A vacina mais esperada
Obviamente que a vacina mais esperada é contra o mal mais presente, mas não se engane – não é o Covid 19.
Por Lucas Schrouth
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Pânico
A pandemia foi experimentada de forma global e cada experiência dessa resultou em sentimentos distintos, um deles foi o pânico generalizado – alguns diriam até induzido. Numa situação de conflito, ameaça ou medo, dizemos para o outro se acalmar, respirar e depois analisar a situação de fora.
Na situação em que vivemos isso é um tanto difícil, pois a situação é presente e constante.
Analisar a situação da pandemia de forma racional, impessoal e metódica é algo extremamente difícil – como se diz em linguística, quem estuda a língua estuda um objeto do qual faz uso para seu estudo – caímos numa dialética, pois uma análise feita hoje sobre o estado atual dessa crise amanhã já estará desatualizado. Também é praticamente impossível fazer uma análise completa de como todas as áreas estão sendo afetadas neste momento.
O pânico não pode ser constante – ele é ‘de lua’ – portanto, a constante de horror banalizou o pânico, o transformando em histeria. Conviver com o mal ou o terror cotidianamente banaliza seu valor, assim exalta seu espantalho – no caso do pânico a histeria.
O medo como uma das emoções primárias, ao contrário do que muitos pensam, é extremamente racional – parte do princípio de autoproteção (biológico).
Portanto, é preciso recobrar a sanidade: a pandemia não acabou, mortes ainda ocorrem todos os dias, a vacina é uma certeza incerta e devemos tomar cuidado. Parece, mas não é pedir muito que nos sentemos e sejamos um pouco frios na análise dos fatos – com uma frieza compassiva, podemos dizer assim – sempre com um olhar humano olhando para outras vidas humanas, a fim de nos livrarmos das conspirações, gritos vazios e mal intenções ocultas.
Individualismo Narcísico
O medo leva ao refúgio – refugiar-se no primeiro ponto de esperança que encontrar. Muitos encontraram esse abrigo em si, nos corredores de sua mente e na ambição de seus desejos. Infelizmente a paixão por si mesmo cresceu muito neste período chamado de isolamento social, mas que na verdade trazia incrustado um mal mais antigo, o isolamento emocional.
Apesar de não podermos manter a mesma intimidade de contato que tínhamos, é inegável que antes já não se mantinha tanto contato como lembramos hoje – e é de certo modo inocência achar que isso vai mudar drasticamente pós-pandemia. Quem é quem neste novo contexto? Eu uso John Donne para responder, e digo que nós somos todos, fazemos parte do gênero humano e a morte de qualquer pessoa nos diminui.
Estender a mão a quem necessita ou liberar palavras construtivas a quem precisa ouvir, hoje representa mais do que um sorriso por trás da máscara – é preciso lembrar que existe uma pessoa por trás desta; é como no trânsito: quando alguém estende a mão para fora do carro, PRONTO, lembramos que existe um ser como nós ali pilotando.
É importante manter (antes, construir) a sua identidade, quem você é de fato – há uma dose saudável de individualismo – mas não se pode deixar de nutrir um certo espírito de comunidade, um senso de participação na história humana.
Olhar para além de si e agir bem para com o outro exige um certo pouco de coragem, mas sem ela, como sairemos da casa em nossa mente todos os dias e procuraremos conhecer o outro?
O Vírus e O Ser
O vírus se fez de “corpo presente” enquanto que o “ser”, antes comum, se fazia em símbolo distante. Este é o principal vírus que aí está muito antes da Covid-19. O ser contemporâneo que a primeira coisa que não é, é ser – ser a si, ser em si e ser por si. Parece um tanto metafísico mas, ao contrário, é bem prático, bem cotidiano e bem visível.
A autodissonância cognitiva – ou seja, a desconexão consigo – de si mesmo é um mal que tem se alastrado. Cada vez mais pessoas estão frustradas, aumenta cada vez mais o consumo de psicofármacos, cresce cada vez mais a violência e depressão, tudo isto possui uma causa? Não, mas uma semente comum é a ausência de si. Não ser a si mesmo dói muito (insuportavelmente dói) e não é possível compreender o outro, se não a si mesmo entende.
Muita insatisfação com o trabalho, com os relacionamentos interpessoais (conjugais, parentais, fraternais), com o conhecimento (que muitas vezes pouco se absorve), tudo isto vem crescendo e é muito denunciado em diversas áreas da vida humana. Mas é importante pensar num indivíduo que em si não possui significado – além do humano – mas que se significa em sua vocação, ou seja, em como serve bem as pessoas, na maneira como melhor se torna em favor do outro.
A Cura

Mesmo que vacinados, recuperados ou nunca infectados, muitos dos que voltaram a circular continuam intimamente doentes.
Padecem na alma – o ‘self’ – e a cura não é fácil e nem rápida. Uma onda de autoconhecimento fajuto se espalhou, como se fosse possível conhecer-se por meio de uma lista de defeitos e qualidades – que não se percebe de cara, mas não são de maneira alguma, absolutos e atemporais a si.
Conhecer-se envolve inteirar-se de si mesmo, ou seja, tudo que está em mim sou eu. Claro, não se pode cair na armadilha de cultuar um amor narcísico, por isso logo após uma contextualização de si – quem sou? Por que sou? O que serei e o que fui? O que quero e por quê? – é preciso mudar o foco, deixar de olhar-se para entender-se.
Deixei entender e confirmo, este processo é dialético e não estático – de maneira alguma estático – nossa vocação é uma maneira inteligente e prática de se conhecer, como sirvo melhor a sociedade? Sendo mais pessoal, como me doo e contribuo melhor para com o outro? Como dizia Viktor Frankl, se você não sabe qual é sua missão na vida, já tem uma: encontrá-la.
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