Entre a arte e o vandalismo
O conceito mundial de arte que foi construído com o passar dos anos está ligado ainda hoje a ideias preconceituosas e ditatoriais que não buscam estimular a crítica reflexiva do público.
Por Maria Eduarda Grolli
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No começo de 2017, a prefeitura de São Paulo mandou cobrir todos os grafites da Avenida 23 de Maio. Esse ato abriu espaço para que pessoas começassem a discutir sobre a polêmica de o grafite ser arte ou vandalismo.

É reconhecido por lei que a seguinte prática é considerada crime, auxiliando no processo de poluição visual, cada vez mais comum nas grandes cidades, mas sabemos que nem sempre a lei é respeitada e compreendida.
Antes de tudo, é preciso reconhecer que, assim como os grafites, grandes obras que marcaram o período renascentista, como A Santa Ceia, e a Criação de Adão foram expostas em paredes e/ou tetos das Igrejas. Logo percebemos que a “mania de humanizar locais públicos” nos acompanha desde as pinturas rupestres até um dos períodos mais importantes da arte na nossa história.
É interessante ainda pensar que tais obras foram patrocinadas e solicitadas por grandes instituições, como a Igreja e o Estado. Desse modo, os autores ficam impedidos de colocar sua ideia na arte, não podendo criticar a maneira que elas agiam.
Em segundo lugar, é necessário que entendamos que o grafite é uma das linguagens da arte urbana.

Ao contrário do primeiro exemplo, a principal função do grafite é despertar a curiosidade e a reflexão do observador – objetivo muito semelhante ao que pretendia Sócrates no período Socrático quando buscava despertar a curiosidade das pessoas através de perguntas, e que acaba por fim sendo julgado da mesma maneira.
Quando consideramos o ato de busca reflexão como um ato criminoso, estamos interferindo na ideia democrática do nosso país.
O estilo brasileiro de grafite vem sendo reconhecido mundialmente como um dos melhores do mundo; é notável o preconceito e as barreiras que os artistas enfrentam dia a dia.

A partir deste ponto, é possível concluir que o conceito mundial de arte que foi construído com o passar dos anos está ligado ainda hoje a ideias preconceituosas e ditatoriais que não buscam estimular a crítica reflexiva do público.
Um exemplo antigo mas ainda bastante didático é a obra de Gil Vicente, “Auto da Barca do Inferno”. Escrita no período humanista, o autor critica somente indivíduos, sem a liberdade de discordar da ideia das Instituições, visto que essas patrocinam a obra para que a mesma tenha recursos para ser criada.
O grafite, pelo contrário, ao poder ser realizado por qualquer pessoa – sem se prender a classes sociais como as famosas e clássicas obras de arte, e sem a necessidade de carregar mensagens diretas -, é produzido de maneira que se torna possível fazer alusão à ideias construídas pela vivência de seu autor e modifica a paisagem urbana com uma arte que também é crítica social.
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