Desconstruindo Tabus: a falta de fundamentos biológicos para a homofobia

O acesso ao conhecimento pode mudar o mundo, não é mesmo? Por isso, no dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+ vamos nos valer dele para mostrar a falta de fundamentos biológicos para a homofobia.

Duda Matias

Oii meu povo, como vocês estão??

O mês de junho é o mês das festividades juninas com suas comidas deliciosas e tradições divertidas. No entanto, além disso, também é o mês de celebração do Orgulho para comunidade LGBTQIAP+, com o dia 28 sendo especialmente marcado como Dia Internacional do Orgulho.

E em prol disso, hoje, vamos rebater falas homofóbicas que baseiam as suas opiniões na “biologia”, aquelas que tratam a homossexualidade como algo anormal ou não natural. É uma conversa antiga, eu sei, mas nada como obter conhecimento, não é mesmo? Principalmente quando o assunto é combater a homofobia e dar um fecho naquele tio chato que vive falando coisas desnecessárias, agora você vai poder respondê-lo à altura, com estudos aprofundados de especialistas da área.

“Ain mas isso não é natural”

Seguindo os preceitos da Biologia, tudo o que é possível, é natural. Um comportamento não natural não existiria, pois iria contra as leis da natureza. Isto é, a origem do termo utilizado como “não natural” para certas práticas, condutas ou até mesmo desejos é oriundo da teologia e das crenças humanas. Desde que o mundo é mundo tentamos entender e explicar a origem das coisas, a religião foi e segue sendo utilizada para esse objetivo com justificações e definições divinas. Por muito tempo a sociedade se apoiou nesses preceitos como certos, morais e éticos.

Na preocupação de explicar tudo, mesmo sem ter uma comprovação para aquilo, uma das definições que a teologia acredita fez com que os órgãos reprodutores tenham propósitos pré-definidos com o objetivo de agradar a Deus, condenando os comportamentos que os padres, pastores ou aqueles responsáveis por guiar a vontade divina não concordavam ou achavam “abominação”, “anti-natural” ou que “manchavam” a imagem do Espírito Santo, tudo seguido pelas escritas e interpretações deles sobre a Bíblia.

Entretanto, a Biologia, obviamente, não segue uma religião, se apoia unicamente nas leis da natureza. Explicações biológicas não são tudo preto no branco, elas demandam muito mais complexidades, pesquisas, variações e, até mesmo, tempo, para que algo seja estabelecido ou definido, e ainda assim há as exceções ou possibilidades desconhecidas.

É inegável que a religião contribuiu para o desenvolvimento humano e tem seus aspectos positivos como por exemplo a busca pela paz, harmonia e o amor para um convívio social fraterno. Todavia, ela ainda exerceu grande influência na origem de diversos preconceitos, discriminações e violações às pessoas que pensavam e agiam diferente da “vontade divina” de acordo com seus dogmas. Hoje, já existem flexibilidades e diversidades de reflexões a respeito da vida, bem como os avanços de pesquisas e estudos que comprovam comportamentos humanos, origem das coisas e assim por diante. Mas infelizmente ainda existem pessoas que insistem em justificar a sua homofobia, preconceito ou discriminação com argumentos arcaicos.

Ou seja, o argumento de que a homossexualidade não é algo natural cai por terra sem bases biológicas, portanto os homofóbicos*, enrustidos ou não, não tem propriedade para explicar a preferência sexual de alguém e pôr a culpa na biologia.

“Você vê algum animal fazendo isso por aí?”

O pesquisador Bruce Bagemihl, um biólogo canadense, identificou a homossexualidade no reino animal em cerca de 1.500 espécies diferentes em 1999. Até mesmo os vermes intestinais possuem esse comportamento entre si.  Aliás, não é só a homossexualidade que se faz presente, mas também a bissexualidade. De fato, os comportamentos são bastante diversos e incluem até mesmo o sexo não reprodutivo, ou seja, a simples busca pelo prazer.

Também é possível afirmar que não há uma orientação sexual pré-determinada na maioria das espécies observadas. Além de ser muito difícil constatar que exista alguma espécie com orientação sexual exclusiva, com exceção da ovelha domesticada. Nesse caso, 90% dos machos escolhem se relacionar estritamente com outros machos da mesma espécie.

90% das girafas são animais homoafetivos, e todos eles flertam esfregando os pescoços. Os leões machos constroem relações profundas de lealdade por meio de relações sexuais. Entre os macacos, são as fêmeas que desenvolvem laços fortes e duradouros, acasalam entre si e costumam ser monogâmicas, construindo relações que duram anos. Os machos também se relacionam com indivíduos do mesmo gênero, mas por pouco tempo. 

As morsas são um exemplo de animais bissexuais, os machos são homossexuais até atingirem a maturidade sexual. Após essa fase, se relacionam sexualmente com as fêmeas apenas em época de reprodução, ou seja, somente por questões de sobrevivência da espécie.

Os golfinhos são tanto animais homossexuais quanto heterossexuais, os machos dessa espécie costumam passar por períodos em que se relacionam apenas com outros machos e as fêmeas geralmente se comportam de maneira bissexual na maior parte do tempo. No caso dos Chimpanzés, é comum ter o ato sexual só por prazer e nas relações homossexuais são construídas por conexão afetiva e para evitar conflitos entre os grupos.

25% dos casais de Cisnes-Negros são formados por machos. Têm o hábito de roubar ninhos a casais de cisnes heterossexuais ou então de formarem trios com outra fêmea. Quando o fazem, o objetivo é esperar que ela ponha um ovo para, depois, a expulsarem da relação.

Esses são só alguns dos exemplos das diversas relações que podem existir entre os animais com a existência de seus múltiplos propósitos, seja somente pelo prazer ou para fortalecer laços, e todos são naturais. A homossexualidade e a bissexualidade estão presentes no reino animal, em paralelo à isso, a homofobia continua sendo algo exclusivamente humano. 

Não existe gene gay??

Mantendo a linha de raciocínio, não existe um “gene” gay/homossexual, uma tendência genética ou quaisquer variações relacionadas. De acordo com  o artigo da Science: Large-scale GWAS reveals insights into the genetic architecture of same-sex sexual behavior (GWAS em larga escala revela insights sobre a arquitetura genética do comportamento sexual entre pessoas do mesmo sexo) apenas 25% da homossexualidade no geral pode ser explicada por componentes genéticos, e essa porcentagem não é suficiente para determinar se a pessoa vai sentir atração pelo mesmo sexo ou não. 

É algo extremamente multifatorial que a ciência não consegue prever, tanto que se analisado individualmente essa porcentagem cai para menos de 1%, sendo o ambiente e a cultura muito mais influenciáveis nessa determinação, e ainda assim existem inúmeras possibilidades que podem influenciar na sexualidade de alguém.

O que abre margem para falarmos da tal “cura-gay”, totalmente inviável, preconceituosa, e inexistente, já que não existe um gene ou uma doença para a homossexualidade.

Consequências da exclusão

O projeto Cura Gay foi real, também conhecido pelos nomes Terapia da Reorientação Sexual, Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, consistia no conjunto de técnicas que objetivavam a extinção da homossexualidade de um indivíduo. Eram um conjunto de técnicas que incluíam métodos psicanalíticos, cognitivos e comportamentais. Além disso, também eram utilizados tratamentos de ordem clínica e religiosa. Hoje, o Conselho Federal de Psicologia proíbe a oferta de quaisquer tratamentos relacionados.

A “Cura Gay” foi um grande exemplo de “fake news”, oriundo da ignorância humana que fez o Brasil se tornar um dos países que mais mata a população LGBTQIAP+ no mundo, segundo a Câmara Legislativa do Brasil. Essa forma de discriminação também teve e tem um grande impacto na qualidade de vida dessa comunidade, gerando diversos prejuízos psicológicos e aumentando a taxa de desemprego, por exemplo. Segundo a CNN Brasil, cerca de 55% da população LGBTQIA+ no Brasil, em 2021, foi diagnosticada com o risco de depressão no nível mais severo, 30% das pessoas já haviam recebido diagnóstico prévio de depressão e 47,5% para ansiedade. O estudo identificou que 6 em cada 10 pessoas LGBTQIAP+ tiveram diminuição ou ficaram sem renda por causa das consequências da pandemia, 59,4% está sem trabalho há um ano ou mais. A taxa de desemprego entre esse grupo é de 17,1%, subindo para 20,4% entre pessoas trans.

Coragem para enxergar o diferente

Na sociedade atual, embora bastante atualizada sobre o mundo e mais evoluída do que antes, tornou-se mais radical, intolerante e extremista com quem sai de sua bolha. Falar sobre sexualidade ainda parece um tabu, algo proibido, as pessoas têm receio de falar e de ouvir. O primeiro passo para combater esse problema é começar a falar sobre sexualidade abertamente, conseguir abrir a mente e aprender sobre novos horizontes.

Viemos de um corpo social que as definições já estão tão bem amarradas que estão nos livros, na internet, na constituição, em todos os lugares, isso rejeita a possibilidade do novo, rejeita quem “não se encaixa” nessas definições e temos medo de mudar o que, por muito tempo, foi dito como regra. E essas regras são responsáveis por muitas vidas perdidas injustamente, por vidas que não se encaixaram, por vidas incríveis.

É preciso coragem para mudar e aceitar o desconhecido, o diferente. Existem apenas pessoas com suas imensas possibilidades de existências, jornadas, descobertas, sendo complexas demais para determiná-las em x ou y. O preconceito nos cega e nos impede de enxergar as mais intrínsecas experiências, dificulta o conhecimento social, o autoconhecimento, o entendimento e a compreensão dos múltiplos cosmos que precisamos explorar.

Discutir sobre a diversidade sexual é essencial. Desconstruir essas normas sociais salvará inúmeras vidas. Vamos abrir a nossa mente?

*Homofóbicos: aqueles que possuem atitudes e sentimentos negativos, discriminatórios ou preconceituosos em relação a pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo ou gênero, ou percebidas como tal.

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