Comunicação e tecnologias sociais nas periferias: evento discute as potências e desafios da comunicação comunitária no Brasil
O Colóquio Comunicação e Tecnologias Sociais nas periferias foi um encontro de entre iniciativas sociais ligadas à comunicação comunitária, midiativismo e tecnologias da comunicação em prol de movimentos sociais nas periferias.
Por Juliane Cruz e Gustavo Souza
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Nos dias 31 de março e 01 de abril aconteceu o Colóquio Comunicação e Tecnologias Sociais nas Periferias, que promoveu uma série de debates com foco nas insurgências e aderências da mídia e arte feitas nas bordas dos centros urbanos. O espaço teve como objetivo promover a troca entre diversas iniciativas sociais, alguns dos projetos presentes na ação foram: Agência de Notícias das Favelas, Jornalistas Livres, Desenrola e não me Enrola e Rádio Heliópolis.

Com Harrison Lopes (Coletivo de comunicação popular Tela Firme) e Janaína Reis (Companhia Bueiro Aberto).
Mediação de Daniel Fagundes (Caramuja/Ibiralab).
A comunicação comunitária é uma das formas que a dita “minoria” encontrou de expressar sua opinião, mostrar a sua versão da história e noticiar através de outro ponto de vista que não o das grandes mídias. Essas práticas empoderam a população e colocam as periferias e favelas como espaços onde se gera conhecimento, não apenas como espaços receptores de informações.
É importante destacar que a comunicação nas favelas e periferias também é uma forma de pautar problemas sociais e enfrentar desigualdades, como as de raça, gênero e classe, além de lutar pelos direitos humanos, pela formulação de políticas públicas e respeito à diversidade. Construir as nossas próprias narrativas sobre os nossos territórios e cotidiano é enfrentar visões deturpadas sobre quem somos e onde estamos.
O acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) é fundamental para a participação cidadã, mas ainda estamos em um contexto desigual e para enfrentá-lo é necessário criar articulações que promovam não apenas o acesso para a juventude, mas também o letramento necessário para esses meios.
A maioria das iniciativas que foram apresentadas no colóquio têm também alguma ação de Educomunicação voltada para a população onde acontecem, além das práticas técnicas que são adquiridas. Estes são ganhos para toda a vida: saber como se comunicar e, principalmente, compreender e interpretar o mundo de forma crítica pode auxiliar a gente desde a conseguir metas pessoais até mesmo compreender nossos próprios sentimentos.
A falta de políticas públicas para o jornalismo independente é evidente: fica claro que quem corre “por fora” das grandes empresas de comunicação precisa criar e recriar para manter o seu trabalho ativo. A dificuldade começa, na realidade, desde os passos para garantir sua existência em um sistema onde apenas as grandes mídias têm relevância e tentam evidenciar apenas um ponto de vista. Os veículos de mídia alternativa, ao trazer novas perspectivas, nadam contra a maré.

Com Thais Siqueira (Desenrola e Não Me Enrola) e André Fernandes (Agência de Notícias das Favelas) e Mediação de Maycon Motta (Dois Neguin Filmes).
Outro ponto bastante importante citado na conversa foi FINANCIAMENTO. Sabemos que muitos projetos e iniciativas acabam por falta de investimento, e essa é uma pauta pouco citada: é difícil encontrar um financiador que realmente ofereça propostas atrativas para os projetos. Por financiarem, acreditam ter o direito de comandar a linha editorial e a rotina de trabalho. A fala de André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas na conversa sobre Jornalismo Periférico: nos becos da comunicação digital, seguiu nesse sentido:
“Uma vez conseguimos um investimento super legal e que realmente ajudaria em nossa ampliação, porém o financiador chega em mim e fala até vamos te ajudar, mas teria como você tirar o nome “favela” do projeto?”
André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas
Com a era digital e a disseminação de conteúdo pelas redes sociais, essa questão do investimento se tornou ainda mais importante, pois para ter uma atuação constante no ambiente digital, há diversos custos que precisam ser considerados: a compra de domínio para um site, o seu design e desenvolvimento, compra de equipamentos para ter como trabalhar e até investimento para divulgação e ampliação da sua voz dentro das plataformas. A monetização é uma realidade, mas sem um certo valor investido, como atuar?
Esse midiativismo, a comunicação popular e independente, ganhou força com o grande impacto das redes sociais e suas inúmeras possibilidades. Esse fator foi importante para o surgimento de novas linguagens da informação aparecerem,, e dentro delas surgem novos termos como ativismo de sofá, alfabetização midiática e letramento digital.
É intrigante pensar que, para haver um certo investimento, às vezes temos que deixar de ser quem somos, até mesmo sermos censurados ou como o exemplo dado, mudar nosso próprio nome, muitas vezes perdendo totalmente a identidade. Além de que, essa falta de recursos pode nos fazer questionar se o trabalho realmente está fazendo sentido!
O papel dos meios de comunicação social na disseminação de fake news é é realmente surpreendente. Na pandemia de Covid, por exemplo, enquanto parte dos grandes canais de comunicação divulgavam informações sem fundamento científico para a população, veículos da mídia alternativa apresentavam o contraponto e a realidade vivida nas periferias do Brasil e, em muitos casos, chegaram a desmentir informações falsas. Essa diferença de abordagem ficou evidente também nas últimas eleições brasileiras (2022). Nestes dois casos, especificamente, pudemos ver veículos alternativos, comunicadores populares, divulgadores científicos e agências de checagem trabalhando para informar e compartilhar saberes para que cada vez mais pessoas saibam o que é letramento digital e entendam a importância de checar informações, por exemplo.

Com Renato Noguera (Afrosin) e Socorro Lacerda de Lacerda (Prove) e
Mediação de Daniel Fagundes (Caramuja/Ibiralab) – Reprodução Instagram Caramuja Audiovisual
Olhando mais um pouco para o passado, é possível ver que antes dessa onda de checadores e divulgadores de ciência na internet, o protagonismo popular já estava presente em espaços de resistência e lutas. Nas manifestações de 2013, por exemplo, o papel das mídias independentes foi fortalecido. Direto dos atos, pessoas reportavam a real situação vivida ali, traziam informações sobre o que o povo estava reivindicando e evidenciaram a violência policial para conter as manifestações – essa “versão” da história não era mostrada na TV. O que víamos nos canais da TV aberta eram coberturas rasas, focadas na versão estatal dos fatos. Importante ressaltar que alguns veículos alternativos se fundaram e se desenvolveram a partir de 2013, justamente pela necessidade de retratar a realidade dos atos. Um desses grupos é o Jornalistas Livres, que estava presente no colóquio, com a participação de Kátia Passos na conversa sobre Mídia e ativismo antes e depois da web. Aqueles movimentos estruturam a ação destes grupos que foram tão importantes na produção e distribuição de informações sobre o colapso da pandemia.

É clara a importância da tecnologia na comunicação, mas a valorização de seus atores é escassa. A sociedade enxerga o jornalismo não apenas como uma profissão, e espera de profissionais uma entrega de vida, muita luta e resistência, que não tem retorno financeiro nem valorização, já que o que vemos é um cenário de precariedade da profissão, horas excedidas de trabalho, salários totalmente desvalorizados e censura.
A era da informação está em crise, e o risco disso tudo é, no futuro, as pessoas só darem valor ao trabalho de informar quando não tiverem mais acesso amplo à informação. A comunicação popular é parte importante para fomentar projetos jornalísticos inovadores. É a partir da beleza da pluralidade, que se complementa e transforma ideias em potentes ações/atuações para a sociedade, na construção de conteúdos que se tornam referências a serem seguidas e símbolos de resistência ao poder midiático hegemônico.
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