas, na essência, essa galera seria ícone de luta por isso tudo que grande parte de nós considera importante hoje. Quem não concorda que o sistema capitalista está desenfreadamente nos levando pra um destino destrutivo? Então porque será que constantemente ouvimos a máxima: “Se tudo der errado, viro hippie”, como quem diz que viver no sistema capitalista deve ser prioridade e se libertar desse sistema, a última opção?

Na busca por vivenciar um pouco disso, resolvi passar uns dias com uns amigos hippies, muito mais loucos do que vocês possam imaginar.

Eles estão na estrada há 22 anos e são cristãos. Se autodenominam “João 3:16”, que é um verso da Bíblia que diz: “Porque Deus amou o mundo de TAL maneira que deu o seu único filho para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”.
A história desse grupo de hippies cristãos começou com um casal: Marcius e Danusa.  Eles tiveram suas filhas, Brida e Papoula, na estrada. E a essa família vão sempre se agregando outros hippies pelo caminho. Dá pra ver um pouco sobre eles num vídeo sobre eles no youtube e até acompanhar algumas das viagens deles no canal da Papoula Louchard no Youtube, ou ler relatos num blog que fizeram sobre eles.

Eu já havia encontrado com essa galera várias vezes, sem marcar. Eu chegava no Fórum Social Mundial, na Rio+20, no Festival Internacional da Utopia, e eles estavam lá. E eu sempre acampava junto, mas passar mais dias com eles foi diferente.

Meu senso de comunidade se ampliou muito, porque eles, realmente, tinham tudo em comum. Num dos dias em que estávamos expondo nossos trampos (os artesanatos) na rua, chegou um senhor em situação de rua pedindo dinheiro pra comer. Só estávamos eu e as duas meninas e cada uma só tinha sua marmita. Era tudo que tínhamos pra comer até o fim do dia. E uma das meninas disse: “não temos dinheiro, mas eu posso dividir com o senhor minha marmita”. Eu nem tinha pensado nisso! Mas diante da generosidade da Brida, eu e Papoula também demos da nossa comida. Fizemos das tampas um prato, e compartilhamos um talher.

Eles sempre se preocupavam uns com os outros. Quando saíamos em um grupo grande pra expor, sempre um perguntava aos outros se todos tinham o dinheiro da passagem. Se não, dividíamos o que tínhamos com quem não tinha e críamos que conseguiríamos vender algo pra voltar.

Bem diferente do que é comum supor sobre hippies, todos tomavam banho! E todos os dias! Aliás, tomar banho todos os dias é uma recomendação pro bom convívio na comunidade. Perto do banheiro tinha uma plaquinha: “Amai o teu próximo. Tomai banho”.
E não, o sexo não era livre. O amor, sim! Livre à beça! Eu, que cheguei por último, me senti profundamente amada. Deram-me o melhor que tinham. Desde a comida ao melhor lugar pra dormir.

E por fim, grande parte deles me deu, de seus próprios trampos e outros pertences, presentes! Eles, ao invés de “pedintes” como muitos podem julgar, foram extremamente generosos! Aliás,  as marcas que ficaram impressas no meu coração desse tempo entre os hippies do João 3:16 foram:  generosidade e amor.

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Eu (Leandra) e o pessoal da comunidade hippie-cristã

Agora não sei dizer a vocês, com precisão, se eram assim por serem hippies, ou por serem cristãos. Talvez por serem hippies cristãos. Mas viajei na ideia de que o Cristo, pelos relatos bíblicos, parecia, de fato, muito mais hippie do que vejo por aí em muita congregação. E numa conversa com Marcius vi que isso fazia mesmo muito sentido. Para ele, “mesmo que muitos não queiram ser chamados hippies, todas as novas vertentes vieram do movimento”. Então não tem porque negar as raízes.

Eu perguntei a ele qual era a diferença entre ser hippie antes e ser hippie cristão hoje. Ele disse que antes como hippie, simplesmente, tinha o costume de ludibriar as pessoas com histórias pra vender os trampos. Às vezes mentia e era comum roubar. Hoje, por ter conhecido a Cristo, ele passou a falar a verdade e não rouba mais. Pelo contrário, ele reparte.
Ele contou que quando ele saiu de casa pra estrada, tinha dentro dele uma busca. Uma busca incessante por conhecer novas idéias, pessoas, lugares… E que quando ele se encontrou com Cristo essa busca virou uma entrega. Passou a repartir com as pessoas o que recebeu de Cristo.

Agora eles seguem na estrada por isso. Não porque sintam falta de algo e estejam buscando. Mas porque encontraram algo precioso e querem repartir. Aí acabam também conhecendo pessoas e lugares no caminho, mas a motivação é outra. Marcius disse que foi essa entrega que fez com que sua filha repartisse a marmita com o homem faminto.

Ele disse que continuaram hippies porque entendem que assim podem viver o que aprenderam na Bíblia, com Jesus, que os ensinou a serem nômades quando disse para os discípulos “irem por todo o mundo e pregarem o evangelho a toda criatura” (Mateus 28:19), que os ensinou a “não ajuntar riquezas na terra, onde a traça e a ferrugem corroem e os ladrões arrombam e roubam” (Mateus 6:19), e a compartilhar mesmo que tenham pouco, como fez o menino que tinha cinco pães e dois peixinhos que alimentaram uma multidão (João 6:9).  E eu, que vi de perto como eles vivem, posso dizer que é tudo verdade.

Durante a semana que passei com eles, percebi que eles estavam preparando uma comida especial, originária do norte: maniçoba. Mas a preparação durava 7 dias. Mais slow food que isso, impossível! A cada dia alguém cuidava do fogo, acrescentando lenha, porque nem em fogão a gás foi feito o prato e pouco a pouco incluíam os ingredientes. Vim embora e não ficou pronto. Era pra comemorarem o aniversário de Danuza, lá no Sana (região de cachoeiras do Rio de Janeiro), onde eles iam espiar um terreno, com planos de fazer um festival de música, amor e arte. Um mini Woodstock, porém com uma motivação cristã.  Onde eles pretendem celebrar o Amor, de verdade.

Flyer do evento. Ligue no telefone indicado para mais informações
Flyer do evento. Ligue no telefone indicado para mais informações

O Festival vai rolar das 15h do dia 28 de Abril de 2017, às 18h do dia 30 de Abril. O camping vai ser liberado pra galera, e a comida ficará por conta de cada um, mas vai ter uma cozinha vendendo o rango bem baratinho lá no acampamento. Pra quem precisar de estacionamento, vai ter também, a um preço bacana, é só chegar lá no Sana. E Não é só pra Cristão, não. É pra todas e todos que estiverem cansados de suas próprias podreiras e mancadas, e estiver afim de se arrepender disso tudo e começar tudo novo. Rodeado, abraçado e amparado pelo Deus-Amor, curtindo uma vibe diferente de liberdade.

“Arrependei-vos porque está próximo o Reino dos Céus”(Mateus 3:2), “e acontecerá depois que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os velhos sonharão, e os jovens terão visões” (Joel 2:28) é a promessa de viagem transcendental pra esses dias, segundo Marcius e Danuza. Vai ser o jeito mais louco, barato e saudável de a galera jovem ter visões na vida!

Já de volta da viagem, daqui da minha cidade, bem do meio da selva de pedra, vi a lua cheia. O dia em que eu voltei, era o dia de, se eu ainda estivesse com o João 3:16, comer o prato cuidadosamente preparado por eles e celebrar a vida. Lá… onde, provavelmente, a vida estava correndo mais lenta, linda, leve, alegre e colorida. Êta vida!

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“João 3:16” pela cidade

Se tudo der certo, viro hippie!

Leandra Barros, 34 anos
Mulher. Preta. Cristã. Militante por Direitos Humanos. Jornalista. Bailarina. Poetisa. Roadie (a únicA do ES!). Documentarista. Conselheira em Sexualidade. Apresentadora. Produtora Cultural. Missionária. Fotógrafa. Microempresária. Editora. Modelo. Promoter. Repórter. Técnica Metalúrgica. Cenógrafa. Iluminadora. Mochileira. Radialista. Atriz amadora. Videomaker. Blogueira...

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