Especial Migrações #04: Venezuela e do fluxo migratório recente
Hoje a gente vai falar sobre o maior fluxo migratório atual da América Latina e conhecer um pouco da cultura venezuelana.
Por Mariano Figuera e Mona Perlingeiro. Supervisão: Pedro Neves | Núcleo Migrações AJN
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A crise humanitária na Venezuela teve sua ascensão mais marcante a partir de 2014, e é fruto de uma situação generalizada de violação dos direitos humanos que incluem a falta de recursos básicos para alimentação, saúde e trabalho, e até mesmo casos recorrentes de perseguição política por parte do governo venezuelano.
Em razão dessa conjuntura social e econômica desfavorável, a República Bolivariana da Venezuela alterou seu perfil migratório rapidamente, deixando de ser um país que historicamente recebeu muitos imigrantes da América Latina para se tornar o inverso, tendo em torno de 5 milhões de refugiados venezuelanos espalhados no mundo atualmente. [1]
No Brasil houve um aumento significativo dos pedidos de refúgio por venezuelanos nos últimos 5 anos, sendo 20.935 pedidos de refúgio entre 2011 e 2019.
Tabela. Número de solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, segundo principais países de nascimento, Brasil – 2019.

Gráfico. Distribuição relativa dos solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, segundo principais países de nascimento – 2019.

Mapa. Distribuição relativa dos solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, segundo país de nacionalidade ou de nascimento – 2019.

O estado brasileiro que mais recebe venezuelanos é Roraima, localizado na região norte do Brasil, sendo as cidades de Pacaraima e Boa Vista as mais densamente povoadas pelos imigrantes do país vizinho. O estado de Roraima começou a receber muitos venezuelanos especialmente a partir de 2015, e teve que rapidamente se adaptar à nova realidade, fato que naturalmente implicou diversos problemas para os imigrantes e os brasileiros.
Ao longo do tempo, no entanto, uma estrutura mais concreta formou-se em Roraima para que fosse possível recepcionar os novos moradores do país estando de acordo com os princípios dos direitos humanos. No mapa a seguir, é possível notar que Roraima tem destaque em termos de pedido de refúgio no Brasil, principalmente por conta da vinda de venezuelanos.
Mapa. Distribuição relativa das solicitações de reconhecimento da condição de refugiado apreciadas, segundo UF de solicitação – 2019.

Em 2019, 81,74% das solicitações avaliadas pelo Conare [2] foram registradas nas Unidades Federativas da Região Norte do Brasil. O estado de Roraima concentrou o maior volume de solicitações de refúgio representando 56,72%, seguido pelo Amazonas com 23,38%.

Fronteira Brasil – Venezuela em Roraima.

A atuação voltada para jovens venezuelanos é essencial, já que 72% dos imigrantes em Roraima estão na faixa etária entre 20 e 39 anos, e a grande maioria chega com família e um número significativo de crianças. Além disso, 78% têm ensino médio completo e 32% possuem curso superior ou pós-graduação, provando que esta população tem plena capacidade de adaptação no país.
De qualquer maneira, vale mencionar que a língua é o principal obstáculo para inserção inicial desta população no Brasil, mas não deve ser compreendida como um problema muito grave, pois existem diversos cursos de português para imigrantes e o aprendizado entre os jovens costuma ser rápido.
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Fatos curiosos sobre a Venezuela
1. O Esporte estrangeiro que se tornou patrimônio venezuelano
O esporte mais popular na Venezuela é o Beisebol. O primeiro jogo oficial de “Beisebol na base” foi em 1895, quando alguns estudantes venezuelanos que tinham se formado em universidades nos Estados Unidos, voltaram para Caracas com tacos, luvas, bolas e outros utensílios para a prática desse esporte. Em 1945, foi criada a Liga Venezuelana Profissional de Beisebol.

Os maiores jogadores venezuelanos de basebol são reconhecidos no mundo inteiro, e alguns deles jogam nas “grandes ligas”, tanto nos Estados Unidos quanto na Ásia.
Na Venezuela, todos os anos são realizadas as temporadas nacionais de beisebol, onde equipes de diferentes regiões do país competem pelo primeiro lugar. Esses jogos são quase um evento nacional, o que constata o beisebol como sendo o esporte estrangeiro que se tornou parte da identidade venezuelana e, hoje em dia, é possível dizer que o beisebol da Venezuela tem uma marca muito forte.
2. Miss Venezuela
A Venezuela também é reconhecida pela sua participação em concursos de “Beleza Internacional”. Desde 1952 foi criada a organização “Miss Venezuela”, que é o concurso nacional de “beleza feminina”. Uma curiosidade interessante, é que a concorrente venezuelana daquele ano ganhou o título de Miss Universo, mesmo tendo sido a primeira participação no país no concurso, fato que se repetiu em 1955, quando a Miss Venezuela Carmen Susana Duijm, foi a primeira latino-americana a ganhar a coroa de “Miss Mundo”.

Sem dúvida esses eventos estão no imaginário coletivo, e são até mesmo reconhecidos como um símbolo da identidade venezuelana por um espectro específico da cultura local, mesmo assim, é importante lembrar que esses concursos também já foram questionados por diferentes setores críticos da sociedade, tanto dentro como fora do país, por reproduzir um padrão de “beleza” que não é necessariamente comum ou ideal a todas as mulheres, mesmo porque podemos entender que a beleza não depende somente daquilo que é “visível”, nem está marcada apenas pelas medidas de um corpo, mas a ideia de beleza também pode se manifestar na complexidades e particularidades de cada um, e como diz um ditado popular: “todas as coisas podem ser belas, dependendo do olho com que se olha para elas”.
3. Palavras únicas
A Venezuela é o único país da América Latina que chama “banana” de “cambur”. A palavra “Cambur” é de origem guanche (povo africano que povoou as Ilhas Canárias, antes dos espanhóis), que assim chamavam essa deliciosa fruta amarela, e a língua espanhola/castelhana da Venezuela acabou herdando essa palavra por influência dos povos africanos, que são fundamentais na construção da cultura venezuelana.

O cambur, banana ou guineo, como é conhecido em algumas regiões da América Latina, chegou ao território americano através dos espanhóis que foram os que começaram a comercializar essa fruta. A banana e a suas variações, é originária do Sudeste Asiático e o mundo islâmico já cultivava e comia “cambur” há mais de 5000 anos.
Uma variação de banana um pouco maior chama-se “plátano”, sendo este um dos alimentos básicos da dieta do povo venezuelano até hoje. Na Venezuela o “cambur” se come cru, mas normalmente o “plátano” é cozido, e pode ser preparado de muitas maneiras com receitas incríveis, tais como: banana cozida, banana frita, banana assada, banana com queijo duro, banana com mel e banana com especiarias, entre outras variedades.
4. Música
A Venezuela é marcada por misturar elementos da musicalidade espanhola, indígena e africana, que é o resultado por ser um povo predominantemente mestiço.

O gênero mais característico do país é o joropo ou llanera (das planícies), que usa instrumentos como o cuatro, as maracas, a harpa e a bandola venezuelana. O joropo é uma música rural originária do leste do país, e o seu estilo se consagrou como sendo o da identidade nacional. Na Venezuela existem vários estilos de música popular, alguns que são mais característicos às regiões urbanas e a capital, como a salsa e a merengue, estilos que também são comuns nos países do Caribe.
A Venezuela é um país com uma grande quantidade de sucessos de todos os gêneros musicais, como o pop, o rock, o hip-hop e mais recentemente o reggaeton, entre outros. Um dos maiores representantes da valsa e música llanera foi o cantor e compositor Simón Díaz, que deixou músicas mundialmente reconhecidas como “Tonada de Luna Llena”, “Mi Querencia” e “La Vaca Mariposa”.
5. Gastronomia
O Pabellón Criollo é conhecido por ser o prato típico da Venezuela, e a sua receita tradicional é composta por arroz branco, carne desfiada, feijão preto e fatias de banana frita madura. Dependendo da região do país onde o Pabellón Criollo é preparado, ele pode ter algumas variações e é comum ver ele sendo feito com ovo frito, quando é chamado de “Pabellón a Caballo”. Em alguns lugares a banana frita é substituída por uma banana cozida. Por fim, também é possível preparar um “Pabellón Vegetariano”, substituindo a carne por vegetais, como por exemplo, a berinjela.

Este delicioso exemplar da gastronomia venezuelana representa em cada um desses seus ingredientes a diversidade da comida e cultura do país, já que o Pabellón tem ingredientes de origens culturais e geográficas de lugares distintos. Um fato curioso é que o único ingrediente desse prato que é de origem americana é o feijão preto, que com certeza é o grão preferido da dieta dos venezuelanos. Segundo alguns historiadores, a origem desse prato remonta ao século XVIII, e é uma invenção de pessoas que foram escravizadas e viviam em fazendas de cultivo durante o período colonial, onde eles reuniram em um prato o “resto” das comidas já feitas, juntando tudo com banana como complemento na hora de comer.
O Pabellón Criollo continua presente na mesa e na memória de cada venezuelano, se tornando um prato familiar por excelência, sua preparação é mais ou menos difícil, mas depois que está pronto tudo vale a pena. Além disso, esse prato é bastante parecido com um dos pratos mais típicos do Brasil: a feijoada, que tem muitos ingredientes em comum com o Pabellón Criollo.
6. A queda de água mais alta do mundo
No Sul da Venezuela, no Estado de Bolívar no parque Nacional Canaíma, está localiza a maior cascata de água de mundo: O Salto Ángel (Cataratas Angel) ou o Kerepakupai Vená, que em idioma Pemón significa “salto do lugar mais profundo”. Esta cascata está em um braço do rio Carrao, um afluente do Caroní e possui uma queda total de 979 metros, tendo como número de sua maior queda ininterrupta, 807 metros.
Este “feito” por ser a cascata mais alta do mundo, está registrado no Livro dos Recordes desde 1949[1]. Para que vocês consigam imaginar como o lugar é imponente, além dos 979 metros de queda de água, o topo do salto é de 2450 metros acima do nível do mar.

Tanto o nome indígena, Kerepakupai Vená quanto Salto Ángel (ou Cataratas Ángel), são nomes reconhecidos como oficiais pelo estado venezuelano, e esse é um dos lugares mais incríveis do sul da Venezuela. O Salto Ángel também é protegido pelo Parque Nacional, já que ele não é importante apenas por sua geografia, como as formações rochosas e riachos, mas também por toda sua fauna, flora e povos ancestrais que habitam esse território antigo desde milhões de anos.
O primeiro explorador do Salto Ángel foi um capitão da marinha mercante, Félix Cardona Puig, que desde 1927 já explorava todo o território do sul da Venezuela e a fronteira com o Brasil: “Em 1937, Félix Cardona Puig acompanhou o norte-americano Jimmy Angel para sobrevoar no grande salto, já que ele conhecia a região e já tinha escalado o Auyantepuy dez anos antes. Angel e Cardona conseguem chegar até o topo da grande colina no dia 21 de maio de 1937. Em setembro desse mesmo ano, Jimmy Angel sugere chegar com seu avião no cume, e insiste em aterrissar lá em cima, enquanto Cardona permanece na terra. Jimmy Angel e seus companheiros cumprem com seu objetivo, mas acontece um acidente e o avião é enterrado no solo, contudo teve a sorte de não ter tido vítimas fatais à época, sendo o próprio Cardona um dos ajudantes no resgate. As notícias sobre o acidente motivaram o local a ser batizado como Salto Ángel”.
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O dia 20 de junho é o Dia Mundial do Refugiado. Data aprovada pela ONU e dedicada à conscientização sobre a situação dos refugiados em todo o mundo. No Brasil, dia 25 de junho é o Dia do Imigrante. Para marcar estas duas datas, o Núcleo Migrações da AJN produziu uma série de conteúdos relacionados à questão. Serão textos publicados nos idiomas português e espanhol e peças para as redes sociais. Acompanhe o Especial Migrações da Agência Jovem!
Notas
[1] Dados retirados da ACNUR. Disponível em https://www.acnur.org/portugues/venezuela/. Acessado em 15 de mar. de 2021
[2] Comitê Nacional para os Refugiados
[3] https://www.guinnessworldrecords.es/world-records/382099-tallest-single-drop-in-a-waterfall
[4] Fundación Polar, Caracas, Venezuela, 1982: https://bibliofep.fundacionempresaspolar.org/dhv/entradas/c/cardona-puig-felix/
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