Cultura, trabalho e resistência da juventude na era virtual
Em 1960, quando Marshall MacLuhan usou o termo “aldeia global”, estava se referindo à ligação que a tecnologia poderia fazer entre as pessoas. O intelectual canadense pode ser considerado, portanto, um profeta. Em 2016, temos milhões de pessoas se organizando e se conhecendo através dos aplicativos e redes sociais que a tecnologia criou, formando uma grande aldeia global.
A internet chegou e com ela o poder de voz que alguns grupos não tinham (se é que agora têm) dentro da sociedade, foi se fortalecendo. O jovem de hoje lê o tempo todo, porque as informações chegam a cada segundo em suas mãos através do celular, e as oportunidades de discutir interesses em comum aumentam. Nas páginas das redes sociais, por exemplo, se discute machismo, racismo, homofobia, gordofobia, questões de gêneros e mais uma infinidade de assuntos que sempre foram necessários, mas que não havia espaços abertos para serem abordados.

Foi customizando roupas e trançando cabelos que Nataly Neri, do canal Afros e Afins, descobriu que poderia unir assuntos de moda e beleza, com questões importantes da sociedade. Durante a maior parte da infância, a youtuber de 22 anos, passou navegando na internet, mas nunca tinha visto alguém abordando questões raciais, machistas ou o poder da indústria. “Antes de conhecer o feminismo muitas coisas passavam batidas porque estávamos no âmbito da ignorância. Hoje, sabemos como o preconceito atinge o mundo, como as empresas se organizam e como atingem as pessoas. Não dá para lutar contra tudo. Já tentei, mas não consegui. Fez mal à minha saúde mental. Hoje escolho as lutas que eu luto”, comentou.
Formadora de opinião, no começo de suas abordagens, Nataly sentiu medo, porque sabia que o que falaria poderia gerar diversos resultados. “Percebi que estava falando para pessoas e que elas me ouviam e davam crédito, me observavam e se espelhavam em mim, por isso tenho cuidado no meu falar e agir. É assustador perceber que o que você fala tem poder. A juventude de agora é diferente de cinco anos, hoje as meninas formam coletivos feministas no ensino médio. Isso seria meu maior sonho”, finalizou.
Enquanto alguém espera um ônibus, caminha num parque ou faz o dever de casa, um jovem negro é assassinado.Não precisa ser de exatas para concordar com a conta: 23.100 por ano. 63 por dia. Um a cada 23 minutos. Esse é o cenário do Brasil. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2009 e 2013, as polícias mataram 11.197 pessoas em casos listados como “autos de resistência”, ou seja, em legítima defesa.
Douglas Rodrigues, 17 anos, foi morto pela polícia em outubro de 2013. O jovem cursava o 3º ano do ensino médio e era garçom de uma lanchonete, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Acompanhado do irmão menor, levou um tiro de dentro da viatura policial. Não houve reação, mas a última pergunta que o jovem fez ao seu assassino ecoa nas periferias e vielas de todo o Brasil, “Por que o senhor atirou em mim?”. Famílias de jovens negros e periféricos, fazem essa mesma pergunta todos os dias. Douglas foi mais um número para um Estado que não pratica a justiça.

O cantor de hip hop com voz e violão, James Bantu, 32 anos, começou suas rimas na década de 1990 e viu a juventude mudar. “O caminho que essa juventude encontrou, principalmente nas redes sociais, enche meu coração de alegria”. James parou seu curso não porque não havia merenda, -um problema que assola as escolas de São Paulo-, mas porque um professor judeu perguntou se ele vendia maconha. “Logo depois que tranquei o curso, os secundaristas vieram e fizeram mudanças através das ocupações. Quando eu voltei, eles haviam consolidado meu direito legítimo de me alimentar enquanto estudo”, finalizou.
Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), os jovens representam 45,5% dos desempregados do país. O período de maior índice está entre 16 e 24 anos. Uma fase que coincide com a conclusão de uma formação e a busca de uma vaga no mercado de trabalho. Hoje, os jovens procuram formas alternativas para ganharem o próprio dinheiro. Desde um canal no YouTube, até aprendendo o ofício de cabeleireiro.
Casimiro Kawassaki, 25 anos, é dono da Barbearia do Casih, zona norte de São Paulo, e começou a profissão com 14 anos, na garagem de casa. “Minha vizinha cortava cabelo e eu tinha oito anos, dali foi surgindo o interesse. Hoje ensino para jovens que poderiam perder suas vidas nas ruas. É um curso barato e que beneficia a população. Não há segredo, a dica é dar o primeiro passo”, comentou.
“Duro não é o cabelo
Em outra geração
Tranças-labirintos da opressão
É o sistema
E não alisa
Quebra na emenda
De mantê-lo
É orgulho
Entenda a persistência
Crespo na essência
Político e resistência”
O poema “Duro não é o cabelo”, faz parte do livro Muzimba, na humildade, sem maldade, do poeta e cantor AkinsKintê. Com o primeiro livro lançado em 2007, e com o Muzimba em 2016, o escritor não considerava suas escritas boas para virarem música. Akins aborda temas de empoderamento da juventude e das mulheres negras. “As mulheres pensam muito mais além, pensam o mundo e a vida de uma maneira melhor. Até nas questões da saúde, que ao contrário dos homens, não se intimidam. Cada vez mais homens morrem por se sentirem superiores e não vão até um hospital” comentou o poeta.
Akins leva seu trabalho para centros culturais, casas de cultura, saraus e espaços abertos. Seus poemas falam de resistência jovem, de mulheres, de amor, de sociedade e empoderamento da população negra. “Se você observar a história, vai ver que sempre foram os jovens que começaram com grandes revoluções. Conforme o tempo passa, os motivos vão mudando, mas sempre são os jovens que tomam a frente de uma causa. Me considero um grão de areia, mas quero fazer parte da luta. Na humildade, sem maldade, como diz o meu trabalho”, finaliza.