Paul Benney, Levitation

Àqueles que decidiram viver suas vidas intensamente

O mundo fecha os olhos porque é mais fácil não enxergar aqueles que observam demais. os que têm o trabalho redobrado de decifrar o indizível, tatear o imperdoável, e escrever sobre os sentimentos mais complexos, sujos e profanos da humanidade […] o mundo não está preparado pra quem escreve. pros que não se jogaram das pontes, mas se jogaram no ácido que é existir [e saber da própria existência, porque muitos não sabem]. pros que colocaram suas próprias vidas em livros, textos, contextos e ficção. – todas as coisas que eu te escreveria se pudesse, de Igor Pires.

Uma reflexão, na tentativa de alcançar alguém perdido, na esperança de devolver um pouquinho de consciência, falando sobre a arte e a dor da vida. Inspirada no livro de Igor Pires.

Por Duda Matias

A todos os escritores, amantes da arte e da vida, que observam de tudo e sentem de tudo, que são gratos à finitude infinita da vida, que anseiam por novas experiências, sentimentos, memórias. Àqueles que de alguma forma querem ter o seu lugar no mundo, fazer a diferença, tocar pessoas e serem tocados. Àqueles que têm a coragem de mostrar e enfrentar suas vulnerabilidades, fraquezas, medos e entender que isso é o que te torna, além de tudo, humano.

É engraçado que, a partir de um certo momento, fomos convencidos de que não apenas éramos – humanos – feitos de carne e osso, mas muito mais do que isso; feitos de sentimentos, incógnitas, sensações, emoções. Cheios de crenças, perspectivas, vontades, inseguranças, sonhos e amores. Cheios de vida.

Eu não sei se é a nossa sociedade, a situação do mundo, o capitalismo ou qualquer outro motivo que possa ser utilizado como “desculpa” para não observarmos e sentirmos o óbvio: que somos seres humanos – e não máquinas. Eu também não quero culpar algo específico para isso, até porque os meus pensamentos aqui nesse texto na verdade são uma tentativa quase esperançosa de me identificar com alguém ou de fazer alguém se sentir identificado.

Nós, que temos a intensidade à flor da pele, que acreditamos demais nas coisas, em algum momento nos deparamos com a parte “feia” do mundo e booom, vira um baque maior do que podemos suportar. 

Não sei se concordo em chamar de parte “feia”, mas quando digo isso estou falando de quando nos deparamos, e queremos absorver toda a dor do mundo, das pessoas, curar a fome, parar o aquecimento global, salvar os animais e todos os problemas do planeta. Porque quando pensamos, pensamos de muito e de extremo, porque quando queremos, queremos demais, porque quando sentimos, sentimos intensamente, porque somos – alguns explosivos, alguns expansivos e alguns impulsivos, mas todos somos – grandes.

Paul Benney, Hand Candle

Não conseguimos ignorar a dor do outro, temos a empatia como base de vida, colocamos nossas mãos no fogo – mesmo com medo – sem pensar duas vezes, e muitas das vezes nos queimamos.

Alguns de nós escrevem, pintam, desenham, outros cantam, dançam, encenam. Alguns fazem mais de uma atividade e outros fazem coisas inimagináveis e infinitas, porque a arte é infinita, e – na minha percepção – ela está intrínseca a todos os seres humanos. Expressar o que somos é quase tão vital quanto respirar, e existem formas abundantes de se sentir conectado ao mundo e a vida – por mais diferente que você seja.

Eu sei que talvez algumas pessoas não tenham a oportunidade de sentir isso, mas eu tenho fé que um dia elas possam encontrar essa sensação. E você que tem a sorte de entender do que estou falando: você já percebeu o quanto você é sortudo ou sortuda por estar aqui? Vivendo? Existindo no mundo?

Não me entenda mal, eu não quero dar lição de moral ou parecer aqueles coaches falando sobre como a vida é linda. Estou aqui na tentativa de acudir alguém que está perdido, como eu, que talvez não esteja conseguindo lidar com a vida no momento. Que como sente muitas coisas, e vários dos sentimentos positivos são mais escassos do que presentes – e, quem sabe, por isso sejam tão buscados – também sente muito medo, de tudo, que passa a desacreditar dos caminhos e sonhos que tinha planejado. 

À você, pessoa intensa, grande, infinita, não esqueça de que é humana! Decida suas próprias trajetórias, mesmo que não seja o que pensou para ti antes. Somos inconstantes e estamos o tempo todo em movimento, você não é o mesmo de ontem, quem dirá de anos atrás. Tenha a ousadia de se arriscar, te peço para que queime, que sinta a insuportável dor, que se jogue do penhasco que foi criado pelo medo paralisante, crie asas e voe. Tenho certeza que assim como você, grandes coisas te esperam.

Não se culpe por sentir tudo isso e nem se desculpe por ser quem é. A dor de existir é quase insuportável, mas não desista de querer sentir tudo que há para sentir, estamos vivos, afinal.

Não se apegue no que um dia nos disseram sobre como não podíamos errar, demonstrar fraquezas, sobre o peso de termos que ser os melhores. Erre, erre muito. Seja o mais sensível que puder com você, com as pessoas e com o mundo. Não seja o melhor, seja de verdade, seja humano e tenha fé na humanidade.

Para todos aqueles que decidiram viver suas vidas intensamente, com toda a dor do mundo, mas com toda a sua beleza também.

Por último, sei que o texto já tá grande hihi, mas quero deixar aqui um trecho, do mesmo livro, que me inspirou a vir aqui e dizer isso:

Obsessão Urbanóide

o que seria do mundo sem as pessoas que amam? sem aqueles que mandam mensagem primeiro, sem os que ligam no dia seguinte para estreitar os laços, os nós. como o mundo suportaria viver sem aqueles que cuidam não só de si mesmos, mas do machucado do outro também – por caridade ou por serem bons demais? como o universo conseguiria dar à luz tantas estrelas sem os que enfrentam a solidão de frente, com o peito aberto […]

como o universo conseguiria dar conta do ecossistema sem as pessoas que ligam pra saber se está tudo bem, as que passam horas ao pé do ouvido dando risada e costurando na membrana do outro um sentimento de que vai passar. o que seria do mundo sem as pessoas que gritam pelo direito de amar, e por isso rasgam papéis, manifestam-se nas ruas, usam o corpo como voz política.

capa do livro “todas as coisas que eu te escreveria se pudesse”

como o dia de amanhã poderia amanhecer sem […] aqueles que olham os senhores jogando dominó na praça e agradecem pois o elixir da vida continua exercendo-se nas esquinas da cidade. […] sem as pessoas que inflamam a si mesmas para ele próprio não queimar? o que seria do mundo sem as pessoas que colocam fogo nas próprias linguas para não gritar as dores do que não aguentaram? porque há essa gente que continua vivendo, ainda que com uma baita vontade de vociferar as mágoas, de ir pra longe, pra um lugar sem pressa, sem violência, sem inexatidão […] que avistaram a oportunidade de dar as mãos aos que não conseguiram viver, e mesmo assim optaram por permanecerem aqui, completando com amor a parte que falta na existência humana. 

porque o mundo só é equilibrado dessa forma por causa daqueles que pintam memórias em paredes mofadas, dos que dançam com os pés cheios de tinta pelo meio da casa, dos que fecham os olhos embaixo da chuva e entoam hinos pra algum deus poder iluminar toda vizinhança. tem sempre alguém orando pelo mundo […]. há sempre alguém imaginando que amanhã a desigualdade terá ido embora para nunca mais voltar. tem sempre um ser humano desejando urgentemente a cura pra alguma doença – a inexistência de afeto entre nós permanece. 

há sempre algum poeta estendendo os limites do pensamento pra ver se consegue puxar outras pessoas pra dentro do sentir, outras pessoas pra cá. o que seria do mundo sem tanta gente amando nele? confesso que não sei…

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