As drogas e as políticas públicas
A abordagem errada e/ou equivocada de assuntos sensíveis e urgentes só prejudica a resolução do problema e da compreensão social. O vício em drogas e as pessoas em situação de drogadição são em sua maioria assuntos estereotipados, mal interpretados e até mesmo fruto de fake news, fortalecendo assim os estigmas sobre o assunto e a “desobrigação” dos poderes públicos.
Por Bel Pessoa
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O estado constrói um ambiente caótico e depois condena as vítimas dele.
Não é de agora que as mídias são usadas como palanque político e como meio de influenciar massas, devido a grande potência de alcance própria dessas ferramentas. Não é de hoje também que se há um estigma quanto ao vício em drogas e pessoas em situação de drogadição. Então, o que acontece quando juntamos as duas coisas? E se adicionarmos à receita um pouco de fake news e mau-caratismo? Uma das respostas possíveis está na imagem abaixo:
Certos discursos podem chegar até nossos ouvidos e telas como “falta de informação e conhecimento”, e muitas vezes podem de fato ser “apenas” isso. Entretanto, temos que nos atentar para o fato de que pessoas de grande influência muitas vezes se utilizam dessas pautas e abordam assuntos importantes de forma errada ou problemática.
Mesmo que eles não pensem desta forma ou estejam escolhendo por conta própria, ao não se aprofundarem ou não buscarem conhecimento antes de entrar em um debate ou fazer afirmações equivocadas, justamente para gerar engajamento através de tipos específicos de sentimentos em seus seguidores, estão visando algum resultado político.
Se pensarmos no que de fato é definição de saúde, o vício em drogas definitivamente é o primeiro deixado de lado, por ser entendido muitas vezes como questão de segurança pública, e não como deveria ser tratado – como uma questão de SAÚDE pública – tendo como principal meio de contenção a força policial. A questão do uso de drogas ainda vem acompanhada de uma sequência de estigmas, dos quais vale citar:
1. Moralidade
Geralmente a pessoa em situação de drogadição tem toda sua vida medida através de um julgamento moral utilizado para justificar a sua compulsão, como exemplo: se a pessoa usa drogas, automaticamente é uma pessoa ruim, de má índole ou lhe falta caráter; uma pessoa boa, exemplar e correta nunca chegaria perto de uma droga. Sabemos que não há relação direta alguma nesse tipo de afirmação, já que existem outros aspectos envolvidos em contextos de uso de drogas, que tornam cada caso muito mais complexo do que uma dualização entre bem x mal.
2. Culpabilização
“Tá ali porque quer!” “Começou a usar porque quis, agora tá colhendo o que plantou!” Quantas vezes não ouvimos isso referente a pessoas usuárias de drogas? Mas será que é assim mesmo? Acredito ser óbvio que as pessoas não se colocariam nesta situação por vontade própria, como um objetivo de vida; chegaram nesse estágio ou por falta de conhecimento das consequências, talvez, ou por não conseguirem enxergar outras alternativas para seu momento de vida, por falta de acesso aos direitos básicos e de estrutura social.
Viktor Frankel
Uma das consequências do vazio existencial é a dependência química
É possível fazer um paralelo entre nosso sistema prisional: estado, que fomenta um ambiente de repressão e exclusão de diversos direitos básicos, depois combate as consequências desse contexto violento sem se atentar (propositalmente ou não) que a base do problema está na retirada desses direitos e incentivos, principalmente os que garantem desenvolvimento mínimo na infância e adolescência. O Estado e a sociedade não entendem que quanto mais a lógica de falta de acesso ao básico impera, mais vulneráveis as pessoas – crianças, adolescentes e jovens adultos, geralmente as faixas etárias onde mais acontecem os primeiros contato com substâncias viciantes – ficam para manter sua saúde emocional e uma vida estruturada.
Midnight gospel
O problema não é a droga, mas o porquê a pessoa usa ela.
3. Aparência
É preciso também entender que a pessoa que faz uso de drogas não tem uma imagem específica – não são apenas aquelas que vivem na Cracolândia ou que se encontram em situação de rua. Elas podem ter um trabalho formal, frequentar festas e constituir famílias, como pessoas que não fazem uso de nenhuma substância. Por mais que existam portas de entrada diferentes de acordo com situações e vivências, as pessoas que passam por drogadição podem ser de diversas classes sociais e compor diversas realidades.
Um exemplo que derruba esse estigma da “aparência” vem da série “Onde está meu coração”. Na trama, Amanda é uma brilhante médica, dedicada a seus pacientes. Mas a pressão diária do trabalho acaba sobrecarregando, o que faz com que a moça busque algum tipo de consolo nas drogas.
Assim como a pessoa em situação de drogadição não possui um padrão, a droga também não. Temos em mente que droga é só aquela ilícita – como a cocaína, o crack e etc. Mas temos que reforçar que outras substâncias também podem viciar – o uso de remédios, cafeína e até açúcar podem ser tornar vícios e podem ser consideradas drogas.
Temos um problema atualmente com a questão do uso de drogas: estamos vendo uma espécie de “glamourização” do uso de medicamentos, em sua maioria os psiquiátricos, mas também alguns direcionados para outras questões. O uso indiscriminado desses medicamentos vem sendo popularizado como algo legal, da moda, e até tratado como brincadeira em alguns contextos.
Acredito que a falta de conhecimento sobre o que de fato se caracteriza como droga e todas as consequências delas assim como a não culpabilização e a criação de políticas públicas efetivas em muitas vertentes auxiliaria pessoas a não se render ao vício, assim como tornaria mais fácil a busca por tratamento tanto da drogadição, quanto emocional.
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Este artigo faz parte de uma série de produções relacionadas à temática do sistema de saúde, determinantes sociais e seus atravessamentos, produzidos como proposta de avaliação para a disciplina de Terapia Ocupacional e Saúde do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Acompanhe as outras publicações!
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