É possível ser uma mulher amorosa no Brasil?

A violência de gênero é uma realidade no mundo inteiro, mas no Brasil, especificamente, a qualidade de vida de pessoas do gênero feminino é extremamente precária devido aos inúmeros abusos sofridos por elas diariamente. Mulheres são criadas para serem amorosas, o que funciona como uma máscara para a obrigação da subserviência em relação aos homens. Mas é possível ser amorosa em um país que trata as mulheres com tanto desamor? Tendo como base a pesquisa “Visível e invisível”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a resposta para essa pergunta, certamente, é não.

Por Sofia Leite

As estatísticas que envolvem estupro e violência contra a mulher são sempre assustadoras. No entanto, no Brasil, onde a cada um minuto duas mulheres são estupradas, segundo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a realidade é ainda pior. Ser mulher no país tropical e abençoado por Deus, como dizia Jorge Ben Jor, é um desafio diário muito difícil de ser superado. 

Somos criadas ouvindo que as mulheres têm que ser amorosas e recebendo conselhos de como ser o par perfeito para um homem. Mas como nos abrir para o amor em um país onde não nos é dado o direito de confiar e ser amada de forma saudável por pessoas do gênero masculino? Como ser amável em um país onde, segundo a pesquisa “Visível e Invisível”, 21,5 milhões de mulheres sofreram, em 2022, violência física e/ou sexual por parte de parceiro íntimo ou ex-companheiro? 

Não é justo que apenas as mulheres sejam educadas para seguir o caminho do amor e da não-violência. Os homens precisam fazer parte desse processo também. Afinal, só conseguiremos melhorar enquanto sociedade quando todos os indivíduos conseguirem resolver suas questões de forma pacífica e amorosa. É só por meio do amor que, como diz a intelectual estadunidense bell hooks, conseguimos evoluir. Enquanto cônjuges e ex-parceiros continuarem sendo violentos e responsáveis pela maior parte das estatísticas de agressão contra a mulher, podemos nos decretar derrotados na busca do amor e do bem comum.

Além de passarmos a oferecer uma educação igualitária a mulheres e homens para que possamos ter relações sem violência, é preciso que sejam criadas ações para incentivar a população a denunciar casos de abusos contra mulheres. O estudo do Ipea mostra que apenas 8,5% dos casos de estupro, por exemplo, chegam até a polícia. Já a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz o dado de que 52% dos brasileiros relatam ter visto alguma situação de violência de gênero nos últimos 12 meses.

Por que esses casos não estão sendo denunciados? Será que a vida de uma mulher vale menos?
Quando os números referentes às denúncias desses casos são analisados, é possível perceber que, muitas vezes, nem mesmo as mulheres relatam para as autoridades o que acontece com elas. Isso se deve, possivelmente, a alguns fatores como a falta de preparo dos agentes públicos nas delegacias e a reprodução, por parte deles, de uma lógica patriarcal que descredibiliza o depoimento das vítimas mulheres. Além disso, a legislação brasileira exige que a mulher comprove o abuso que sofreu, o que, em inúmeras situações, não é possível, como é o caso da violência psicológica.

Se o pensamento de que a vida da mulher vale menos continuar existindo em nosso dia a dia, acontecimentos como aquele envolvendo a vereadora de Juazeiro do Norte (CE) Yanny Brena (PL), que foi morta pelo namorado na madrugada do dia 3 de março, seguirão se repetindo.

Uma sociedade que é capaz de tratar como ato de amor um feminicídio cometido cinco dias antes do Dia Internacional da Mulher está longe de entender o real significado de amor e, mais longe ainda, de encontrar o caminho até ele.

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