Entre a arte e o vandalismo

O conceito mundial de arte que foi construído com o passar dos anos está ligado ainda hoje a ideias preconceituosas e ditatoriais que não buscam estimular a crítica reflexiva do público.

Por Maria Eduarda Grolli

No começo de 2017, a prefeitura de São Paulo mandou cobrir todos os grafites da Avenida 23 de Maio. Esse ato abriu espaço para que pessoas começassem a discutir sobre a polêmica de o grafite ser arte ou vandalismo.

Imagem de Robert Balog por Pixabay 

É reconhecido por lei que a seguinte prática é considerada crime, auxiliando no processo de poluição visual, cada vez mais comum nas grandes cidades, mas sabemos que nem sempre a lei é respeitada e compreendida.

Antes de tudo, é preciso reconhecer que, assim como os grafites, grandes obras que marcaram o período renascentista, como A Santa Ceia, e a Criação de Adão foram  expostas em paredes e/ou tetos das Igrejas. Logo percebemos que a “mania de humanizar locais públicos” nos acompanha desde as pinturas rupestres até um dos períodos mais importantes da arte na nossa história.

É interessante ainda pensar que tais obras foram patrocinadas e solicitadas por grandes instituições, como a Igreja e o Estado. Desse modo, os autores ficam impedidos de colocar sua ideia na arte, não podendo criticar a maneira que elas agiam.

Em segundo lugar, é necessário que entendamos que o grafite é uma das linguagens da arte urbana.

Imagem de Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay 

Ao contrário do primeiro exemplo, a principal função do grafite é despertar a curiosidade e a reflexão do observador – objetivo muito semelhante ao que pretendia Sócrates no período Socrático quando buscava despertar a curiosidade das pessoas através de perguntas, e que acaba por fim sendo julgado da mesma maneira.

Quando consideramos o ato de busca reflexão como um ato criminoso, estamos interferindo na ideia democrática do nosso país.

O estilo brasileiro de grafite vem sendo reconhecido mundialmente como um dos melhores do mundo; é notável o preconceito e as barreiras que os artistas enfrentam dia a dia.

Imagem de Wim Kantona por Pixabay

A partir deste ponto, é possível concluir que o conceito mundial de arte que foi construído com o passar dos anos está ligado ainda hoje a ideias preconceituosas e ditatoriais que não buscam estimular a crítica reflexiva do público.

Um exemplo antigo mas ainda bastante didático é a obra de Gil Vicente,Auto da Barca do Inferno”. Escrita no período humanista, o autor critica somente indivíduos, sem a liberdade de discordar da ideia das Instituições, visto que essas patrocinam a obra para que a mesma tenha recursos para ser criada.

O grafite, pelo contrário, ao poder ser realizado por qualquer pessoa – sem se prender a classes sociais como as famosas e clássicas obras de arte, e sem a necessidade de carregar mensagens diretas -, é produzido de maneira que se torna possível fazer alusão à ideias construídas pela vivência de seu autor e modifica a paisagem urbana com uma arte que também é crítica social.

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