Encontro virtual propõe espaço de diálogo e reflexão para o enfrentamento às desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho
Iniciativa de projeto social contou com a presença de representantes de organizações da sociedade civil, especialistas e jovens mulheres negras.
Por Jéssica Rezende, da Redação – Agência Jovem de Notícias
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No último dia 25 de maio aconteceu, sob organização do projeto Mude com Elas, um encontro virtual aberto ao público para refletir sobre os desafios que jovens mulheres negras enfrentam para a inserção qualificada no mundo do trabalho. No evento, foram discutidas informações elaboradas a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD Contínua), realizada em âmbito nacional, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que permite acompanhar indicadores sociais do país. Com o intuito de enriquecer a conversa, que contou com a presença de representantes das organizações que formam a Rede Multiatores da iniciativa e algumas jovens multiplicadoras formadas pelo projeto, foram convidados três especialistas no tema:
- Pedro dos Santos Bezerra Neto – Engenheiro pós-graduado em estatística aplicada e pesquisador em estatísticas do trabalho e rendimento.
- Camila Almeida – Coordenadora Nacional de Projeto no escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
- Stephanie Felicio – Conselheira Municipal da Juventude de São Paulo.
O objetivo principal do evento era proporcionar um espaço de diálogo e reflexão coletiva para encontrar caminhos de enfrentamento às desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho, em vistas de garantir uma inserção maior e mais qualificada de jovens mulheres negras no mundo corporativo.
Os resultados das reflexões do encontro vão servir como diretrizes à rede em sua atuação prática, sendo que, à priori, as estratégias desenhadas pretendem alcançar dois eixos:
- Maior incidência no campo das políticas públicas
- Diálogo com o setor empresarial
Mais sobre a PNAD
A PNAD Contínua é um levantamento trimestral realizado em mais de 3 mil municípios localizados no território nacional. A partir dessa e de outras pesquisas amostrais, é possível realizar um monitoramento qualificado dos indicadores no período intercensitário. Outra característica relevante é que trata-se de uma pesquisa presencial, onde os entrevistadores vão até a casa das pessoas, selecionadas com base em critérios estatísticos, para realizar uma escuta ativa e levantar as informações necessárias para a construção dos indicadores.
Durante a pandemia, por motivos de segurança e seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde na tentativa de frear a transmissão do vírus e estabilizar os casos de Covid-19, o distanciamento social foi respeitado. Por isso, nos últimos anos a abordagem sofreu adaptações e as entrevistas foram realizadas por telefone – o que, segundo Pedro dos Santos, foi uma questão importante: “Trouxe uma série de problemas, porque as respostas foram mais reduzidas e o alcance – por meio do telefone – foi menor. Agora o IBGE retornou com as entrevistas presenciais e boa parte da amostra apresentou uma melhora substancial”, afirmou o pesquisador.
Em relação às informações sobre cor e raça, existem seis categorias pré-definidas, a saber: branca, preta, parda, amarela, indígena e uma ignorada. No entanto, nos indicadores considerados durante o encontro, a análise foi realizada a partir de um agrupamento de categorias. A junção das categorias preta e parda formaram a categoria negra; já a branca e a amarela formaram a categoria não-negra.
É importante destacar também que, na PNAD, todas as informações são de caráter autodeclaratorio – ou seja, reflete como as pessoas entrevistadas se reconhecem.
Mas, afinal, quem pode trabalhar?
A idade mínima para início de atuação no mercado de trabalho considerada na amostra da PNAD é de 14 anos ou mais, de acordo com o artigo 7º da Constituição Federal. A definição deste critério para a inclusão produtiva legal no mercado de trabalho é fundamental para garantir a proteção integral de crianças e adolescentes, além de incentivar o acesso à educação e sua permanência na escola. Também por esse motivo, na legislação há uma série de determinações que devem ser seguidas pelos empregadores, no que diz respeito à contratação de pessoas entre 16 e 18 anos – como, por exemplo, a garantia dos direitos previstos na CLT.
No caso de adolescentes que possuem 14 e 15 anos, há algumas mudanças. O trabalho só está autorizado enquanto aprendiz – modalidade amparada pela Lei da Aprendizagem [1], que prevê a intersecção entre formação teórica, através de um curso técnico-profissional; e conhecimento prático, com a experiência de trabalho como fio condutor da transição entre a escola e o mundo corporativo.

Qual é a idade ideal para que alguém inicie sua vida profissional?
O trabalho não deveria prejudicar o desempenho escolar de adolescentes, muito menos afetar o seu processo de inserção no mercado de trabalho. “Há pesquisas que falam um pouco sobre isso. Quanto mais tarde você entra no mercado de trabalho, melhor é este processo – em relação ao das pessoas que são obrigadas a começar a trabalhar com menos idade”, conta Pedro dos Santos.
Esta é uma questão complexa que, se analisada por meio de marcadores sociais, já pode trazer indicativos interessantes em relação às oportunidades e desigualdades neste acesso. Em geral, o que se observa é jovens das camadas mais pobres da população sendo obrigados a ingressar no mercado de trabalho muito cedo para compor a renda familiar, enquanto jovens das camadas superiores têm maior possibilidade de optar em que momento ingressarão no mercado de trabalho, normalmente depois de terem concluído os estudos superiores.
Decifrando dados: números que revelam desigualdades
Basta um olhar mais atento ao contexto social em que vivemos para que sejamos capazes de formular uma série de perguntas ou até mesmo criar hipóteses sobre as diferentes realidades que atravessam a população brasileira, bem como alguns grupos acabam sendo mais prejudicados do que outros. Vejamos alguns números de São Paulo como exemplo:
A expectativa de vida no distrito de Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, é de 58 anos. Já em Pinheiros, localizado na Zona Oeste, a média aumenta para 80 anos. [2]
O tempo médio de espera para conseguir uma vaga em creches na região da República é de 3 dias. Já em Marsilac, zona sul da capital paulista, o número sobe para 158 dias.
Cerca de 64% dos paulistanos gastam até 2 horas de deslocamento pela cidade diariamente. Entre as classes D/E, a porcentagem aumenta para 76%. Em relação à faixa etária, os mais jovens representam 71% do grupo. [3]
Somente pelos tópicos acima já podemos perceber o quanto essas pesquisas, levantamentos e mapeamentos são importantes para a melhor visualização das disparidades em relação à garantia de direitos da população, bem como para a construção de estratégias de enfrentamento, principalmente pelo poder público, aos desafios expostos através do monitoramento e análise críticas de indicadores.
No encontro da iniciativa Mude com Elas, foram considerados dados da PNAD Contínua referentes ao 3º trimestre de 2021. A seguir, vamos observar alguns deles:
As mulheres negras de 14 a 29 anos de idade no Brasil somam 15.335.000 pessoas, das quais, 8.046.000 participavam da força de trabalho. Em relação à taxa de participação [4] da população jovem [5] no mercado de trabalho, as mulheres negras (52,5%) eram as mais prejudicadas no processo de inserção produtiva – principalmente em comparação aos homens não negros (68,6%). Se analisarmos o mesmo indicador, mas indo mais a fundo no recorte de faixa etária, sexo e cor/raça, os números revelam realidades ainda mais desiguais. Veja as porcentagens:
- 68% de mulheres negras participavam do mercado de trabalho
- 76% de mulheres não negras participavam do mercado de trabalho
- 89,3% de homens negros participavam do mercado de trabalho
- 92% de homens não negros participavam do mercado de trabalho
Do total de jovens negras que participavam da força de trabalho no país, 5.682.000 estavam ocupadas. A tabela a seguir traz informações acerca da distribuição de pessoas ocupadas por posição na ocupação e nos dá mais insumos para observar a qualidade (ou, no caso, a ausência dela) dessa inserção da população de jovens negras no mercado de trabalho.
Em quais condições e por quais direitos trabalhistas este grupo estava amparado? Veja os dados abaixo:
Estimativa da distribuição dos ocupados por posição na ocupação; segundo faixa etária (14 a 29 anos), sexo e cor/raça – Em % | Mulheres Negras | Mulheres Negras | Homens Negros | Homens Não Negros |
---|---|---|---|---|
Empregado no setor privado com carteira assinada | 41,4% | 49,5% | 39,7% | 49,2% |
Empregado no setor privado sem carteira de trabalho assinada | 17,6% | 14,9% | 28,4% | 19,8% |
Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada | 1,2% | N/A | N/A | N/A |
Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada | 8,7% | 4% | 0,4% | N/A |
Empregado no setor público com carteira de trabalho assinada | 1% | 1,5% | N/A | N/A |
Empregado no setor público sem carteira de trabalho assinada | 4,2% | 4,3% | 2% | 1,7% |
Militar e servidor estatutário | 2,1% | 2,6% | 2,5% | 2,8% |
Empregador | 0,9% | 1,4% | 1,5% | 2,6% |
Conta-própria | 18,9% | 17,5% | 20,8% | 19,9% |
Trabalhador familiar auxiliar | 3,9% | 3,5% | 4,1% | 3% |
No que se refere à distribuição de desocupados, entre jovens de 14 a 29 anos de idade – os homens não negros representavam a menor parcela (16,9%) versus 33,7% de mulheres negras. Também é possível observar que as jovens mulheres negras tinham um tempo de procura por trabalho 7,3% maior do que os jovens homens brancos, como mostra o gráfico:
Importante destacar que, aqui, o termo “informalidade” é usado para descrever a população que está ocupada, mas desprotegida da legislação trabalhista, previdenciária e não possui carteira assinada. Considerando a população com idade legal para trabalhar, ou seja, pessoas a partir de 14 anos, percebemos que o recorte de raça evidencia a desigualdade que a população negra enfrenta, face à população não negra. Quando olhamos especificamente para a população jovem, vemos o mesmo cenário, com ainda mais ênfase.
Isso faz refletir que apenas traçar estratégias para inserir jovens mulheres e homens negros no mercado de trabalho não é suficiente. É preciso ir além e criar formas de garantir que essas pessoas possam ter acesso ao trabalho digno – que, segundo a Organização Internacional do Trabalho [6], abrange vários elementos e consiste em:
“(…) oportunidades para realizar um trabalho produtivo com remuneração justa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam suas vidas; igualdade de oportunidades e de tratamento.”
Organização Internacional do Trabalho
Como insumo para contribuir com a proposição acima, podemos analisar o gráfico que mostra a proporção de empregados do setor privado, sem carteira de trabalho assinada, em relação ao total de pessoas ocupadas no 3º trimestre de 2021.
Das mulheres jovens negras que acessam empregos no setor privado, 17,6% não estavam protegidas pela legislação que rege a CLT – o documento que compila e garante direitos aos trabalhadores. Se considerarmos os homens jovens negros, a porcentagem aumenta para assustadores 28,4%. Mas os dados sobre a informalidade são ainda mais graves quando observamos esse fenômeno no conjunto das ocupações. Neste caso, as jovens mulheres negras que estavam na informalidade no período de referência analisado eram 46,1% do total delas, ficando atrás apenas dos jovens homens negros, que ultrapassaram os 51% expostos à alta precariedade que significa o trabalho informal.

O gráfico acima também acrescenta informações importantes para a nossa reflexão. Em relação ao total de pessoas que trabalhavam por conta própria, a proporção daqueles que tinham empreendimento, mas não estavam formalizados com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – ou seja, estavam “fazendo o corre” – é gritante. Quando mulheres e homens não negros estão na faixa de 25 a 29 anos e resolvem empreender, eles compõem os grupos que possuem maiores condições de abrir um CNPJ, ainda assim, a condição de informalidade é extremamente elevada, impondo a esta parcela da população condições precárias de trabalho e de apoio para prosperar. Isso se confirma quando analisamos o rendimento mensal habitual de todos os trabalhos da população ocupada, como indica o gráfico a seguir:

Você consegue imaginar como uma jovem mulher negra, que possui um rendimento mensal médio de R$1.281,00 teria condições de sustentar a si e à sua família com dignidade e ainda, quando a sua renda vem de um negócio próprio, manter a sustentabilidade que a formalização de um CNPJ exige? Ainda mais quando observamos que, para um jovem homem não branco, a média deste valor quase dobra.
Este é apenas um exemplo que mostra como o trabalho de análise combinada dos dados é fundamental para desenhar um diagnóstico que realmente seja coerente com o que acontece na prática, bem como para derrubar ou confirmar hipóteses.

Muito se fala também sobre a chamada “Juventude Nem-Nem” – nem trabalha, nem estuda. Há um grande debate em torno deste termo. Será que os jovens se enquadram neste “limbo” por escolha própria ou, justamente, por falta de escolha? Qual é o papel do poder público e das empresas, por exemplo, no que diz respeito à garantia de educação de qualidade para todas as pessoas e à inserção profissional decente para essa parcela da sociedade? Como a colunista da Agência Jovem de Notícias, Victoria Souza, brilhantemente preferiu nomear em um de seus artigos: a situação está mais para “Juventude Sem-Sem”; sem estudo e sem trabalho.
A PNAD Contínua revelou que, em relação à população jovem, que não estuda e está fora da força de trabalho (ou à procura), as mulheres negras (32,4%) ainda são o grupo mais prejudicado. A faixa etária entre 25 e 29 anos é ainda mais crítica, chegando a alcançar 42,4%. As mulheres não negras da mesma idade representam 29%, o equivalente a 13,4% pontos percentuais de diferença entre os grupos. Mas os marcadores de gênero e cor/raça não são os únicos a fazer diferença: homens negros representam 18,6% deste grupo; já os homens não negros nestas condições são apenas 14,1%.
A partir destes números, conclui-se que as mulheres acabam enfrentando mais obstáculos para acessarem os estudos e ingressarem no mercado de trabalho. É possível inferir ainda que as mulheres acabam sendo afastadas destes ambientes porque a nós foi socialmente convencionado a responsabilidade de lidar com o trabalho doméstico não remunerado ou ao cuidado dos filhos, enquanto os homens ficam responsáveis por prover alimentação e moradia. Será que os dados podem confirmar estas hipóteses?

A resposta é: sim! Mulheres de 25 a 29 anos, por exemplo, dedicavam praticamente o dobro de horas por semana aos afazeres domésticos e/ou outras atividades relacionadas ao cuidado de pessoas, enquanto os homens não negros eram o grupo que menos colaborava para manter a limpeza e a organização da própria casa – ganhando mais tempo para investir nas carreiras acadêmica, profissional e na vida social. Vale lembrar que muitas destas jovens mulheres também estavam ocupadas, seja na informalidade ou não; precisando enfrentar uma tripla jornada de trabalho, sendo apenas uma remunerada.
Também é importante ressaltar que, em situações de crise, as desigualdades se agravam ainda mais. A pandemia de Covid-19, uma emergência sanitária que atingiu (em níveis diferentes) países do mundo inteiro, talvez seja o exemplo mais palpável na nossa memória coletiva e que traz à tona essa verdade – isso é possível de ser observado comparando os dados da PNAD Contínua no terceiro trimestre de 2016 (antes da Reforma Trabalhista) e de 2021, por exemplo. A tabela abaixo mostra como a população jovem é a que mais sofre com o desemprego nos dois períodos:
Indicador – PNAD Contínua Trimestral | 2016 | 2021 |
---|---|---|
População desocupada de 14 anos ou mais | 12.156 milhões | 13.453 milhões |
População desocupada de 14 a 29 anos | 6.941 milhões | 7.013 milhões |
% da população jovem (14 a 29 anos) desocupada na população desocupada total | 57,1% | 52,1% |
Já na segunda tabela, considera-se diferentes grupos. Este indicador traz a informação do desemprego geral do mercado de trabalho, os desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego) e as pessoas que necessitam de um trabalho complementar para elevar sua renda; ou seja, estão em situação precarizada de trabalho. Observando os dados podemos ver como, mais uma vez, as jovens mulheres negras são o grupo minorizado mais afetado pela subutilização da força de trabalho.
Taxa composta de subutilização da força de trabalho – população jovem (14 a 29 anos) – Em % | 2016 | 2021 |
Mulheres negras | 44,6% | 50,3% |
Mulheres não negras | 30,9% | 37,7% |
Homens negros | 32,2% | 35,0% |
Homens não negros | 23,9% | 28,0% |
Em 2016, de 163.128 mil pessoas em idade de trabalhar, 34.503 mil (21,15%) estavam ocupadas informalmente e 12.156 mil estavam desocupadas.
Em 2021, de 171.886 mil pessoas em idade de trabalhar, 37.709 mil (21,93%) estavam ocupadas informalmente [7] e 13.453 mil estavam desocupadas [8].
Outras provocações relevantes: contribuições de especialistas
Camila Almeida, coordenadora nacional de projetos da OIT-Brasil, trouxe em sua fala um fato muito defendido por intelectuais negras: a importância da interseccionalidade de gênero, raça e classe quando estamos pensando e falando sobre o mercado:
É importante relembrar o que as pensadoras intelectuais negras nos ensinam: as mulheres negras sempre estiveram vendendo sua força de trabalho, muitas vezes em condição subvalorizada e/ou de exploração. Então, quando falamos da entrada massiva de mulheres no mercado de trabalho na década de 70, estamos falando das mulheres não negras – o que não resolveu o problema da divisão sexual do trabalho
Camila Almeida, coordenadora nacional de projetos da OIT-Brasil
Ela contou que a OIT compilou algumas possibilidades de caminhos que podem servir de inspiração no enfrentamento das desigualdades acima citadas. A seguir, listamos as quatro prioridades da Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude:
1. Melhorar o acesso e a qualidade da Educação em todos os níveis;
2. Ampliar as possibilidades de conciliação entre trabalho, estudos e vida familiar;
3. Promover a criação de mais e melhores empregos, com igualdade de tratamento e oportunidades, e combate às causas de rotatividade;
4. Fortalecer o diálogo social sobre as alternativas e condicionantes para melhorar a inserção de jovens no mercado de trabalho.
Stephanie Felicio, conselheira municipal da juventude de São Paulo, também trouxe outros elementos importantes para o debate. Pensando na evasão escolar de jovens mulheres negras, seja por quaisquer motivos, é praticamente impossível esperar um cenário diferente do que o que já está posto agora: com a falta de qualificação, o que resta são trabalhos subalternos e não-formalizados.
Além disso, ela comenta sobre como os direitos sexuais e reprodutivos também atravessam essa questão do acesso ao trabalho digno e da educação qualificada dessas mulheres, já que elas foram postas neste lugar de cuidado, mesmo que não sejam mães. O racismo institucional e estrutural, bem como o preconceito com jovens mães também são obstáculos que se colocam no caminho:
Por conta dessa dinâmica que o cuidado está inserido, ela precisa encontrar um trabalho que a carga horária e a sua mobilidade se adequem à sua rotina. São bicos e empregos subalternos que muitas vezes não dão condições para que se forme uma renda. Como fica a saúde dessa mulher?
Stephanie Felicio, conselheira municipal da juventude de São Paulo
Juventudes no centro do debate
Duas das 10 jovens mulheres negras multiplicadoras do projeto Mude com Elas em escolas públicas de Ensino Médio de São Paulo, também estiveram presentes no encontro e trouxeram contribuições. “Fiquei muito assustada com os números apresentados hoje. Eu tinha uma certa noção dessas desigualdades, mas nunca tinha me aprofundado”, contou Pamella. E ainda terminou sua fala fazendo uma provocação necessária:
Será que essas rodas de conversa, a apresentação de dados tão importantes quanto os que foram mostrados no encontro, não estão circulando sempre no mesmo grupo – que não é o mais atingido por essa realidade? Essas são discussões que precisam chegar nas escolas e nos espaços onde estão as juventudes, principalmente, as juventudes negras
Pamella, jovem multiplicadora do Projeto Mude com Elas
Quando questionadas se elas se enxergavam no reflexo desses dados, a resposta foi positiva. No caso da Camila, ela se identificou com a parcela de jovens mulheres negras que está buscando um trabalho decente, mas que, além das dificuldades de encontrar uma oportunidade, também se depara com o impasse de não poder aproveitar propostas que não se adaptem à rotina de cuidado diário com alguns familiares.
Para enfrentar e superar essas dificuldades, muito mais do que unir o poder público, o setor privado e a sociedade civil organizada, se faz urgente e necessário realizar uma escuta ativa e qualificada das juventudes; que contribua para a formulação tanto de políticas públicas, quanto de políticas afirmativas nas empresas e que possam dar respostas efetivas para a transformação dessa dura realidade.
É preciso trazê-las para o centro do debate e ofertar recursos para que sua potência produtiva seja amplificada, sem desconsiderar o acompanhamento integral da saúde desses jovens – principalmente das mulheres negras. Não podemos mais continuar na reprodução infinita do racismo e do sexismo que as jovens mulheres negras sofrem há séculos no Brasil. O caminho é longo mas, talvez, esse seja um bom primeiro passo rumo à mudança – com elas.
Assista ao encontro virtual na íntegra:
Notas de rodapé
[1] A Lei 10.097/2000 afirma que empresas de médio e grande porte devem contratar jovens com idades entre 14 e 24 anos como aprendizes. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10097.htm
[2] Fonte: Mapa da Desigualdade (Rede Nossa São Paulo, 2021). Disponível em: https://bit.ly/3zfPBbM
[3] Fonte: Viver em São Paulo – Mobilidade Urbana (Rede Nossa São Paulo, 2021). Disponível em: https://bit.ly/3tzrYYf
[4] A taxa de participação é um indicador que mede o percentual de pessoas em idade de trabalhar, que efetivamente participam do mercado de trabalho – como ocupadas ou desocupadas.
[5] Considerar a população entre 14 e 29 anos.
[6] Fonte: Temas – Trabalho Digno (Organização Internacional do Trabalho – Lisboa). Disponível em: https://bit.ly/3NiEQK1
[7] Pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência como empregado no setor privado sem carteira assinada; ou trabalhador por conta própria sem CNPJ; ou empregador sem CNPJ; ou trabalhador doméstico sem carteira assinada; ou trabalhador familiar auxiliar.
[8] Pessoas de 14 anos ou mais de idade sem trabalho em ocupação na semana de referência, que tomaram alguma providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias, e que estavam disponíveis para assumi-lo na semana de referência. Consideram-se, também, como desocupadas as pessoas sem trabalho em ocupação na semana de referência que não tomaram providência efetiva para consegui-lo no período de referência de 30 dias porque já o haviam conseguido e iriam começá-lo em menos de quatro meses após o último dia da semana de referência.
Sobre o projeto
O ‘Mude com Elas – Multiatores superando a desigualdade de gênero e raça’ é uma iniciativa implementada em parceria pela Ação Educativa, AHK São Paulo – Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo e do escritório da Terres des Hommes Alemanha em São Paulo, com apoio da Viração Educomunicação por meio da Agência Jovem de Notícias.
