A polêmica Jennette McCurdy se revela uma excelente escritora
Jennette McCurdy cresceu em meio aos holofotes. Desde muito cedo, teve que lidar com grandes responsabilidades. Algumas delas eram muito maiores do que uma criança consegue aguentar. O novo livro da atriz de iCarly vem, então, como uma denúncia sobre os abusos vividos por jovens atores e as relações problemáticas entre pais e filhos. Será que família é sempre sinônimo de amor?
Por Sofia Leite
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Jennette McCurdy fez parte do elenco principal da série adolescente de sucesso iCarly. Ainda muito jovem, conheceu a fama, o que poderia ter sido bom, mas, para ela, foi traumático. Foram anos sofrendo abusos, fazendo coisas que não queria, tendo ataques de pânico e distúrbios alimentares. Foram anos da infância e da adolescência perdidos, fazendo uma coisa que ela detestava: atuar.
Em seu livro de memórias, Estou Feliz que Minha Mãe Morreu (2022), a Sam de iCarly nos conta detalhes de todo o processo para se tornar atriz e de todo o desgaste emocional e físico que veio junto com isso. Como o título sugere, a mãe de Jennette, Debra, foi a principal responsável por esses traumas.
Debra era a vida de Jennette, era o que dava sentido ao seu existir. O maior objetivo da atriz era deixar sua mãe feliz, fazendo exatamente aquilo que era esperado dela. Debra queria que Jennette fosse atriz, então, a menina foi atrás disso. Se sua mãe não conseguiu alcançar uma carreira no ramo da atuação quando jovem, Jennette faria isso por ela. As frustrações de Debra em relação a isso, seriam sanadas pela filha. Jennette não ousaria decepcionar a mãe de forma alguma.
Ela lidou com a pressão dos testes, com os assédios dos fãs e dos seus superiores nos programas, com o medo de falhar e com a chegada precoce de grandes responsabilidades. Enfrentou tudo pela mãe. E enfrentaria mais o que fosse preciso. Jennette deixou de viver sua vida e começou a viver a vida que a mãe queria. Desde o sabor de sorvete que escolhia, até a profissão que seguiria, tudo era ditado por sua mãe. A liberdade não era uma opção. Como ela poderia ser capaz de deixar a própria mãe infeliz?
Jennette não conseguia ver as atitudes da mãe como problemáticas, afinal, era a mãe dela, a pessoa que mais a amava no mundo. Tudo que Debra fazia só podia ser para o bem da filha. Era assim que Jennette pensava. E é assim que ela constrói toda a narrativa do livro, pela perspectiva daquela criança que não entendia os abusos que sofria. Toda a violência é muito sutil na história, porque era assim que Jennette via. Mas, mesmo assim, é extremamente visível para o leitor a problemática relação entre mãe e filha ali descrita.
Era tudo baseado no dinheiro e na autorrealização através do outro. Debra não queria o melhor para a filha dela, queria o melhor para si. Por isso, Jennette não podia crescer e perder seu lugar como ícone teen, que dava tanto retorno financeiro. Foi aí que surgiram a contenção calórica e os transtornos alimentares. Comendo menos, o corpo de Jennette não se desenvolveria e ela poderia ser criança para sempre. Parecia uma boa ideia para ela. Uma ideia sugerida pela mãe, que nunca faria mal a Jennette.
Uma relação que gerou ansiedade, síndrome do pânico, anorexia, compulsão alimentar, bulimia e vergonha de si mesma não tem como ter sido saudável.
As frustrações de Debra, que provavelmente tinha a ver com coisas que seus pais a proibiram de fazer, não podiam ser passadas para Jennette. Ela era só uma criança, que não merecia ter a felicidade de ninguém como sua responsabilidade. Somos todos seres humanos distintos, com nossas individualidades, nossas preferências, nossos sonhos e pensamentos. Jennette e Debra não eram uma só.
A família é importante, claro, mas como mostrou Jennette McCurdy, ela não é merecedora de uma idolatria cega. Nem sempre as atitudes da nossa família representam amor. Precisamos entender isso e aprender a diferenciar abuso de afeto, assim como fazemos nas nossas outras relações. Com a família não pode ser de outro jeito. Família não é, necessariamente, sinônimo de cuidado e amor.
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