Da ‘Flor’ à ‘Florzinha’
Onde começam nossas lutas? No campo da linguagem? Ou no ato? Esses campos são indissociáveis. Parafraseando Milton Nascimento, não podemos aceitar sossegados qualquer sacanagem ser dita como coisa normal.
Por Reynaldo de Azevedo Gosmão
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“Você é a flor do meu jardim”,🌷
“Oi florzinha”… 👋
Para você há alguma diferença de sentido nessas frases? Se eu disser que a primeira frase foi recortada de um diálogo de um casal, e a segunda entre duas pessoas desconhecidas? Metaforicamente, uma flor que está “no meu” jardim é algo que “eu” vou cuidar, e uma florzinha qualquer?
Esse exemplo é bem grosseiro, mas serve para introduzir.
Através da linguagem, os sujeitos fazem trocas, sejam elas pelo campo da fala ou não, e com ela produzimos o campo do sentido, de ordem simbólica, o que estabelece em nossas vidas as redes de significações e valores conhecidos e compartilhados.
Qual o propósito das metáforas em nosso cotidiano? Uma pessoa desconhecida te chamar de florzinha? Querida? Ou se ampliarmos a questão para a temática racial: neguinho, pretinho, mulatinho; ou de gênero: o bicha, viado, sapatão, inclusive, sujeitos incorporam como uma revolução dos usos, vulgarizamos com uma “não violência”.
Epa, epa, epa… é revolucionário manter a ordem simbólica que configura nossos modos de vida opressor, racista, machista e homofóbico? Estamos resguardando um mal-entendido através de disfarce e concessões para resguardar os mal-entendidos?
Talvez, o que está travestido em nosso cotidiano é a hipocrisia de relações que se trabalha muito na homogeneização social, nas quais a diversidade é velada através de tentativa de esconder os buracos (que são evidentes) e pouco se questiona sobre os sentidos da experienciações dos desejos.
A pandemia é sanitária, mas é também da ética do despertar do desejo.
No Filme Moonlight – Sob a Luz do Luar (2016), Little questiona – o que é uma bicha? Juan responde: é uma palavra que as pessoas usam para fazer os gays se sentirem mal. Little- Eu sou uma Bicha? Juan- Você pode ser gay, mas não pode deixar ninguém te chamar de bicha.

Freud aponta que (1921/1986, p.87). “cede-se primeiro com as palavras e, depois, pouco a pouco, com a coisa mesma”. Não podemos naturalizar na linguagem as opressões estruturais. Parafraseando Milton Nascimento, não podemos aceitar sossegados qualquer sacanagem ser dito como coisa normal.
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