Colômbia quer a paz, mesmo sendo contra acordo

Depois dos 50,2 % de votos contra aprovação do acordo de paz, a Colômbia continua querendo o fim do confito com as FARC- mas não pela maneira que propõe o documento.

| texto e foto de destaque: Clara Wardi

 

No dia 2 de outubro, enquanto o Brasil votava para as tão esperadas eleições municipais feitas de quatro em quatro anos, a Colômbia ia às urnas não para eleger alguém se não a sua paz tomada há mais de cinco décadas. Nesse dia, pouco menos de 40% dos eleitores votaram  “sí” ou “no” para a aprovação do acordo que poderia por fim a um conflito que, até então, tinha tirado mais de 220.000 vidas. Apesar de todos os colombianos quererem a paz,o resultado vitorioso dos “nãos” surpreendeu o atual presidente, Juan Manuel Santos; o líder das FARC , Rodrigo Lodoño; e, principalmente, o mundo.

A negociação iniciada e mediada pela ONU há mais de 4 anos para pôr fim no conflito pedia, basicamente, a devolução das armas dos guerrilheiros das FARC em troca da anistia. O documento de quase 300 páginas dividiu a Colômbia entre aqueles que nunca se sentiram tão próximos de libertarem seu país, daqueles que, ameaçados, não conseguiram dar o perdãoaos rebeldes. Entre lágrimas e sorrisos, o resultado acirrado de 50,2% de “nãos” vez reverberar a frase “sim à paz mas a esta não” (esta proposta pelo acordo), no país dos três mares. Apesar do resultado, a negociação rendeu o prêmio Nobel da paz ao presidente colombiano.

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Presidente da Colombia e líder das FARC após assinarem acordo de paz | foto: Presidencia de Colombia

Para quem não sabe, As FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foram inicialmente um movimento guerrilheiro campesino, com forte ideologia política que buscava reinvindicações socais como a destribuição mais igualitária de terras, além de  protestar contra as políticas agrárias exploradoras.  Mas, nos últimos 20 anos, o caráter de luta ruralista das FARC se enfraqueceu, fazendo o movimento ser reconhecido como um grupo armado à serviço do narcotráfico que traumatizou diversas famílias donas de terras por meio de sequestros e assassinatos.

Entretanto, o caráter político do grupo não se perdeu completamente. Desde antes do início das negociações de paz, as FARC estão elaborando diretrizes  para se tornarem um partido político, com objetivos, estratégias e estrutura física. Com seus ideais nacionalistas, há a especulação de que poderá passar a se chamar “Movimento Bolivariano por uma Nova Colômbia”.

Se desmilitarizado, o grupo guerrilheiro poderá encontrar um ponto de apoio eleitoral entre os agricultores pobres e esquerdistas mais convictos, mas, por outro lado, a possibilidade de candidatura de seus membros perturba não só os ruralistas – o que foi uma das principais motivações para quem apertou o não nas urnas. Sebastian, colombiano, estudante de engenharia de 21 anos votou “Não” porque, além desse motivo, acha que há impunidade. “As pessoas lêem o tratado e não se dão conta de que estamos firmando algo que não se pode cumprir. As pessoas que não vivem o conflito direto pensam que está tudo bem. Para minha família que sofre, é muito duro o tema da impunidade.”

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Colombianos protestam contra o acordo com as FARC | foto: Agência EFE

Já Laura Parra, estudante colombiana de 22 anos, se lamenta por reconhecer que “nem todos os colombianos iam ler um acordo de 300 folhas, por isso, os que não se informaramdevidamente se deixaram  levar por rumores simplistas e vagos, como por exemplo, que haveria impunidade ou que seríamos um país como a Venezuela, socialista, comandado pelas FARC. Votei sim porque nunca na história meu país tinha chegado tão perto de alguma tentativa de acabar com o conflito.”

Nos últimos meses, o debate sobre o assunto foi amplamente divulgado pelas mídias dentro do território. O posicionamento do já conhecido e influente ex-presidente, Álvaro Uribe, foi um forte obstáculo para a luta de Santos em defesa do acordo. Tendo defendido o combate com armas como solução para o conflito durante sua candidatura, Uribe apoiou o “não” em manifestações, redes socais pessoais e em diversas entrevistas que deu para as principais emissoras de TV colombianas. Em contrapartida, Claudia Gurisatti, apresentadora do canal de notícias mais influente da Colombia (Notícias RCN), se posicionou decididamente a favor do “sim”.

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Colombianos pedem pela paz | foto: reprodução

Nesse embate de opiniões que ultrapassou as fronteiras da América Latina colocando o mundo todo em expectativa, apesar de ter decepcionado muitos, a Colômbia pôde mostrar que é uma democracia sólida ao descartar a ideia de manipulação de resultado. Quem reconhece esse ponto, apesar de ver com tristeza o que aconteceu, é Joshua Mitrotti, diretor geral da Agência Colombiana para a Reintegração- responsável por devolver os guerrilheiros que desejam devolver as armas à vida civil. Segundo ele, o presidente aceitou o resultado e já está convocando uma conversação nacional com a oposição para ver que pontos podem resolver, e negociar com Lodoño, que diz pretender seguir apoiando a paz.

Enquanto esse temido momento de indefinição avançava, as FARC já estavam praticamente fora da lista de organizações terroristas da União Européia. A guerrilha estava reunida em zonas de concentração com as armas em mãos para passarem pelo processo de reintegração civil, mas agora recolhem suas coisas e voltam para as montanhas no sul do país. Lá, como em todo o resto da nação e o mundo, se aguarda o dia 31 de outubro em que acaba o cessar fogo, ou seja, data limite para o Governo e as FARC repensarem essa outra paz que o povo colombiano deseja.

É estudante de Jornalismo da UFRJ e pesquisadora na área de sociologia e comunicação. Escreve para Agência Jovem de Notícias, Viração e poesia nas horas vagas.

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