CPI em Foco #03: um pouco de história
Essa semana, a nossa cobertura educomunicativa vai se debruçar sobre a história das Comissões Parlamentares no Brasil
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A CPI da Covid vem acontecendo e trazendo fortes emoções para os brasileiros. Nas últimas semanas, a gente compartilhou com vocês conteúdos sobre como funciona uma Comissão Parlamentar de Inquérito e um apanhado de Quem é Quem na CPI da Covid. Hoje, a gente traz um pouco de história.
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A origem das CPIs não é muito bem determinada. Acredita-se que surgiram na Grã-Bretanha, e historiadores não sabem bem ao certo quando, mas teriam se tornado populares a medida que regimes de democracia representativa foram se consolidando.
Em 1826, houve registro de um grupo de deputados e senadores que analisavam as condições do Banco do Brasil. A comissão não era intitulada uma “CPI” mas, na prática, as atividades eram as mesmas.
Esse instrumento de investigação só foi existir formalmente no Brasil no século 20, e o primeiro dispositivo que previa a instauração de CPIs por aqui foi a Constituição de 1934. No texto, apenas a Câmara dos Deputados teria autorização para criar as Comissões. Depois da ditadura Vargas, quando foi promulgado o texto constitucional de 1946, as CPIs voltaram a ser previstas, desta vez como um dispositivo autorizado para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
Nessa época, as CPIs se concentravam em temas que moviam a economia do país: agricultura, em especial o café, transporte e administração pública.
A primeira lei que trouxe regras para o funcionamento das CPIs também é dessa época, de 1952. Ela, inclusive, vale até hoje. Lá já estava previsto, por exemplo, que atrapalhar o trabalho da comissão ou prestar falso testemunho ao colegiado é crime.
Em 1963, veio a público a informação de que o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, Ibad, havia bancado candidaturas de diversos deputados eleitos para a Câmara na época. Foi então instaurada a comissão que ficou conhecida como CPI do Ibad. O escândalo foi tão grande que envolveu até queima de provas durante as investigações. Essa CPI foi extinta com o golpe militar de 1964.
A Constituição de 1967 elaborada sem debates por conta do fechamento do Congresso, estava prevista a realização de comissões mistas, formadas por senadores e deputados – um formato que não existia até então. Mas o endurecimento do regime ditatorial se agravou a partir de 1968, o que impediu a atuação dos parlamentares.
As CPIs voltaram a ser regulamentadas na Constituição de 1988, no Art.58, Parágrafo 3º. :
As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao MP (Ministério Público), para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

“Vai acabar em pizza”
A relação entre CPIs e pizza não vem da política. A expressão foi usada pela primeira vez no mundo do futebol, na década de 1960, depois de uma reunião de dirigentes do Palmeiras. Conta-se que, depois de mais de 14 horas de conversa, os dirigentes foram até uma pizzaria terminar a discussão sobre o futuro do clube comendo. O bordão teria sido criado pelo jornalista Milton Peruzzi e publicado na Gazeta Esportiva do dia seguinte: “Crise do Palmeiras termina em pizza”. A partir de então, a imprensa passou a utilizar o bordão como sinônimo de casos sem solução.

Sandra Fernandes de Oliveira, secretária de um empresário, desmontou sozinha a chamada “Operação Uruguai” em seu depoimento à CPI do PC Farias. O esquema movimentado por membros do governo Collor ventilava a ideia de que a fortuna pessoal do então presidente não provinha da corrupção, mas de empréstimo feito no país vizinho.
Em seu depoimento para a comissão, ela teria dito que sabia dos riscos que corria revelando o esquema, mas sabia também que tudo aquilo ia terminar em pizza.
Essa ideia de que as CPIs sempre podem acabar em pizza pode estar relacionada ao fato de que as comissões não têm poder punitivo. Sem punição legal, teoricamente, não servem de muita coisa.
Algumas CPIs que fizeram história
Desde a redemocratização, as Comissões Parlamentares vêm sendo um recurso acionado sempre marcadas por embates entre governo e oposição, trazendo à tona casos de corrupção e revelando atividades criminosas de membros de diversos escalões do governo, empresários e contraventores. O julgamento do Mensalão e o caso Cachoeira são bons exemplos da força que as comissões parlamentares de inquérito podem exercer nos rumos da política. Vamos conhecer a história de algumas comissões?
CPI do PC Farias – 1992
Foi a primeira grande CPI desde o fim da Ditadura Militar. A comissão investigou um esquema de corrupção envolvendo o empresário Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello à presidência da República. Collor foi eleito em 1989.

O esquema de corrupção foi denunciado pelo irmão do presidente, Pedro Collor e, a partir da denúncia, foram descobertas empresas fantasmas, venda de favores e favorecimento de empresas em obras públicas. O trabalho da CPI levou ao pedido de impeachment de Collor, que renunciou antes de ser condenado.
CPI dos Anões do Orçamento – 1993
Essa comissão investigou um esquema de desvio de dinheiro do Orçamento da União, por meio da manipulação de emendas parlamentares. O caso ficou conhecido como “anões do orçamento” pois envolvia principalmente parlamentares com pouca projeção política. Um dos principais nomes envolvidos foi João Alves, deputado apontado como chefe do esquema. Alves renunciou ao mandato na época para evitar a cassação. No final da investigação, outros seis parlamentares tiveram seus mandatos cassados.

CPI do Banestado – 2003

A comissão apurou denúncias de envio ilegal de até R$ 150 bilhões ao exterior, entre 1996 e 2002 – um esuqema que envolveu cerca de 200 pessoas e, entre outros bancos, o Banestado (Banco do Estado do Paraná). Foi uma das mais extensas investigações do Legislativo: no total, a CPI requisitou a quebra de mais de 1.700 sigilos bancários. O relatório final pedia 91 indiciamentos, incluindo o do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. O relatório final da CPI nunca foi votado pelos parlamentares.
CPI dos Correios – 2005

Começou a investigar denúncias de corrupção nos Correios, mas terminou apurando o caso do mensalão. O estopim do caso veio com a revelação de um vídeo em que um funcionário dos Correios recebe dinheiro de empresários e diz ter a autorização do deputado federal Roberto Jefferson (PTB).
CPI do Mensalão – 2005
Essa CPI começou como comissão mista em julho de 2005, e foi instalada para apurar a denúncia de distribuição de propina a parlamentares para a aprovação de matérias de interesse do governo, feitas pelo deputado federal Roberto Jefferson. Sem assinaturas suficientes para ser prorrogada, terminou 120 dias depois, sem comprovar a tese do “mensalão”.

O relator afirmou que houve pagamentos à campanha presidencial do PT de 2002 e repasses “indevidos” a parlamentares, responsabilizando o empresário Marcos Valério e o publicitário Duda Mendonça pela organização do esquema, mas não pediu indiciamentos. A CPI foi encerrada sem a votação das conclusões.
CPI dos Bingos – 2006
Instaurada para investigar a relação entre Carlos Cachoeira e Waldomiro Diniz, assessor do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. No entanto, ao longo das investigações, a comissão passou a abranger uma série de outros temas e ganhou o apelido de “CPI do Fim do Mundo”.

Foram investigados esquemas de caixa dois no interior paulista, os assassinatos de prefeitos do partido, Toninho do PT (Campinas) e Celso Daniel (Santo André), entre outros temas. O relatório final da CPI pediu o indiciamento de 48 pessoas.
CPI dos Sanguessugas – 2006

A comissão se debruçou sobre denúncias de envolvimento de deputados e senadores em um esquema de desvio de recursos da área da saúde. O relatório final pediu a abertura de processo disciplinar contra 69 deputados e três senadores, além do indiciamento de outros 6 que estariam envolvidos numa suposta tentativa de compra de um dossiê antitucano para as eleições. Apesar dos muitos pedidos do relatório final, nenhum dos acusados sofreu punições.
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E aí, curtiu conhecer um pouco mais sobre as CPIs, que já aconteceram no Brasil? No próximo post a gente volta com um perfil das principais testemunhas que vêm sendo ouvidas na CPI da Covid. Aproveita e compartilha a série completa com a sua rede!

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Referências: Agência Câmara, Câmara dos Deputados, Revista Isto É, Portal Terra, O Povo e Canal Meteoro Brasil